Há duas semanas, comentei neste espaço a essência do discurso do Presidente norte-americano, Barack Obama, quando, no Cairo, se dirigiu ao mundo árabe-muçulmano, numa tentativa de apaziguar tensões e desconfianças que subsistem para com o chamado mundo cristão. Nesse histórico discurso, Obama destacou algumas matérias de política internacional: o projecto nuclear do Irão, a luta contra o terrorismo, o conflito israelo-palestiniano. Duas dessas questões transformaram-se já em autênticos testes para as promessas eleitorais do Presidente norte-americano: a questão iraniana e o conflito israelo-palestiniano.
Nos últimos dias, o Irão surgiu nas primeiras páginas dos órgãos de informação por causa do conflito pós-eleitoral, com os apoiantes do candidato presidencial, o reformista Mir Hossein Moussavi, ex-Primeiro-Ministro – e também os outros dois concorrentes – a reclamar contra uma alegada fraude eleitoral que teria favorecido o actual Presidente da República Islâmica, Mahmud Ahmadinedjad. Não sendo embora o projecto nuclear do Irão que despertou a atenção do mundo, eu não tenho a menor dúvida de que uma solução negociada para tal projecto seria mais facilmente alcançada, caso o resultado da disputa eleitoral tivesse sido outro que não o oficialmente anunciado. Mir Hossein Moussavi parece estar mais interessado em negociar e modernizar o país do que Mahmud Ahmadinedjad, o homem que, volta e meia, inquieta o mundo com discursos e ameaças que só fazem lembrar o diabo…
O modo como Barack Obama se tem mantido – relativamente distante desta disputa, embora, claro, muito atento – vem mostrar a sua vontade de ser fiel ao que deste início enunciou: “Os povos têm o direito de escolher livre e democratimente os seus líderes, mesmo que eles não correspondam àquilo que os dirigentes norte-americanos eventualmente mais desejem”. E, sobre o Irão, ele disse, concretamente: “Os Estados Unidos devem manter-se relativamente distantes deste conflito, para que não nos transformemos no problema dos iranianos...”. Com esta postura, Barack Obama voltou a não defraudar as expectativas optimistas que despertou, mantendo-se novamente dentro da linha traçada na sua campanha eleitoral.
Mesmo assim, a problemática israelo-palestiniana também vai suscitando a atenção da comunidade internacional, pelas múltiplas conexões possui. Benjamim Nethanyau, o Primeiro-Ministro de Israel, deu há dias uma primeira resposta ao discurso de Barack Obama, assim como à posição por este assumida em Washington, ao dizer que: i) Aceita a criação de um Estado Palestiniano Independente, desde que desmilitarizado; ii) Exige, porém, dos palestinianos o reconhecimento de Israel como um Estado Judeu; iii) Jerusalém terá de ser a capital do Estado Judaico; iv) Continua relutante quanto ao desmanrtelamento dos colonatos judeus instalados na Cisjordánia; v) Mantém a posição de recusa ao regresso dos refugiados palestinianos que vivem na diáspora. Estas são, pois, cinco matérias suficientemente sensíveis para desmerecerem o meu cuidado, eu que ando sempre atento a este processo que iniciou precisamente no ano em que nasci. Por isso, permito-me fazer algumas reflexões:
a) A existência de um Estado Palestiniano desmilitarizado significa quase a negação desse mesmo Estado, embora, de per si, a capacidade militar não defina, necessariamente, a possibilidade, ou não, da sua sobrevivência. Porém, a experiência histórica tem demonstrado que um Estado militarmente desprotegido é, seguramente, um alvo muito mais fácil, face aos apetites expansionistas dos seus vizinhos, se carentes de espaço vital, ou seja, de território.
b) Reconhecer Israel como um Estado Judaico é esquecer os direitos de cerca de 20% dos seus actuais habitantes, que não são judeus e a quem se retiraria, automaticamente, os direitos de cidadania. É, no fundo, fazer o mesmo que os Ayatollahs do Irão, que definiram o seu como um Estado Islâmico, ou como alguns fundamentalistas europeus que pretendem também denominar a Europa como “um espaço cristão”, negando, afinal, a interculturalidade, um produto da sua história secular, ou mesmo milenar.
c) Cá entre nós, pelo menos a espaços, também se divisam algumas tentações reducionistas dos direitos dos angolanos, com certos indivíduos a acharem-se mais autênticos que os outros, e, por isso, com mais direitos. Esquecem-se, pois, por exemplo, da história anterior à chegada dos Bantu ao nosso território, e, igualmente, do longo processo histórico colonial, produtor de várias confluências. Este fundamentalismo local é, para mim, tão grave como o daqueles que definem o Estado a partir da religião. Compete agora a todos nós lutar corajosamente contra os nossos candidatos a “Ayatollahs”, “Hitler’s” encapuzados…
d) A soberania sobre Jerusalém é das questões mais intrincadas no conflito israelo-palestiniano, uma cidade com um enorme simbolismo histórico e religioso. Israel ocupou, na guerra de 1967, a parte oriental da cidade, onde os palestinianos querem estabelecer a capital do seu Estado. Nessa guerra, conhecida como a Guerra dos Seis Dias, Israel conquistou ainda outros territórios: as Colinas de Golã, a Cisjordânia, a Faixa de Gaza, o Monte Sinai, territórios então pertencentes à Síria, Jordânia, e Egipto.
e) Os colonatos judeus edificados na Cisjordânia são outro dos actuais pomos da discórdia, um dos mais intrincados problemas a ser resolvido, no âmbito de uma eventual retoma do processo de paz israelo-palestiniano. É já consenso internacional que a ereção e o alastramento dos colonatos viola flagrantemente as convenções internacionais que regem o comportamento das potências ocupantes, nomeadamente a Quarta Convenção de Genebra e a Convenção de Haia. Correspondendo a cerca de 40% de todo o território da Cisjordânia, os colonatos judeus inviabilizam a criação de um território verdadeiramente independente, com enormes bolsas estrangeiras no seu interior.
f) Em 1948, altura em que se criou o Estado de Israel, saíram do território muitos milhares de palestinianos que se espalharam por quase todo o Médio Oriente. Muitos deles viveram (ou ainda vivem) em campos de refugiados, sem terem tido a possibilidade de refazer as suas vidas, pelo menos, com a dignidade merecida. Passados tantos anos, é evidente que a esmagadora maioria dos palestinianos que saíram já desapareceram. Mas, hoje existem os seus descendentes, que possuem direitos inalienáveis, porém conflituantes com os muitos israelitas, alguns deles provenientes de outras paragens. Não estamos, pois, apenas, perante um problema de justiça histórica, estamos, sobretudo, e também, perante um elementar problema de direitos do homem.
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