JUSTINO PINTO DE ANDRADE (14/06/2011)
IÉMEN – UM EMARANHADO DE CONFLITOS
1.
Embora a NATO esteja a intensificar os bombardeamentos aéreosna Líbia, a atenção mundial concentra-se agora no Iémen e na Síria, países onde a contestação assume proporções tidas já como dramáticas. Pelas suas conexões, qualquer um dos dois conflitospode repercutir-se nos países vizinhos e mesmo até incendiar uma boa parte do mundo árabe.
2.
É, sobretudo, por isso que decidi abordar esta questão, na tentativa de ajudar a um melhor entendimento, o que somente se consegue se lhe dermos uma perspectiva histórica e, também, no quadro da geopolítica actual. Estamos, pois, a falar de uma área geográfica que é, seguramente, das mais complicadas do mundo: o Médio Oriente.
3.
Hoje há a tentação para se assumir todos os movimentos de contestação aos regimes ditatoriais instalados na região arábicacomo simples erupções populares visando a consagração de regimes políticos mais democráticos. Acredito que assim o seja em alguns países, como foram os casos do Egipto e da Tunísia, mesmo até da Líbia.
4.
Pelo modo das manifestações, ficou visível que os protestos naqueles países visavam o derrube de ditaduras e a sua substituição por regimes democráticos mesmo que, a certa altura, se tenham juntado aos protagonistas iniciais um outro tipo de contestatários, muitos dos quais com outras motivações, algumas delas de carácter religioso.
5.
No caso do Egipto, não está posta fora de hipótese a existência damão invisível da Irmandade Muçulmana, mesmo que tal facto não retire o mérito democrático aos jovens que desencadearam o processo. Compete agora aos protagonistas bem intencionados agirem no sentido de evitar que outros protagonistas se aproveitem do seu trabalho e, em especial, da sua boa-fé para desviarem o rumo dos acontecimentos, fazendo abortar os projectos que os primeiros idealizaram. Compete-lhes também fazer prevalecer os interesses nacionais, não deixando, pois, que eles sejam superados pelas ambições hegemónicas de potências estrangeiras, geralmente mais interessadas em fazer vingar os seus ganhos eventuais. Esse éum risco a ter sempre em conta em contextos de mudança.
6.
Visto na aparência como uma luta contra uma ditadura renitente, o caso do Iémen tem ingredientes que não se podem perder e vista.Pelo seu passado, pelo modo como se constituiu, e também pelo seu presente vive hoje, trata-se de um país onde, afinal, coexistemvários conflitos muitos dos quais imbricados, e outros até ligados por ténues lianas.
7.
A actual República do Iémen resultou da unificação, em 1990, doque antes foram dois países soberanos e com processos de gestação distintos: o Iémen do Norte e o Iémen do Sul.
8.
A parte norte do Iémen esteve durante muitos anos sob domínio do Império Otomano, um domínio que deixou como herança uma forte cultura islâmica. Sofre ainda grande influência da Arábia Saudita, com quem confina. Tornou-se um estado independente,fruto da derrota do Império Otomano no final da I Guerra Mundial, adoptando a designação República Árabe do Iémen.
9.
O Iémen do Sul foi primeiro um protectorado e, depois, passou acolónia britânica, na altura em que estes estavam profundamenteengajados naquelas paragens, por causa do intenso fluxo comercial com a Índia. Tornou-se independente do Reino Unido em 1967,optando pela instalação de um regime filo-comunista. Mesmo assim, e fruto do contacto político e cultural com a potência colonial, o Iémen do Sul tornou-se culturalmente mais ocidentalizado do que o seu vizinho do norte.
10.
A queda do Império Soviético debilitou o governo do Iémen do Sul, e facilitou a unificação dos dois territórios. Estabeleceu-se, então, o compromisso de a nova República ser dirigida por um Presidente originário do norte e um Primeiro-Ministro originário do sul do território.
11.
Embora possua algumas reservas de petróleo e gás, o Iémen é o estado mais pobre do mundo árabe. Está, também, repartido por diversas tribos, muitas das quais mantêm milícias, o que dificulta o controlo efectivo de todo o território pelo governo central. São essas tribos que dominam as áreas rurais e se tornam campo fértil para a disseminação de movimentos insurgentes até de cariz religioso.
12.
Um dado importante a juntar a este complexo problema é o facto de a família de Osama Bin Laden ser originária do Iémen, o que,de algum modo, explica a forte implantação da Al Qaeda no país.Não é, pois, por um mero acaso que essa organização terrorista realizou algumas das suas acções mais espectaculares precisamente no Iémen, onde há, também, unidades especiais norte-americanasque lhes dão combate. Já se compreende melhor a razão por que oPresidente Ali Abdullah Saleh tem alegado que a sua saída do poder daria campo livre aos extremistas dessa organização. É que ele quer apresentar-se ao mundo como o político iemenita mais capaz de travar a Al Qaeda.
13.
Em resumo, o Iémen corre, pois, o risco de mergulhar numa profunda guerra civil, envolvendo, por exemplo, os houthis (tribos xiitas do norte), os grupos separatistas que se espalham pelo sul do país, além, claro, dos seguidores de Bin Laden.
14.
Porém, a importância estratégica do Iémen não se limita a este complicado “caldo” de forças extremistas. Ela aumenta ainda mais se tivermos em conta que é uma peça-chave na região do Mar Vermelho, uma vez que controla a parte norte do Golfo de Aden. O Mar Vermelho e o Golfo de Aden são uma região bastante sensível para o comércio mundial, que vive em permanentesituação instabilidade, desde que a soberania da Somália se esboroou e emergiu com crescente actividade a acçãodesestabilizadora dos piratas do mar.
15.
Percebo agora com mais clareza o porquê dos autênticos “pezinhos de lã” com que o mundo, e, em especial, o Ocidente tratam o conflito no Iémen, onde qualquer acto precipitado pode desencadear vários tipos de conflitos que, depois, se alastrarão aospaíses vizinhos, eles igualmente muito vulneráveis.
16.
É mesmo caso para dizer: O Iémen não é a Tunísia, nem o Egipto, muito menos a Líbia… Caso queiramos, podemos mesmo equipará-lo à Síria, um outro esquema bastante complicado.