terça-feira, 15 de dezembro de 2009

OS DEMOCRATAS DE PACOTILHA

1. No dia 7 deste mês, ouvi um discurso que colocava pontos de interrogação sobre a seriedade e até mesmo a legitimidade de certas organizações da sociedade civil. No discurso, ficou implícito que se tratava de organizações geralmente não comprometidas com o regime. Prevejo, pois, dentro em breve, o desencadear de uma nova cruzada contra tais organizações, uma prática que já é habitual. Oralmente, ou através de artigos de opinião, os “guardiães do templo”, irão, pois, expelir verdadeiras labaredas…

2. Seguramente, os propagandistas de serviço estarão já a esquadrinhar, em busca das melhores formas para manchar a imagem das organizações, acusando-as das mais abjectas mentiras: por exemplo, de serem desestabilizadoras da acção do governo, ou até mesmo de conspirarem para servir interesses estranhos ao povo angolano. É assim que o aparelho funciona…

3. Estranhamente, o discurso traçou também um compromisso com os princípios e os valores da esquerda democrática.

4. Por norma, a esquerda democrática tem nos movimentos sociais alguns dos seus principais aliados. Aqui entre nós, os movimentos sociais são tidos como autênticos adversários; não poucas vezes, como os verdadeiros inimigos. Há, pois, uma forte contradição entre esse discurso teórico e a prática política.

5. Integrar a chamada esquerda democrática implica um forte compromisso com determinados valores e princípios. Não basta aceitar formalmente a pluralidade partidária, é também necessário agir no sentido de que essa pluralidade seja viva e dinâmica.

6. Os democratas dão espaço e alento à pluralidade partidária. Para os democratas de esquerda, é também essencial que os cidadãos se organizem, se associem em função de interesses específicos. Os democratas de esquerda não impõem amarras nem impedem a acção dos movimentos sociais.


7. É com enorme estranheza que vejo os nossos “novos” democratas de esquerda terem entre os seus “amigos do peito” precisamente partidos com um longo historial antidemocrático, partidos que odeiam a democracia, asfixiando as liberdades individuais e colectivas.

8. Ser adepto sincero da esquerda democrática implica ser adverso aos totalitarismos e às ditaduras. Ser da esquerda democrática é ser solidário com os defensores dos direitos humanos, não é persegui-los. Ser democrata de esquerda é ser contra os regimes que violam sistematicamente os direitos mais essenciais da pessoa humana, contra os que pisoteiam o princípio sagrado da liberdade de expressão.

9. A esquerda democrática é a guardiã universal dos valores da liberdade, da igualdade e da solidariedade. Ela está sempre aberta à livre iniciativa, mas, também, à inovação e ao progresso. A esquerda democrática não é rancorosa.

10. Um democrata de esquerda não faz tábua rasa da história, ele assume o seu percurso e respeita a memória dos seus teóricos e dos seus artífices. Não é prática da esquerda democrática tentar “apagar” os nomes daqueles que contribuíram para a sua estruturação e para o seu desenvolvimento. Por isso, na esquerda democrática vê-se uma vasta galeria de pensadores. Ela não se coaduna com a cultura do pensamento único, nem com o culto da personalidade. Não se tem apego ao Chefe, porque, para os democratas de esquerda, os chefes são transitórios, e revezam-se à medida que o tempo passa.

11. Os líderes dos partidos democráticos sujeitam-se ao contraditório e aceitam ser questionados. Eles não são eternos, nem se eternizam no poder. Muito menos se socorrem de métodos capciosos para distrair o povo… A demagogia e o populismo têm limites.

12. A esquerda democrática tem um sólido apego ao princípio da paz, e procura alargar o espaço das liberdades. Tem respeito pela diferença e pela singularidade de cada um.

13. Hoje, muitos dos que abusivamente se arrogam à condição de integrantes da esquerda democrática são precisamente os que, ainda há bem pouco tempo, se auto-proclamavam arautos da ditadura, fosse ela “ditadura do proletariado”, fosse a dita “ditadura democrática revolucionária”.

14. Foram os agora democratas que nos impuseram um regime de partido único. Aí prevalecia a exclusão, era fortemente repressor. Foram os neo-democratas que encheram as prisões de prisioneiros de consciência, eliminando do mapa os que se lhes opunham. Por isso, condenaram o país a um medo atávico que emudece muitas vozes, tementes ainda de um regresso ao passado de terror.

15. Muitos dos que hoje se reclamam da esquerda democrática agem, por vezes, como agiria um qualquer “cabeça rapada”: para nos distraírem do essencial, exaltam um patriotismo de algibeira, o que redunda, depois, no estímulo à xenofobia.

16. São esses os nossos “democratas de pacotilha” que descuram os interesses dos sectores mais frágeis da nossa sociedade. Reprimem violentamente e despojam os pobres dos seus parcos bens. Em nome duma suposta modernização da sociedade, os nossos “democratas de pacotilha” desalojam os pobres das suas já míseras habitações, sem cuidarem antes de criar condições para os acolher com algum conforto e dignidade. São eles também que confundem o interesse nacional com o enriquecimento ilícito.

17. O espaço dos democratas de esquerda é um espaço ideológico, político e cultural que tem história. Ele é dos principais responsáveis pelo actual formato da humanidade. O espaço dos nossos “democratas de pacotilha” é um espaço defunto que a história rejeitou. O espaço privilegiado dos nossos “democratas de pacotilha” foi deitado para o caixote do lixo.

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