1. Por razões mais do que óbvias, a questão da educação e
do ensino tocam-me fundo na alma; nunca me deixam indiferente. Venho acompanhando
o desenvolvimento da educação em Angola, praticamente desde que nasci. Era
ainda um pirralho, mas já ouvia, por exemplo, em minha casa, falar-se de gente
que dava aulas e/ou explicações; com algumas delas partilho o sangue. Era o
Joaquim Pinto de Andrade que dava aulas no Seminário de Luanda. Era o Mário
Pinto de Andrade que ensinara num dos poucos colégios que existiam na nossa
cidade capital. Era a minha irmã Maria Henriqueta (a Miza) também a trilhar os
caminhos do ensino – numa altura em que eu já não era propriamente um pirralho,
pois a dinâmica do tempo que vivi obrigou-me a amadurecer muito cedo...
2. Há poucos dias,
despertou novamente no meu subconsciente um estridente alarme: li num semanário
que uma das escolas mais emblemáticas da cidade de Benguela fora envolvida numa
disputa económica que poderá mesmo levar alguém aos bancos dos réus. Era, pois,
a denúncia de mais uma trafulha de interesses envolvendo responsáveis locais e
agentes económicos também locais.
3. Em resumo: foi aberto concurso público para a reparação
de uma escola na cidade de Benguela, com a participação de 3 empresas. Nenhuma
delas ficou com a obra, alegadamente por desobedecerem aos requisitos do
caderno de encargos.
4. A empreitada de reparação da escola foi, então, adjudicada
a outra empresa, também local, mas que nem havia participado no concurso. O
mais caricato é que essa empresa nem estaria inscrita no ramo da construção
civil, o que veio a acontecer apenas depois de lhe ter sido adjudicada a
empreitada. Com a adjudicação feita a seu favor, tratou de dobrar
misteriosamente o preço.
5. Estamos, agora, perante uma quase reedição da “peça”
que correu na cidade de Benguela e que ficou para a história como “O Jardim
Milionário”, um escândalo público de corrupção e de sobre facturação que terá
feito rolar uma ou mais cabeças…
6. Para mim, o recente episódio da “Escola Milionária”
torna-se importante não só por levantar suspeitas de estarmos perante mais um
caso de sobre facturação e de tráfico de influências, mas, muito em especial,
por se tratar da escola que ostenta o nome de uma figura muito importante dos
finais do século XIX e cuja fama se prolongou para a primeira metade do século
XX: Luís Gomes Sambo.
7. Luís Gomes Sambo que foi honrado com o seu nome
gravado na frontaria da agora “Escola Milionária” de Benguela é, nem mais nem
menos, que o bisavô do Dr. Luís Gomes Sambo, actual responsável máximo da
Organização Mundial de Saúde (OMS) no nosso continente. Por extensão, e como é
lógico, é também bisavô dos seus irmãos.
8. Admiro o facto de a memória de Luís Gomes Sambo ter
sido contemplada numa escola da cidade onde, creio, ele veio a falecer, depois
de ter percorrido e vivido em várias outras localidades de Angola. Dar o nome Luís
Gomes Sambo a essa escola, foi justa homenagem a uma figura marcante da nossa história
e, em particular, de Cabinda, sua terra natal.
9. Tive sempre na memória o nome de Luís Gomes Sambo, não
só pela sua ligação à pesquisa medicinal (ervanária) mas, também, pelos dotes
inatos para a música de que ouvi falar. Por norma, os Sambo tocam instrumentos musicais
e compõem música. O Velho Sambo criou orquestras em muitas das partes de Angola
por onde passou. Por isso, faz parte do património cultural e histórico do
nosso país.
10.
O nome “Luís
Gomes Sambo”, dado à “Escola Milionária” de Benguela, deve-se inteiramente à acção
de uma outra figura natural de Cabinda, que marcou de um modo indelével o
percurso da educação em Angola: o Dr. José Pinheiro da Silva.
11.
O Dr. José
Pinheiro da Silva, falecido em Lisboa há precisamente 1 ano (no dia 18 de Fevereiro
de 2012), foi Secretário Provincial da Educação do Governador-geral Silvino
Silvério Marques. Foi ele que decidiu atribuir nomes de “figuras ultramarinas”
marcantes a escolas de Angola, tais como Óscar Ribas, Honório Barreto, Luís
Gomes Sambo.
12.
Ao Dr. José
Pinheiro da Silva deve-se o fomento da integração étnica da população
estudantil. Procurou espalhar por Angola as chamadas “Escolas de Habilitação de
Professores de Posto”, para formar docentes para as escolas rurais. Nessas
escolas ele misturou formandos de diferentes origens e não apenas da área de
implantação.
13.
Ao Dr.
Pinheiro da Silva não só se deve uma galopante expansão do parque escolar mas, também,
o aumento exponencial da população escolar - que, em 1973, quase atingiu os
600.000 estudantes, nos vários níveis de ensino, numa população de cerca de 5
milhões de habitantes. Tomou também medidas que alteraram radicalmente
conceitos, modelos e práticas em que o sistema educativo de então se baseava.
Foi graças à acção do Dr. Pinheiro da Silva que se implementou uma melhor
articulação do ensino com a realidade social que Angola vivia.
14.
O Dr.
Pinheiro da Silva fomentou e desenvolveu a prática das bolsas de estudo para os
estudantes mais carenciados. É outra dimensão social a ter em conta durante os
7 anos do seu mandato como Secretário Provincial da Educação.
15.
É evidente
que o Dr. Pinheiro da Silva foi um actor ao serviço do modelo colonial em vigor. Não conseguiu
dar o salto para a realidade que nós queríamos edificar: a nossa independência.
16.
Morreu praticamente
isolado, rodeado, no seu velório, dos poucos que o conheceram, respeitaram e
nunca o abandonaram. Mas, morreu firme nas suas convicções: duplamente
monárquicas, por opção e porque a sua mãe tinha raízes nos reis do Congo.
17.
A acção do
Dr. Pinheiro da Silva em prol da educação e do ensino em Angola de modo algum
pode ser esquecida. Ao seu modo, tornou-se uma figura marcante na nossa
história.
18.
Não há, pois,
como apagar a história, mesmo que vontades circunstanciais e episódicas o
queiram fazer. A terra que hoje temos em mãos não é somente um produto das acções
que ocorreram depois da independência. Os angolanos sempre existiram, só que,
durante séculos, sujeitos ao poder colonial. Luís Gomes Sambo e Pinheiro da
Silva são dois deles.
Muito informativa esta peça do Dr. Justino Pinto de Andrade. De resto, um dos intelectuais de primeira água de quem me orgulho de ler e ouvir.
ResponderEliminarMuito informativa esta peça do Dr. Justino Pinto de Andrade. De resto, um dos intelectuais de primeira água de quem me orgulho de ler e ouvir.
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