- A crise que
despoletou agora na Ucrânia pôs a nu a fragilidade estrutural da União
Europeia e a sua incapacidade de levar a cabo uma política externa
condizente com os valores e princípios teóricos que defende.
- Está-se de novo face
à iminência de desagregação de um país no centro da Europa, tal como
sucedeu com a ex-Jugoslávia, e corre-se ainda o risco de se vir a assistir
a outras alterações de fronteiras, sem soluções imediatas para se conter
tais fenómenos centrífugos.
- A parte ocidental da
Ucrânia mostra uma clara vontade de integrar o espaço comunitário europeu.
Contudo, o lado oriental desse país dá também visíveis sinais de se querer
juntar ao gigante vizinho, a Rússia, com quem mantém indiscutíveis
afinidades étnicas. E a própria Rússia não consegue disfarçar a sua velha
ambição imperial, uma ambição que parece não passar, necessariamente, pela
reconstituição da antiga União Soviética mas, sim, por colocar sob a sua
tutela todos os territórios habitados significativamente por populações
russófonas. Isso faz com todos os países europeus que confinam com a
Rússia se sintam ameaçados.
- O instrumento mais
eficaz que a Europa possui para conter as ambições russas é o Pacto
Atlântico, tutelado pelos EUA. E este país, não obstante todos os riscos
inerentes a um possível conflito militar de grande envergadura na Europa,
tem dados sinais de uma maior liberdade de acção no tocante ao seu
relacionamento com a Rússia. Ao ponto de, numa das suas mais
significativas intervenções feitas recentemente, o presidente Barack Obama
ter apresentado o seu poderio militar face ao da Rússia como elemento
determinante em caso de não se chegar a um entendimento pela via diplomática.
- Por seu lado, a
Europa mostra-se demasiado tímida e hesitante no tratamento da questão da
Ucrânia, muito em especial porque, na eventualidade de um conflito militar
de grande envergadura, ele vir a ter lugar, mais uma vez, no seu espaço
geográfico, acarretando, inevitavelmente, a destruição de uma boa parte do
seu território, como sucedeu, por exemplo, aquando da Segunda Guerra
Mundial.
- Pondo, embora, de
parte a hipótese de conflito militar, a aplicação de duras sanções
europeias contra a Rússia, levanta demasiadas interrogações, face à
interdependência entre as economias dos dois lados – dos países europeus e
da Rússia.
- O espaço da União
Europeia, integrando 28 países, conta com 505 milhões de habitantes, cerca
de 10,5% da população do planeta. A União Europeia consome 20% de toda a
energia produzida no mundo, mas possui reservas diminutas, sem comparadas
com o que consome. Possui somente 1% das reservas mundiais de petróleo,
1,5% das reservas de gás, 4% do carvão.
- A União Europeia
ainda depende demasiado dos combustíveis fósseis, não obstante o esforço
crescente que faz para reduzir essa dependência. E tem também uma
dependência enorme face aos seus fornecedores, com especial destaque para
a Rússia, de quem recebe o essencial do carvão, do petróleo e do gás
natural.
- Face a isso, a
Rússia socorre-se muito da Gazprom como instrumento privilegiado da sua
diplomacia económica. Só que a dependência dos recursos fósseis
provenientes da Rússia tem também outra face: a Rússia depende igualmente
das receitas provenientes das suas vendas à Europa. As receitas da Gazprom
– detida em 50% pelo estado russo – provêm em cerca de 60% das suas
exportações de petróleo e gás para a Europa.
- Quer a Rússia, quer
a União Europeia terão todo interesse em diversificar as suas relações. É
já bastante notório o modo como tentam fazê-lo. Só que, em termos de
comércio internacional, quer a matriz de consumo, quer a estrutura das
parcerias, levam algum tempo a ser consumadas.
- O eurodeputado
franco-alemão, Daniel Cohn-Bendit, anunciou no Parlamento Europeu a
decisão de pôr fim à sua já longa carreira política, no final de cerca de
46 anos de activismo e enorme mediatização pública. O ponto mais alto
dessa mediatização ocorreu precisamente há 46 anos, quando emergiu como o
rosto mais visível do movimento do protesto estudantil que explodiu em
França e que passou para a história com o nome de Maio de 68 – marco de um
protesto que, depois, se espalhou por largas partes do mundo,
especialmente na Europa e na América Latina.
- Para as gerações
actuais, quer na Europa, quer em outras partes do mundo, o nome de Daniel
Cohn-Bendit não quererá dizer nada ou quase nada. Para a minha geração,
ele foi o contestador mais famoso de uma época que exigia profundas
mudanças, muitas das quais ficaram apenas pelo sonho…
- Fazendo uma análise
retrospectiva, vejo que a contestação social de 1968, de que Daniel
Cohn-Bendit se tornou o grande emblema, resultou dos fenómenos
contraditórios emergentes do desenvolvimento do modelo capitalista na
Europa – e um pouco por todo o mundo – assim como dos decorrentes da
implantação do “socialismo real” no chamado Bloco do Leste europeu. Decidi,
por isso, revisitar esse período histórico. Vamos, pois, ao relato, mesmo
que sucinto, do acontecido.
- Tudo começou com a
eclosão de greves em algumas universidades e escolas de ensino secundário
em Paris, após confrontos com a administração e a policia. À repressão
policial, os estudantes franceses responderam com a convocação de uma
greve geral que foi acompanhada por boa parte dos trabalhadores que também
decidiram pela ocupação de fábricas em toda a França.
- O envolvimento da
classe trabalhadora deu outra dimensão ao movimento de contestação
iniciado pelos estudantes, pondo em causa o poder do general Charles De
Gaulle, então Presidente francês.
- Os líderes
estudantis reivindicavam o fim dos valores da “velha sociedade”, e o
surgimento de novas regras de funcionamento no sistema educativo, o
abandono dos velhos conceitos sobre a sexualidade e o prazer. Tiveram,
assim, o apoio explícito de renomados pensadores da época, mesmo que
alguns, como o filósofo Jean-Paul Sartre, tenham posteriormente declarado
não ter entendido bem o que realmente queriam aqueles jovens
contestatários, tal era a heterogeneidade do movimento…
- A contestação
juvenil aderida inicialmente pela classe trabalhadora foi todavia vista com
alguma relutância quer pelos sindicatos dos operários, quer pelo Partido
Comunista Francês, na época muito próximo dos cânones do Stalinismo.
- O general Charles De
Gaulle decidiu, então, realizar eleições, e satisfazer algumas das
principais reivindicações dos trabalhadores – como, por exemplo, aumentos
salariais e melhores condições de trabalho – provocando, assim, a corrosão
e a desmobilização do movimento de contestação que estava a pôr em causa o
seu poder.
- Embora se tenham
travado combates de rua entre estudantes e forças policiais, as reivindicações
estudantis eram assumidas, sobretudo, pela exibição de cartazes onde se
podiam ler frases como: “A imaginação ao poder”, “Abaixo o realismo
socialista. Viva o surrealismo!”, “É proibido proibir”, etc. Havia aqui,
pois, uma mescla de esquerdismo com anarquismo, deixando também de
sobreaviso os próprios líderes do Bloco Comunista Europeu.
- O grande inspirador
da chamada Nova Esquerda, Herbert Marcuse, transformou-se num dos
principais apoiantes dos estudantes revolucionários que tiveram igualmente
a adesão de outros intelectuais, entre os quais cineastas famosos como François
Truffaut e Jean Luc-Godard. Inspiraram ainda músicos como os Beatles -
através de “Revolution” - e os Rolling Stones – que compuseram “Street
Fighting man”.
- O movimento insurreccional
ganhou adesão no próprio espaço político dominado pela então União
Soviética, de que resultou a chamada “Primavera de Praga”, de Alexansder
Dubcek, com a implantação do seu “socialismo humano”, reprimido pelos
tanques de guerra do então Pacto de Varsóvia. E foi para além da Europa,
para o Brasil e para o México.
- De certa forma, a
minha geração política e académica é também tributária desse movimento de
contestação que nasceu nos meios estudantis da Universidade de Nanterre,
nos arredores de Paris, e que rapidamente mereceu a adesão da Sorbonne,
estendendo-se até mesmo para universidades no Japão.
- O pano de fundo de
tudo isso era a insatisfação de uma geração de novos actores sociais que
estimularam a acção posterior de movimentos ambientalistas, defensores dos
direitos humanos, lutadores pelos direitos das minorias, a luta contra a
segregação racial e outras formas de discriminação.
- Fazendo hoje um
balanço, é justo dizer que o movimento reivindicativo que teve em Daniel
Cohn-Bendit o seu rosto mais visível deixou marcas indeléveis no percurso
da nossa história moderna – mesmo que os historiadores de agora lhe
reconheçam a falta de um ideário bem estruturado.
- É justo, pois, o
modo como o Parlamento Europeu lhe rendeu homenagem, ao reconhecer a validade
do papel que desempenhou ao longo destes anos – vinte dos quais como euro
deputado.
- Por mim, e pelos que
comigo comungaram os ideais de liberdade, aqui vai o nosso abraço
fraterno, quando decides, agora, colocar ponto final a mais uma fase da
tua luta por um mundo melhor.