A RAÇA É UMA CIRCUNSTÂNCIA NÃO ESCOLHIDA
- Nem sempre a opinião
dos políticos é a que melhor se presta para o nosso entendimento sobre
determinados fenómenos políticos. Por vezes, vale a pena ouvir o que nos
têm a dizer pessoas para quem a política passa um pouco ao lado. Ou seja,
pessoas que dão mais valor a outras dimensões da vida do que propriamente
à política.
- Eu provenho de uma
família com alguma tradição na política e, também, com o gosto pela
intervenção cívica. Muitos dos meus antepassados estiveram presentes nos
momentos cruciais da nossa vida pública, quer como protagonistas directos,
quer como peças importantes dessa engrenagem. Daí que a política e a
intervenção cívica nos esteja impregnada no ADN, como se de marca genética
se tratasse.
- Várias vezes me vejo
a rememorar o ambiente nacionalista em que cresci, da tensão permanente em
que decorreu grande parte da minha vida. É por isso que digo que estive
sempre assente sobre o fio da navalha…
- Não me arrependo da
maioria dos passos que dei, embora reconheça que terei, seguramente,
contribuído para que alguns dos que me rodearam tenham conhecido dissabores
e experimentado revezes, por factos de que não tiveram responsabilidade
directa. Acredito que a minha mãe foi a mais prejudicada, pelo que guardo dela
uma memória muito querida e inestimável.
- Foi da minha mãe que
recebi os maiores ensinamentos e o cultivo de determinados valores. Ela
cumpriu, na perfeição, o seu papel de mãe e o do pai que perdi na
infância. No essencial, creio que não a terei desiludido. Em certa medida,
e em várias dimensões, sou uma das suas cópias. Aliás, todos nós, os seus
filhos somos, ou fomos, reproduções, mesmo que inacabadas, da sua
personalidade.
- Agora, depois de
todo o percurso de vida que fiz, começo também a observar os resultados da
educação que propiciei aos meus filhos. Fi-lo não na expectativa de eles
serem uma reprodução do que eu sou. Mas, vejo já neles um forte apego à
justiça e à liberdade. Sinto-me, pois, recompensado, e com a sensação de
que valeu a pena.
- Todos os meus filhos
possuem personalidades distintas, embora lhes note muitas características
comuns. Uma delas é a liberdade de pensar. Outra é a noção de que a
solidariedade é um elemento essencial para a harmonia na sociedade.
- Sou de uma geração
que viveu uma juventude muito marcada pelo drama do período pós-guerra
mundial, pela luta pela emancipação dos povos colonizados, pelos desejos
de maior justiça social exigidos pelos sectores mais frágeis. Daí que, em
certa medida, muitos de nós tenhamos aderido a propostas políticas
baseados na igualdade e na não discriminação.
- Constato com certa
amargura que, em nome desses justos desígnios de igualdade e de não
discriminação se edificaram sociedades que, na prática, vieram a mostrar-se
precisamente o contrário. Desenvolveram-se sociedades de opressão, de
discriminação, de uma exploração demasiado encapotada e egoísta. Os seus
autores frustraram, pois, as expectativas da maioria, deixando a
arrastarem-se pelo caminho muitos dos que os seguiram de boa-fé.
- É verdade que
podemos escolher a profissão a seguir, a religião a professar, inclusivamente,
transitar de classe social, pelo esforço e vontade de progredir. Também é
verdade que não podemos ser nós próprios a definir os pais que teremos, o
local e o país onde nascermos, a raça humana a que pertencemos. Esses são
factos imponderáveis, que escapam aos nossos desígnios.
- A raça, por exemplo,
tem uma carga muito forte na vida de uma pessoa e pode até condicionar o
futuro de cada um de nós. Por exemplo, na sociedade americana da minha
juventude, a luta pelos direitos civis dos negros norte-americanos era uma
tónica desses tempos. Foi isso que me levou a seguir, atento, o percurso
de vida do Doutor Martin Luther King, Jr., ou de Malcolm X.
- A minha geração conheceu
alguns dos dramas dos negros norte-americanos do Alabama, do Mississípi,
da Geórgia. Sabíamos, igualmente, das epopeias vividas pelos trabalhadores
da indústria automóvel de Detroit, no Estado norte-americano de Michigan.
Os blues, o jazz que nos chegava de longe, da cidade de Nova Orleães,
ajudaram a moldar a nossa sensibilidade e a alimentar a nossa alma. Com o
passar do tempo, todo o mundo evoluiu.
- Vivemos hoje uma
realidade bem distinta, que eu não me atrevo a qualificar como “melhor” ou
“pior”. É apenas diferente. Qualitativamente diferente. Temos já outros
actores e outros protagonistas. Um deles é Barack Obama, o Presidente dos
Estados Unidos da América, um dos homens mais importantes deste século que
ainda há pouco começou.
- Barack Obama já faz
parte da história dos Estados Unidos da América, e por vários motivos, sendo
o principal o facto de ter sido o primeiro Presidente negro dos Estados
Unidos da América. É-o passados mais de duzentos anos da sua fundação e
mais de quinhentos anos desde que o território passou a ser colonizado
pelos brancos que para lá levaram os negros como escravos.
- As mais dolorosas feridas
dessa época ainda não estão completamente saradas, porque foram muito
profundas. Mas há quem faça o possível por as ajudar a curar. Um deles,
indubitavelmente, é Barack Obama, filho de um negro africano do Quénia,
com uma mulher branca descendente de irlandeses.
- É assim que se fez a
América, com o contributo de muitos, todos eles, mesmo que remotamente,
idos de fora, como os antepassados de Barack Obama – com excepção dos
índios.
- Hoje, ao ouvir o
discurso de vitória de Barack Obama, por causa da sua reeleição,
lembrei-me do discurso que ele fez em 2008 quando, pela primeira vez,
ganhou a condição de Presidente dos Estados Unidos da América. Nesse
discurso Barack Obama saudou a inauguração de uma nova era na América, uma
América que acabara de eleger alguém imprevisível, improvável, se tivermos
em conta os parâmetros dos tempos passados.
- Barack Obama vem de
uma minoria – é filho de um estrangeiro. Não é propriamente o descendente
de escravos que atingira o poder máximo no país mais poderoso do mundo. É
o filho de um africano que para lá fora estudar, deixando a germinar a sua
semente. Mas, sendo ele americano, ganhou todos os direitos inerentes.
- Ouvi o discurso de
vitória de Barack Obama sentado ao lado do meu filho “Pinto”, ele, Justino
como eu. Apreciei a atenção com que o “Pinto” acompanhava o discurso – ele
que, dos meus filhos, é o mais afastado da política.
- Fiquei orgulhoso
pelo modo como o “Pinto” resumiu para o discurso de Barack Obama. E fez
nos seguintes termos: “Em 2008, fez todo
sentido Barack Obama fazer um discurso de exaltação ao percurso da América
até chegar ao ponto em que estamos hoje. Desta vez, acabou por fazer o
discurso de cidadão americano que tem apenas um projecto de vida para
todos. Por isso, desvalorizou a questão da raça – o que é bom para a
cidadania”.
- Olhei, então, para o
meu filho “Pinto”, reconhecendo-me profundamente nele. Tal como eu me
reconheço nos ensinamentos dos meus progenitores, que sempre disseram que “A raça é uma mera circunstância não
escolhida…”. É esta também a lição que os americanos e o mundo estão a
recolher de Barack Obama.
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