quinta-feira, 10 de setembro de 2009

A FORÇA DO DINHEIRO

1. Duas questões envolvendo a Líbia marcaram os noticiários internacionais da última semana: i) O entendimento entre o primeiro-ministro italiano, Sílvio Berlusconi, e as autoridades líbias quanto ao repatriamento dos imigrantes ilegais africanos que, partindo de território líbio, buscam refúgio na Itália; ii) Os festejos dos 40 anos de poder do líder líbio, Muhamar Kadhafi.

2. Os imigrantes ilegais, o objecto da primeira questão, são geralmente detectados no seu trajecto para a Ilha italiana de Lampedusa, no Mar Mediterrâneo, pretendendo depois rumar ou para a parte continental da Itália, ou para outras paragens da Europa.

3. Não ponho em causa o direito de as autoridades italianas protegerem as suas fronteiras nacionais – Esse é mesmo dever que incumbe a qualquer governante. Todavia, o primeiro-ministro italiano introduziu, há pouco tempo, na discussão do problema dos imigrantes africanos ilegais uma nuance que despoletou forte contestação, pois roça os limites do racismo. Além de ter feito aprovar pelo Parlamento uma Lei que criminaliza a imigração ilegal, Sílvio Berlusconi proferiu declarações públicas rejeitando a ideia da multi-etnicidade no seu país. Ele disse mesmo: “Uma Itália multi-étnica é uma ideia da esquerda”. Está, pois, claro que a sua cruzada contra os imigrantes africanos, tem profundas motivações ideológicas, mesmo que tais motivações possam coabitar com outras, por exemplo, os interesses económicos protegidos pelo Estado italiano.

4. Tentar travar a criação de sociedades multi-étnicas é, de facto, um pensamento que não é digno do século XXI. Neste século, com o aprofundamento do processo da globalização, acentuar-se-á, seguramente, a mobilidade de todos os factores, com especial destaque para as pessoas. Não se movendo apenas os capitais ou os bens, a globalização não pode deixar de fora a convivência entre as pessoas, criando-se um novo quadro sociológico muito distinto daquele que caracterizou o mundo do passado com sociedades mais fechadas. Temos que assumir o novo século como o século da mobilidade e da inter-culturalidade.

5. O primeiro-ministro italiano quer, assim, evitar no seu país a multiplicação dos genes de pessoas de outras raças. Ele teme que os futuros italianos sejam ainda mais escuros do que são hoje, quando comparados, por exemplo, com os europeus da Europa Central ou da Europa do Norte. Esqueceu-se, porém, Berlusconi, que a situação geográfica da Itália a colocou na encruzilhada de três continentes: situada no Sul da Europa, a Itália dá de frente para África, sendo o Mar Mediterrâneo uma passagem obrigatória para quem demanda a América, vindo da Ásia. Ao construir-se o canal do Suez, facilitou-se ainda mais o contacto com os povos do Oriente. Não foi, pois, por um mero acaso que no Mar Mediterrâneo medraram muitas das maiores civilizações que a humanidade conheceu: a grega, a romana, a otomana, a cartaginesa, a egípcia.

6. Para frenar o trânsito ilegal de imigrantes africanos, Berlusconi estabeleceu entendimento com o líder líbio, Muhamar Kadhafi, um entendimento com consequência imediata no melhoramento dos laços económicos entre os dois países. As empresas italianas estão agora a aumentar a sua participação nos negócios líbios. Tal incremento nos negócios poderá, claro, acarretar a ida para a Líbia de mais quadros italianos, homens esses que se misturarão com mulheres locais, pondo assim em causa a tentação berlusconiana de travar a multi-etnicidade e a multiculturalidade. Ou será que a multi-etnicidade e a multiculturalidade são boas, e até mesmo desejáveis, quando têm lugar no território dos outros? Essa questão deveria ter sido colocada pelo Coronel Kadhafi ao seu amigo Sílvio Berlusconi. Mas não colocou, imagino eu.

7. Muhamar Kadhafi festejou também, no dia 1 de Setembro, os seus 40 anos de poder, e fê-lo com toda a pompa e circunstância, como é prática dos ditadores. Ele ascendeu ao poder por meio de um golpe de Estado, ao derrubar, em 1969, o regime feudal do Rei Idriss, proclamando a República. O Coronel Kadhafi criou, assim, uma enorme expectativa, tendo mesmo merecido, na altura, a aprovação da maioria do seu povo, farto que estava do sofrimento imposto pelo regime do Rei deposto. Porém, o novo Rei, instituiu uma espécie de monarquia republicana, como mostra o seu apego ao poder.

8. Tido durante muito tempo como um político desacreditado face ao mundo ocidental, Kadhafi passeia-se já pelas principais capitais do mundo, onde é recebido com todos os salamaleques, muito por causa do poder económico que exibe.

9. A Líbia é o país africano com maior potencial de petróleo – reservas estimadas em 43 mil milhões de barris, mais do triplo das que são estimadas para Angola. Prevê-se que em 2013 aquele país possa produzir cerca de 3 milhões de barris de petróleo/dia. Isso desperta a cobiça das principais companhias petrolíferas do planeta: Exxon Móbil, BP, Eni, Gazprom, Shell, Total, etc.

10. É por essa enorme riqueza que os Estados mais importantes do mundo se vergam hoje perante aquele a quem acusaram no passado de ser um dos principais financiadores do terrorismo internacional. Mas, a figura de Muhamar Kadhafi está bastante higienizada, desodorizaram-lhe a imagem, muito à custa dos portos, hospitais, estradas e outras infra-estruturas que constrói ou prevê construir no futuro. Os grandes interesses económicos internacionais estão interessados em retirar dividendos dos seus chorudos negócios e, por isso, aconselham os seus governos a lidar com Kadhafi com pezinhos de lã.

11. Nos festejos comemorativos dos 40 anos da entronização de Kadhafi, estiveram presentes dezenas de Chefes de Estado africanos e também latino-americanos. Marcando presença, eles deram um claro sinal de que não lhes repugna nada uma qualquer ditadura, muito menos retêm na memória os crimes de que o homem foi sistematicamente acusado no passado. Julgo que a grande maioria dos líderes que se fizeram presentes, se sentiu muito confortada. Estavam, afinal, sentados ao lado de alguém que muito admiram e de quem gostariam de seguir os passos…

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