- O discurso do Sr. Presidente
da República, do dia 15 de Outubro na Assembleia Nacional introduziu
definitivamente no debate nacional o jargão da “Parceira Estratégica”, com
o anúncio público da suspensão de uma projectada parceria estratégica com
Portugal.
- Alguns analistas
fizeram uma leitura bastante simplista dessa decisão, passando a ideia de
estarmos no limiar de uma ruptura de relações com Portugal e, consequentemente,
da hostilização dos seus cidadãos aqui residentes e da perseguição dos
investimentos económicos portugueses em Angola. Embora haja agora sinais
de alguma “revanche” estou, porém, convencido que, dentro em breve, esse
receio se dissipará e que a discussão ganhará contornos mais sérios, mais
equilibrados, construtivos e realistas.
- A confusão que se
instalou decorre do facto de nem todos terem uma noção clara do que é uma
Parceria Estratégica. Há quem a confunda com o mero relacionamento entre
os Estados, mas ela, na verdade, corresponde a um nível de relacionamento
superior e mais estruturado.
- Face à globalização dos
mercados, ao aumento da agressividade da concorrência empresarial e à
aceleração do ritmo das mudanças tecnológicas, as empresas são, por vezes,
impelidas a encontrar métodos engenhosos e estratégias expeditas para
garantirem o êxito dos seus negócios. Podem fazê-lo, precisamente, pelo
estabelecimento de alianças com outras empresas – a que chamam parceiras.
As alianças estratégicas entre as empresas situam-se no espaço compreendido
entre o simples acordo de subcontratação e a fusão ou a aquisição.
- A subcontratação não
implica o desaparecimento de qualquer das partes, e traduz-se numa prestação
que uma empresa faz à outra mediante remuneração. Na fusão e na aquisição,
ou as duas partes dão origem a um novo ente jurídico, ou apenas um dos
entes jurídicos sobrevive.
- À semelhança do que
sucede no mundo empresarial, as alianças estratégicas entre os Estados são
uma forma de minimizar custos e potencializar ganhos, face à crescente globalização
das relações internacionais. Por essa via, os Estados podem expandir as
suas actividades e tornarem-se mais competitivos. Tais alianças
estratégicas devem assentar no princípio da igualdade e da partilha de
competências. Deve, ainda, haver confiança recíproca, com a definição de
objectivos claros e atender às necessidades e interesses comuns.
- Não se pode
formalizar uma parceria estratégica para apenas uma das partes ganhar. Os
ganhos devem ser repartidos de um modo equilibrado, sob pena de, a breve
trecho, a parceria ser rompida. As parcerias estratégicas devem ainda
apontar para horizontes temporais relativamente longos, para que se possam
explorar todas as potencialidades das partes.
- As parcerias estratégicas
tanto podem relativamente globais, como ser meramente sectoriais. Nas relações
entre Estados, pode optar-se por envolver diversos ramos de actividade,
mas nada impede que se articulem somente algumas áreas como, por exemplo,
a área militar, com o fornecimento de equipamentos, preparação dos efectivos,
logística, etc., de que nos serve de exemplo o nosso relacionamento com a
Rússia, que envolveu o fornecimento de equipamentos e a preparação dos
efectivos dos escalões superiores.
- Com o fim da guerra
civil, o governo definiu a China como seu parceiro estratégico no quadro da
reconstrução das infra-estruturas. São visíveis parcerias na ampliação do
sistema de produção e distribuição de energia e até mesmo no domínio das
águas, em que entram a Rússia e o Brasil.
- Em Junho de 2010, em
Luanda, os Chefes de Estado de Angola e de Portugal acordaram em alargar e
aprofundar o relacionamento e a cooperação entre os dois países, e
decidiram fazê-lo de uma forma mais estruturada, com a definição de
prioridades, programação, calendarização e criação dos instrumentos
jurídicos para a sua viabilização. Foi desse encontro que nasceu a ideia
da concretização da “Parceria Estratégica” de que agora tanto se fala e
que, pelas palavras do Presidente da República pronunciadas no dia 15 de
Outubro, pode ficar adiada.
Não creio que estejamos diante de
uma ruptura de relações entre os Estados mas, sim, perante a hipótese de ver,
sim, adiada a formalização de um conjunto de instrumentos de cooperação que ajudarão
a elevar o nível dessas relações para patamares mais estruturados. A segunda
hipótese é, realisticamente, a mais desejável.
- A imprensa espanhola
reportou o facto de a filha mais nova do Rei de Espanha, Dom Juan Carlos,
a Infanta Cristina, estar a ser investigada pela justiça fiscal do seu
país por, eventualmente, ter efectuado pagamentos ilícitos com cartões de
crédito de uma sociedade patrimonial que detém conjuntamente com o seu
marido, Iñaki Urdargarin, para onde este terá desviado dinheiros públicos.
Nos últimos tempos, o marido da Princesa tem sido muito seguido pela
justiça por utilização irregular da fundação que detinha e pela qual fazia
passar todo um conjunto de acções irregulares.
- Sobre a Infanta
espanhola pesam suspeitas de ter feito, entre 2007 e 2008, pagamentos com
dinheiros públicos de, por exemplo, 4 livros da saga Harry Porter, ter
comprado alguma roupa, feito assinatura de revistas, adquirido um par de botas
em Nova Iorque, pernoitado num hotel de Moçambique, ter comprado flores, pago
os encargos da estadia de um fim-de-semana em Roma, assim como ter comprado
um chocolate numa passagem pelo aeroporto de Genebra, entre outros gastos.
- Arrolados os custos
dos diversos custos, os investigadores constataram que os gastos dos
duques espanhóis excedem em muito o nível normal dos seus rendimentos. Daí
que Infanta possa vir a ser indiciada por ilicitude na manipulação de
recursos. As autoridades políticas espanholas de forma alguma têm
competência para interferir no processo de investigação. Elas deixam a
justiça realizar a tarefa para que está vocacionada.
- Mesmo que tais
acontecimentos causem um dano de imagem à monarquia, a sociedade espanhola
acompanha os seus desenvolvimentos com serenidade. E o Rei de Espanha não
saiu à rua para dar “um puxão de orelhas” seja a quem for. Essas são as regras
de uma sociedade democrática, inclusive, na monarquia constitucional como
a espanhola.
- Os actos de
corrupção e outros demais ilícitos previstos na lei são perseguidos, com
os órgãos competentes a tomarem conta deles. São investigados e, quando
julgados, recebem a punição equivalente, doa a quem doer…
- No dia 15 deste mês,
o Presidente da República de Angola fez uma intervenção na Assembleia
Nacional, em que discorreu sobre o estado da Nação. Uma das passagens do
seu discurso na Assembleia Nacional que mais prendeu a atenção da
sociedade foi aquela em que reafirmou o empenho do Executivo em promover a
introdução e a adopção de leis internacionais sobre o combate à corrupção,
designadamente a Convenção das Nações Unidas sobre a Corrupção. Porém,
logo de seguida, o PR alertou para aquilo que apodou de uma “confusão
deliberada” feita por organizações de alguns países ocidentais com o
intuito de passar a ideia de que “o africano rico é corrupto ou suspeito
de corrupção”.
- Quer dizer que o
Presidente da República transitou facilmente de uma clara declaração de
boas intenções para a denúncia também clara de haver má-fé por parte de
alguns na compreensão de certo enriquecimento que hoje se verifica no
nosso continente.
- Nesse seu
vertiginosos embalo, o PR procurou teorizar sobre tal enriquecimento, e
socorreu-se da abordagem clássica do fenómeno da acumulação do capital, a
que Adam Smith chamou “previous acumulation” e, depois, Karl Marx
consagrou como a “acumulação primitiva do capital” ou “acumulação
originária do capital”.
- Karl Marx, no seu
trabalho seminal, “O Capital”, analisou o fenómeno na Europa, entre os
séculos XVI e XVIII. Karl Marx tomou a Inglaterra como o seu modelo, concluindo
que foi o processo de acumulação primitiva do capital que originou as grandes
transformações da Revolução Industrial na Europa. Para esse ilustre
estudioso, a acumulação originária decorreu nos seguintes termos: i) uma grande
concentração de recursos (dinheiro, ouro, prata e terra) nas mãos de um
pequeno grupo de proprietários; ii) formação de um enorme contingente de
indivíduos desprovidos de bens e obrigados a trabalhar para outrem, para
os proprietários de terras e donos de manufacturas.
- Essa circunstância
terá resultado, historicamente, das riquezas acumuladas pelos negociantes
europeus com o tráfico de escravos, com o saque colonial e a apropriação
privada das terras comunais dos camponeses, assim como o proteccionismo às
manufacturas nacionais. Um processo em que intervém também o confisco e a
venda a baixo preço das terras pertencentes à Igreja pelos governos
revolucionários. De acordo com Karl Marx, o advento da Revolução
Industrial fez com que a acumulação primitiva fosse substituída pela
acumulação capitalista.
- No seu discurso, o
PR não explicitou o modo como as novas burguesias africanas e, em
particular, a angolana conseguiram a proeza de enriquecer tão rápida e facilmente.
Limitou-se, sim, a dizer que há aqui um modelo próprio de acumulação. Mas
não nos disse nada sobre as consequências económicas, sociais e políticas
desse enriquecimento. Seria interessante se o fizesse, para pudermos,
então, perceber melhor a sua originalidade.
- No modelo original a
que o PR fez referência, já é bem fácil perceber que há, tendencialmente,
grande concentração da riqueza nacional nas mãos de poucos, tal como é crescente
o contingente de desprovidos de bens que já perderam a esperança de vir a partilhar
o bem-estar que o país podia proporcionar aos seus filhos.
- Creio, também, que o
Sr. Presidente da República não desconhece que a acumulação primitiva do
capital que ele glorifica e que se está a processar em Angola não tem por
base o mérito mas, sim, a cor partidária que se veste, as afinidades
familiares, ou cumplicidade com o poder. Sabe ainda que ela não redundará
numa melhoria do bem-estar geral mas, sim, no fausto de uns poucos. E sabe
mais: que esse fausto só se manterá enquanto o poder estiver nas mesmas
mãos. Depois, quando o país se democratizar e os grandes gigantes de pés
de barro se confrontarem com a concorrência leal, tais impérios
desmoronarão, como um baralho de cartas…
- O Sr. Presidente da
República manifestou vontade teórica de ver aplicadas, de modo rigoroso,
as leis angolanas contra a corrupção. Porém, deixou claro que, na sua
perspectiva, o modo como se constituíram os grandes grupos económicos em
Angola nada tem a ver com actos de corrupção, com o desvio de fundos
públicos para fins pessoais, ou com o tráfico de influências.
- Por isso, eu também gostaria
que ele nos ajudasse a perceber como foi possível, em tão pouco tempo,
ter-se assistido a esse verdadeiro “milagre da multiplicação dos pães”… Pois,
de uma forma mais ou menos geral, todos tivemos como ponto de partida a
pobreza... Uma pobreza que até foi aprofundada pelas políticas sociais e
económicas que, sob a sua orientação, foram aplicadas durante muitos anos
e de um modo implacável.
- Recordo, apenas para
avivar a memória de alguns que, há pouco mais de 20 anos, quem guardasse
em casa um saco de açúcar, podia ser preso sob a acusação de
açambarcamento. E quem fosse apanhado com uma nota de 100 dólares no bolso,
era considerado inimigo da revolução e julgado em tribunal popular
revolucionário.
- No dia 4 de Outubro,
o meu irmão Vicente enviou-me uma mensagem por SMS, dando notícia da morte
de Vo Nguyen Giap, o general vietnamita que será para sempre lembrado como
o estratega militar que derrotou as tropas francesas na emblemática “Batalha
de Dien Bien Phu” e, depois, comandou a chamada “Ofensiva do Tet” que
conseguiu estremecer o poderio militar norte-americano, numa sucessão de
combates que conduziram à reunificação do Vietname.
- As acções militares
do general Vo Nguyen Giap motivaram os povos até então colonizados. Daí
que se tenha transformado num referencial e seja património histórico
comum de várias gerações.
- A minha geração
política tomou conhecimento histórico da “Batalha de Dien Bien Phu”, mas
teve já o privilégio de acompanhar com enorme ansiedade os pontos mais
altos dos encarniçados combates travados no Vietname entre os homens
comandados pelo general Vo Nguyen Giap e as tropas norte-americanas.
- Na “Batalha de Dien
Bien Phu” colocaram-se em campos opostos os guerrilheiros do Viêt Minh – o
movimento independentista do Vietname dirigido por Ho Chi Minh – e as
forças expedicionárias francesas do Extremo Oriente.
- A “Batalha de Dien
Bien Phu” foi o culminar de um combate desigual entre um exército
irregular asiático, pobre e praticamente parco de recursos, contra o
poderio militar da França, naquela que ficou então conhecida como a mais
longa e a mais mortífera batalha do pós-Segunda Guerra Mundial.
- Embora os norte-americanos
não tenham ido verdadeiramente em socorro dos franceses, a “Batalha de
Dien Bien Phu” transformou-se num dos pontos culminantes da Guerra-fria e
marcou praticamente o fim do colonialismo francês no Sudeste Asiático,
passando a vez à influência americana.
- O colapso militar
francês deu-se no dia 7 de Maio de 1954, após várias semanas de cerco e
aniquilamento levados a cabo pelos cerca de 80.000 homens comandados pelo
general Vo Nguyen Giap. Reza a história que a França envolveu um efectivo
militar composto por mais de 14.000 homens, integrando diversas armas, com
equipamentos dos mais sofisticados para a época, incluindo aviação,
artilharia pesada, pára-quedistas, blindados e cavalaria. As forças
expedicionárias francesas perderam perto de 3.000 homens. Os restantes
11.700 foram feitos prisioneiros, dos quais apenas 3.290 regressaram vivos
à França. Por sua vez, os efectivos vietnamitas perderam 23.000 homens.
- A “Batalha de Dien
Bien Phu” tem o seu início com a ocupação da planície com o mesmo nome por
parte de efectivos do exército francês. A região, até então detida pelos
homens do Viêt Minh, era de grande importância estratégica devido ao facto
de possuir uma pista de aterragem construída pelos japoneses, além de ser
rica do ponto vista agrícola e, assim, servir de fonte de abastecimento
logístico aos guerrilheiros. Com a pista de aterragem, Dien Bien Phu
serviria de ponto de ligação com Hanói, a capital.
- Vo Nguyen Giap
percebeu a importância estratégica da região e decidiu fazer o envolvimento
das forças francesas. Para isso, socorreu-se também de cerca de 250.000
populares que transportaram pela selva e às costas material de guerra
pesado e desmontado peça por peça através de uma rota prévia e
cuidadosamente traçada.
- Com Dien Bien Phu
cercada, os homens do general Giap efectuaram um bombardeamento massivo
com peças de artilharia, dizimando os ocupantes. Os combates terminaram
num épico confronto corpo-a-corpo, com armas brancas, deixando no terreno
um verdadeiro tapete de mortos, de um lado e do outro.
- Foram pormenores
dessa batalha que alimentaram e estimularam o espírito combativo das
gerações de revolucionários que, entretanto, emergiram em todos os
continentes, tendo como referencial o general Vo Nguyen Giap. Foi ele
também que se transformou, posteriormente, no estratega de outro grande
momento da história da luta dos povos contra a ocupação estrangeira – a
famosa “Ofensiva do Tet”, já com os norte-americanos como adversários.
- A “Ofensiva do Tet”
– assim chamada porque teve lugar no primeiro dia do ano do calendário
lunar tradicional vietnamita (31 de Janeiro de 1968) – envolveu efectivos
norte-americanos e de outros seus aliados, assim como o exército
sul-vietnamita, contra os guerrilheiros vietcongs (comunistas do Vietname
do Sul) e tropas regulares do Vietname do Norte. Travaram-se combates em 36
cidades do Sul do Vietname, inclusive, na capital Saigão e na antiga
capital imperial Hué. Nem a própria embaixada americana em Saigão foi
poupada.
- Do ponto de vista
militar, não se pode dizer que os revolucionários vietnamitas tenham
obtido uma vitória, como sucedera 14 anos antes com os Viêt Minh contra os
franceses. Os vietcongs e os seus aliados do Norte perderam 3 dezenas e
meia de milhar de homens, contra os 1.100 mortos norte-americanos e perto
de 3.000 mortos militares sul-vietnamitas. Só na Batalha de Hué, os
vietcongs perderam mais de 5 mil homens durante um mês de combates.
- O mérito da
“Ofensiva do Tet” mede-se mais pelo forte impacto político que teve na
opinião pública norte-americana e mesmo na opinião pública mundial. À
“Ofensiva do Tet” seguiu-se um período de conversações em Paris, na busca
de uma “retirada honrosa” dos norte-americanos e à “vietnamização” da
guerra que culminou com a derrota do Sul e a unificação forçado das duas
partes do Vietname.
- Mais uma vez esteve
em destaque na estratégia militar o génio de Vo Nguyen Giap – esse pequeno
mas grande homem, professor de História – que, juntamente com Ho Chi Minh,
se transformou em uma das grandes memórias do povo do Vietname.
- Ele morreu agora,
aos 102 anos de idade, envolvido por um sentimento de grande carinho e
reconhecimento por todos aqueles que transportaram dentro de si o
sentimento de verdadeiro apego à Liberdade.
- O Ministro das
Relações Exteriores, George Chicoti, declarou, em Nova Iorque, que “em
Angola, não há violação dos direitos humanos”. Admitiu, porém, “haver,
naturalmente, incidentes que podem, por vezes, ferir algumas pessoas”.
Mas, acrescentou que tais factos não devem ser imputado ao Governo
angolano.
- As afirmações do
Ministro são, no mínimo, cínicas e ridículas, mesmo que ele as tenha
pronunciado no momento em que empreende uma clara e inequívoca campanha
diplomática para promover a imagem do Governo. Recordo que o Governo está
vivamente empenhado em fazer Angola aceder ao Conselho de Segurança das
Nações Unidas e integrar a Conselho das Nações Unidas para os Direitos
Humanos.
- O Conselho de
Segurança das Nações Unidas é composto por 15 membros, dos quais 5 são
membros permanentes – EUA, Rússia, China, França e Reino Unido – e os
restantes são rotativos, com um mandato de 2 anos, e escolhidos pela
Assembleia Geral em função de critérios específicos da organização,
nomeadamente: contribuição para a manutenção da paz e segurança
internacional, e distribuição regional equitativa. Aos membros permanentes
e rotativos do Conselho de Segurança não se exigem, pois, credenciais
democráticas.
- De igual modo, a
forma de acesso ao Conselho dos Direitos Humanos não impõe algum
comprometimento com o respeito desses Direitos. Ao ponto de, em 2003, a Líbia ter
presidido tal Conselho – na altura ainda designado Comissão dos Direitos
Humanos. Os assentos no Conselho são afectados por distribuição regional,
tal como sucede com os membros não permanentes do Conselho de Segurança.
- Compete ao Conselho
dos Direitos Humanos examinar, vigiar e elaborar relatório público sobre a
situação dos direitos humanos em países ou territórios específicos, assim
como os principais fenómenos mundiais que colidam com os direitos humanos.
- O nosso Governo e o
partido que o suporta buscam, neste frenesim diplomático, encontrar um
assento no Conselho dos Direitos Humanos, não propriamente porque tenham
assumido forte compromisso com o respeito por esses mesmos direitos ao
nível interno, mas, sim, porque, estando lá dentro, podem de algum modo
influenciar o conteúdo dos seus relatórios. Além de que poderão fazer
traduzir em dividendos políticos internos, uma presença que não condiz com
a sua prática corrente.
- A actividade humana
deve pautar-se por princípios e valores. E deve, também, ter limites. Uns
desses limites serão ditados pela necessidade de garantir a sobrevivência
das espécies, para a manutenção da vida com qualidade e diversidade;
outros limites deverão ser estabelecidos a partir de critérios de ordem
moral e ética, visando garantir uma sã convivência, como forma de preservar
a harmonia social.
- É o respeito destes
últimos limites que nos inibe de fazer da arena política “o campo onde
tudo vale”. Quando se violam tais limites, visando preservar interesses
egoístas de determinados grupos, destapa-se a “Caixa de Pandora”. E corre-se
o risco da perda de qualquer réstia de credibilidade.
- Todos os dias somos
confrontados com notícias de atropelos e violações dos mais básicos
direitos humanos, em actos praticadas por agentes públicos, quer sejam
actores políticos, quer sejam elementos ligados aos órgãos de defesa, segurança
e ordem pública. Poucas (ou nenhumas) são as vezes que tais actos são
repudiados publicamente – de forma inequívoca e contundente – pelas altas
hierarquias do poder.
- Nos casos em que os
atropelos e violações dos direitos humanos têm carácter eminentemente político,
via de regra, segue-se um silêncio ensurdecedor… O poder político emudece,
o que me leva legitimamente a pensar que não passam, afinal, de actos perfeitamente
consentidos e enquadrados numa estratégia mais geral de intimidação e
amordaçamento da sociedade.
- Se é verdade que são
práticas generalizadas por todo o pais, também é verdade que, à medida que
nos afastamos da cidade capital, a incidência e a gravidade das violações
dos direitos políticos dos cidadãos ainda se tornam maiores, levando-nos a
pressupor que, nesses territórios mais distantes, o que impera, de facto,
é o caciquismo na sua versão mais primária… Aí o poder político impõe-se à
cacetada, como se os cidadãos fossem simples rebanho…
- Ultimamente, e fruto
da acção e crescente mediatização das redes sociais, vemos ilustrados
publicamente diversos actos de vandalismo praticados por agentes policiais,
que ocorrem quer em hasta pública, quer no interior das esquadras. Em
consequência dessa importuna e demasiado incomodativa exposição pública,
ao Ministro do Interior não tem restado outra alternativa que não seja a
abertura de inquéritos para o apuramento de responsabilidades e para a
consequente punição administrativa dos agentes envolvidos na barbárie.
- Porém, face à
inconclusiva penalização criminal, a sociedade vê goradas as suas expectativas
de justiça. O exemplo mais chocante foi o do chamado “Massacre da Frescura”
que terminou por passar a ideia de que, afinal, todos os polícias
envolvidos nos assassinatos eram, apenas e tão-somente, “bons rapazes”…
- A opacidade dos
procedimentos do passado – que tornou rotineiras as agressões contra
cidadãos – e a ineficácia das medidas do presente, geraram o descrédito
que se apossou da população. Daí que um bom número de agentes policiais se
sinta cada vez mais alheio às consequências das leis, e prossiga violando,
contínua e flagrantemente, os direitos mais elementares dos cidadãos.
- A cumplicidade implícita
(ou explícita) por parte de quem tem a obrigação política de ser um agente
público comprometido com a garantia dos direitos humanos, faz com que
reine o descrédito nas autoridades. Para a maioria, o Estado de Direito
Democrático é apenas ilusório, não se colando com a realidade.
- O caso mais evidente
do desencontro entre a realidade e a ficção é o impedimento de manifestações
públicas que não visem louvor o poder instituído e o seu mais alto
mandatário. As manifestações de sinal contrário são sempre selvaticamente
reprimidas – mesmo ainda antes de elas terem lugar, com ameaças, raptos e
prisões dos seus organizadores.
- Tornaram-se vulgares
imagens de jovens feitos mártires da sanha repressiva de agentes à paisana
ou fardados. Uma repressão que se constitui, no final, num estímulo a
novas adesões ao já muito mediático Movimento Revolucionário.
- Aos mais diversos
níveis, as autoridades vão dando verdadeiros tiros nos pés… Falam em
diálogo com a juventude mas, quando os elementos contestatários da
juventude se expõem, o poder acusa-os de subversivos e de pretenderem
alterar violentamente a ordem pública. Inclusive, fabricam-se panfletos a
instigar à violência que, depois, são exibidos nos órgãos de difusão
massiva pública como sendo da autoria dos manifestantes. Essa é uma prática
mafiosa e fascista que só desacredita o Estado.
- O caso mais caricato
de descrédito das instituições foi o recente espectáculo de péssimo gosto
protagonizado pela polícia. Libertados provisoriamente por determinação do
tribunal, a polícia decidiu, com descarada arbitrariedade, devolver à
prisão os jovens do chamado Movimento Revolucionário. Decidiu também deter
e praticar sevícias sobre jornalistas, quer em público, quer nas
esquadras. Que “crime” teriam, então, cometido os jornalistas? Muito
simples: quiseram tão-somente ouvir declarações dos jovens anteriormente
libertados por ordem do tribunal. E que novo “crime” terão cometido os
jovens? Muito mais simples ainda: estarem a conversar com os jornalistas.
- O elemento mais “interessante”
de todo aquele “teatro” e que lança para o charco o discurso diplomático
do Sr. Ministro das Relações Exteriores, foi a detenção e o maltrato infringido
a um jovem empresário que, do seu gabinete de trabalho, tomava imagens da
barbárie policial a que assistia a poucos metros de distância.
- O quê que as
entidades públicas e políticas fizeram para debelar o mal e punir os
violadores da lei? Nada. Silêncio sepulcral. Ficaram calados, como se nada
de grave tivesse acontecido, o que evidencia o seu não comprometimento com
o Estado de Direito. E que a Democracia é um regime político que não lhes
diz respeito. E mais: que o Sistema Político Multipartidário é tão-somente
um expediente para a venda de imagem.