quinta-feira, 22 de julho de 2010

UM AVISO À NAVEGAÇÃO

1. O dia 18 de Julho passará para a história como o “Dia Internacional de Nelson Mandela”, por decisão da Organização das Nações Unidas. Foi nesse dia que, em 1918, nasceu na aldeia de Mvezo, na África do Sul, essa grande figura que marcou, de um modo seguro e firme, o séc. XX. Com tal glorificação, as Nações Unidas quiseram destacar o contributo que Mandela deu para a paz e a liberdade.

2. Graça Machel, esposa de Mandela, deu uma entrevista à BBC de Londres onde manifestou que seria desejável que, neste dia, todos pudéssemos mostrar ter dentro de nós um pouco de Mandela, os valores que ele representa. Isto é, ser generosos, carinhosos para com os outros, capazes de fazer o bem.

3. Agora que me sentei para escrever a minha habitual crónica semanal, lembrei-me que Nelson Mandela, para além de outras causas sociais e humanitárias, fez da luta contra o HIV/SIDA um dos seus emblemas. Esta é uma das dimensões da acção da Fundação que criou e que leva o seu nome.

4. A luta contra o HIV/SIDA está a ser travada em todos os campos e envolve personalidades distintas, umas altamente mediáticas, outras, menos, e também cidadãos anónimos em todo o mundo. Em Angola, eu vou seguindo com muita atenção o combate que tem destacado a figura de António Coelho, responsável da ANASO. A ANASO é a rede das organizações angolanas que lutam contra a SIDA.

5. O mais recente pronunciamento público de António Coelho foi a propósito da saída de mais um relatório internacional dando conta da redução dos índices de prevalência da SIDA em determinados grupos etários. Em 15 dos 25 países mais afectados, a taxa de prevalência caiu 25%, entre os jovens dos 14 aos 25 anos de idade. Infelizmente, Angola não acompanhou tal evolução.

6. Países da sub-região austral do nosso continente, como a Namíbia, Malawi, Zâmbia, Zimbabwe, Tanzânia, tidos como dos mais duramente afectados que o nosso, registaram avanços. Mas também houve avanços na Etiópia, Costa do Marfim, Ruanda, Lesoto, Suazilândia, Burundi, ou até no Haiti e nas Bahamas.

7. Para que se somem tantos e tão precisos êxitos, tem havido um activismo muito forte por parte de dirigentes desses países. Eles envolvem-se mesmo em acções públicas de sensibilização, para se evitar a propagação do vírus.

8. Em Abril deste ano, o secretário executivo da ANASO já havia manifestado o seu desencanto porque, segundo ele, o governo angolano não estaria a prestar a devida atenção à luta contra o HIV/SIDA. Reconheceu ainda que os esforços já feitos não são suficientes, quer para a prevenção, quer para o tratamento dos infectados. Por vezes, há carência de anti-retrovirais. Foram declarações feitas na abertura do Seminário Nacional sobre cuidados domiciliários a pessoas vivendo com HIV e SIDA.

9. O combate ao HIV/SIDA é o sexto dos oito Objectivos de Desenvolvimento do Milénio definidos pelas Nações Unidas, juntamente com o combate à malária, tuberculose e outras doenças. As Nações Unidas terão disposto que, até 2015, se deveria deter a propagação da doença e inverter a tendência de expansão.

10. Não obstante os esforços que são reconhecidos em alguns países, ainda assim, é consensual a ideia de que a África não irá atingir esse Objectivo do Desenvolvimento do Milénio.

11. Segundo estimativas recentes, em África existem 30 milhões de indivíduos infectados. Para o nosso país, calcula-se que sejam em número próximo dos 500 mil, com metade a viver em Luanda, onde se suspeita estar concentrada um terço da população total de Angola. Uma grande parte dos restantes infectados estará localizada em regiões fronteiriças, muito em especial, junto da fronteira com a Namíbia e também com a RDC.

12. Em alguns países da África Austral as taxas de prevalência estão acima dos 20%. As melhorias mais sensíveis são assinaladas em países da África do Norte, da África Ocidental e também da África Central.

13. Os relatórios que se referem especificamente a esta doença dão realce aos avanços alcançados, por exemplo, no Ghana, no Ruanda, no Quénia, ou no Uganda, países antes tidos como dos mais graves. Chegou mesmo a temer-se a ocorrência de uma catástrofe humanitária.

14. Os esforços internos, conjugados com a ajuda internacional, permitiram travar o alastramento da doença e começa-se agora a assistir ao seu recuo. Hoje, na África Austral, os casos mais preocupantes estão ainda localizados na África do Sul, no Lesoto e na Suazilândia, países onde, em geral, as mulheres são as mais afectadas. Diz-se que, na África Austral, 70% das crianças órfãs são-no devido à SIDA.

15. A luta contra o HIV/SIDA é travada pelo menos em dois campos: na prevenção e no tratamento. Mas, o acesso aos anti-retrovirais difere de país para país. É mais fácil, por exemplo, aceder aos medicamentos na Namíbia ou no Botsuana, do que na Nigéria, no Lesoto ou em Moçambique.

16. A recente chamada de atenção do líder da ANASO faz-nos entender melhor uma outra realidade que tem sido constatada e até mesmo referida pelos serviços médicos do nosso país: o aumento assustador dos casos de tuberculose e de outras doenças oportunistas, maleitas que vêm, por vezes, associadas. Negligenciado o combate contra o HIV/SIDA, multiplica-se o número de doentes de tuberculose.

17. Nesta altura em que o mundo homenageia Nelson Mandela pelo seu combate pela paz e pela liberdade, eu recordo-o, em especial, como um combatente destemido contra aquele que é já tido por muitos como o mal do século. A ANASO e o seu secretário executivo estão nessa linha, merecendo, pois, o meu destaque nesta crónica.

1 comentário:

  1. Será que muitos africanos da África Austral, se lhe dessem a eleger entre "um dia de Mandela", ou um "dia de Mugabe" não seria diferente o resultado?

    Provavelmente o entusiasmo seria diferente para a maioria.

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