quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

PINHEIRO DA SILVA E LUÍS GOMES SAMBO (NOMES A NÃO ESQUECER)


1.  Por razões mais do que óbvias, a questão da educação e do ensino tocam-me fundo na alma; nunca me deixam indiferente. Venho acompanhando o desenvolvimento da educação em Angola, praticamente desde que nasci. Era ainda um pirralho, mas já ouvia, por exemplo, em minha casa, falar-se de gente que dava aulas e/ou explicações; com algumas delas partilho o sangue. Era o Joaquim Pinto de Andrade que dava aulas no Seminário de Luanda. Era o Mário Pinto de Andrade que ensinara num dos poucos colégios que existiam na nossa cidade capital. Era a minha irmã Maria Henriqueta (a Miza) também a trilhar os caminhos do ensino – numa altura em que eu já não era propriamente um pirralho, pois a dinâmica do tempo que vivi obrigou-me a amadurecer muito cedo...

 

2.   Há poucos dias, despertou novamente no meu subconsciente um estridente alarme: li num semanário que uma das escolas mais emblemáticas da cidade de Benguela fora envolvida numa disputa económica que poderá mesmo levar alguém aos bancos dos réus. Era, pois, a denúncia de mais uma trafulha de interesses envolvendo responsáveis locais e agentes económicos também locais.

 

3.  Em resumo: foi aberto concurso público para a reparação de uma escola na cidade de Benguela, com a participação de 3 empresas. Nenhuma delas ficou com a obra, alegadamente por desobedecerem aos requisitos do caderno de encargos.

 

4.  A empreitada de reparação da escola foi, então, adjudicada a outra empresa, também local, mas que nem havia participado no concurso. O mais caricato é que essa empresa nem estaria inscrita no ramo da construção civil, o que veio a acontecer apenas depois de lhe ter sido adjudicada a empreitada. Com a adjudicação feita a seu favor, tratou de dobrar misteriosamente o preço.

 

5.  Estamos, agora, perante uma quase reedição da “peça” que correu na cidade de Benguela e que ficou para a história como “O Jardim Milionário”, um escândalo público de corrupção e de sobre facturação que terá feito rolar uma ou mais cabeças…

 

6.  Para mim, o recente episódio da “Escola Milionária” torna-se importante não só por levantar suspeitas de estarmos perante mais um caso de sobre facturação e de tráfico de influências, mas, muito em especial, por se tratar da escola que ostenta o nome de uma figura muito importante dos finais do século XIX e cuja fama se prolongou para a primeira metade do século XX: Luís Gomes Sambo.

 

7.  Luís Gomes Sambo que foi honrado com o seu nome gravado na frontaria da agora “Escola Milionária” de Benguela é, nem mais nem menos, que o bisavô do Dr. Luís Gomes Sambo, actual responsável máximo da Organização Mundial de Saúde (OMS) no nosso continente. Por extensão, e como é lógico, é também bisavô dos seus irmãos.

 

8.  Admiro o facto de a memória de Luís Gomes Sambo ter sido contemplada numa escola da cidade onde, creio, ele veio a falecer, depois de ter percorrido e vivido em várias outras localidades de Angola. Dar o nome Luís Gomes Sambo a essa escola, foi justa homenagem a uma figura marcante da nossa história e, em particular, de Cabinda, sua terra natal.

 

9.  Tive sempre na memória o nome de Luís Gomes Sambo, não só pela sua ligação à pesquisa medicinal (ervanária) mas, também, pelos dotes inatos para a música de que ouvi falar. Por norma, os Sambo tocam instrumentos musicais e compõem música. O Velho Sambo criou orquestras em muitas das partes de Angola por onde passou. Por isso, faz parte do património cultural e histórico do nosso país.

 

10.      O nome “Luís Gomes Sambo”, dado à “Escola Milionária” de Benguela, deve-se inteiramente à acção de uma outra figura natural de Cabinda, que marcou de um modo indelével o percurso da educação em Angola: o Dr. José Pinheiro da Silva.

 

11.      O Dr. José Pinheiro da Silva, falecido em Lisboa há precisamente 1 ano (no dia 18 de Fevereiro de 2012), foi Secretário Provincial da Educação do Governador-geral Silvino Silvério Marques. Foi ele que decidiu atribuir nomes de “figuras ultramarinas” marcantes a escolas de Angola, tais como Óscar Ribas, Honório Barreto, Luís Gomes Sambo.

 

12.      Ao Dr. José Pinheiro da Silva deve-se o fomento da integração étnica da população estudantil. Procurou espalhar por Angola as chamadas “Escolas de Habilitação de Professores de Posto”, para formar docentes para as escolas rurais. Nessas escolas ele misturou formandos de diferentes origens e não apenas da área de implantação.

 

13.      Ao Dr. Pinheiro da Silva não só se deve uma galopante expansão do parque escolar mas, também, o aumento exponencial da população escolar - que, em 1973, quase atingiu os 600.000 estudantes, nos vários níveis de ensino, numa população de cerca de 5 milhões de habitantes. Tomou também medidas que alteraram radicalmente conceitos, modelos e práticas em que o sistema educativo de então se baseava. Foi graças à acção do Dr. Pinheiro da Silva que se implementou uma melhor articulação do ensino com a realidade social que Angola vivia.

 

14.      O Dr. Pinheiro da Silva fomentou e desenvolveu a prática das bolsas de estudo para os estudantes mais carenciados. É outra dimensão social a ter em conta durante os 7 anos do seu mandato como Secretário Provincial da Educação.

 

15.      É evidente que o Dr. Pinheiro da Silva foi um actor ao serviço do modelo colonial em vigor. Não conseguiu dar o salto para a realidade que nós queríamos edificar: a nossa independência.

 

16.      Morreu praticamente isolado, rodeado, no seu velório, dos poucos que o conheceram, respeitaram e nunca o abandonaram. Mas, morreu firme nas suas convicções: duplamente monárquicas, por opção e porque a sua mãe tinha raízes nos reis do Congo.

 

17.      A acção do Dr. Pinheiro da Silva em prol da educação e do ensino em Angola de modo algum pode ser esquecida. Ao seu modo, tornou-se uma figura marcante na nossa história.

 

18.      Não há, pois, como apagar a história, mesmo que vontades circunstanciais e episódicas o queiram fazer. A terra que hoje temos em mãos não é somente um produto das acções que ocorreram depois da independência. Os angolanos sempre existiram, só que, durante séculos, sujeitos ao poder colonial. Luís Gomes Sambo e Pinheiro da Silva são dois deles.

2 comentários:

  1. Muito informativa esta peça do Dr. Justino Pinto de Andrade. De resto, um dos intelectuais de primeira água de quem me orgulho de ler e ouvir.

    ResponderEliminar
  2. Muito informativa esta peça do Dr. Justino Pinto de Andrade. De resto, um dos intelectuais de primeira água de quem me orgulho de ler e ouvir.

    ResponderEliminar