1. A Semana Santa coincidiu com a comemoração do Dia da Paz, a efeméride alusiva à assinatura formal do acordo que pôs fim à Guerra Civil Angolana. Como consequência, Luanda viu reduzida a confusão e a anarquia que a caracteriza.
2. Diminuiu a circulação automóvel no centro da cidade capital. As vias de saída de Luanda para o Norte e para o Sul encheram-se de viaturas com gente que, assim, alterava a sua rotina, buscando novas paragens e até mesmo sensações mais agradáveis do que as habituais. Eu também saí de Luanda e fui para a Província do Kwanza-Sul.
3. Infelizmente, quando me lanço na estrada, por norma, deparo-me com os resultados da condução irresponsável, ou então da sua deficiente sinalização. Ocorre, de imediato que, dentro daqueles automóveis destruídos estiveram, antes, vidas alegres, gente ansiosa que terá morrido ou, no mínimo, terá ficado estropiada. Jovens no máximo do seu vigor. Jovens na plenitude das suas expectativas.
4. Na Semana Santa, escolhi como destino uma zona ainda rural, uma vila do interior onde, mais uma vez, identifiquei algumas memórias da minha primeira infância. Dá-me sempre imenso prazer observar aquela paisagem ainda algo bucólica, com os seus imensos vales depositados por entre montanhas majestosas.
5. Nalgumas paragens onde ainda predomina o verde, e temos a agradável sensação do reencontro com a natureza. Na Luanda da minha segunda infância e da minha adolescência, também havia verde e muitos espaços de lazer. O calor da Luanda da minha segunda infância e da minha adolescência não sufocava tanto agora. A chuva também não matava pessoas. A chuva refrescava o ar e, depois, desaparecia. Os solos enxugavam as águas da chuva.
6. Por tudo isso, não havia esta ganância de abandonar Luanda. Tínhamos, sim, uma forte vontade de fruir Luanda, de conhecer os seus segredos. Percorríamos a cidade com prazer. Luanda, desnudando-a, absorvendo-a, possuindo-a. Luanda era a nossa namorada mais apetecida. Agora, largamo-la, logo que espreita uma boa oportunidade.
7. Cada vez mais, vamos trocando Luanda por um novo amor, por um amor recente. Também a deixamos, em busca de amores antigos, como Calulo da minha primeira infância, porque em Calulo ainda se respira alguma ruralidade. É sua paisagem, a sua biodiversidade animal e vegetal, o modo de vida, a cultura, a hospitalidade. Lá pode fazer-se algum turismo rural.
8. O turismo rural é mais uma saída feliz para quem consome o essencial da sua vida nesta grande, caótica, poluída e desgrenhada cidade de Luanda. Luanda já se tornou sufocante. Mata-nos por dentro, por vezes sem deixar marca visível. Luanda é uma espécie de “serial killer”, à espreita da próxima vítima.
9. O “serial killer” em que se transformou Luanda usa o trânsito como arma, os engarrafamentos, as ultrapassagens descontroladas. Também usa a poeira, a chuva, a poluição sonora, o lixo, as quebras permanentes de electricidade, a água que finge que corre nas torneiras quando lhe apetece, o roído dos geradores, os semáforos que avariam mais do que funcionam. Este “serial killer” socorre-se do “funil” da estrada de Catete, do caos da estrada de Cacuaco, da “cadeira eléctrica” da estrada do Rocha Pinto, da “injecção letal” da estrada da Samba. Estamos todos condenados a uma morte mais ou menos lenta. Por vezes mesmo, a uma morte rápida e violenta, porque o caos urbano estimula a criminalidade.
10. Somos, muitas vezes, surpreendidos com a visão, incrédulos, de um assalto à mão armada, nas nossas barbas, em plena luz do dia, como se os bandidos fossem a autoridade… É tudo isso que nos impele a sair de Luanda, quando espreita a primeira oportunidade. Qual a alternativa? O campo, o meio rural, o interior, o verde, a natureza ainda preservada. Felizmente, ainda temos espaços que não foram muito agredidos pelo homem.
11. O desenvolvimento do turismo rural obriga a que se cuide do património natural e cultural das regiões. Temos, por exemplo, algumas explorações agrícolas ou agro-pecuárias adequadas para desenvolver o agro-turismo e mesmo até o eco-turismo. Isso dependerá da capacidade empreendedora daqueles que possuem fazendas e queiram explorar esse ramo de actividade. Não podem é pretender transformar esses espaços em novas cidades, porque nós já estamos fartos de cidades, sobretudo, de cidades caóticas e asfixiantes. Queremos sair do caos, da bagunça, do “colete-de-forças”. Queremos escapar ao desígnio macabro do “serial killer”. Pelo menos durante alguns dias do ano, queremos respirar ar puro, oxigenar os pulmões, distender os músculos, amar a natureza.
12. Eu sei que o turismo rural já dá passos de longa caminhada em províncias como a Huíla ou o Namibe, onde se constroem, por exemplo, vários lodges. Esta é uma outra saída airosa, regeneradora da esperança.
13. Sem que nos apercebamos aqui em Luanda, a parte Sul do nosso país é crescentemente procurada por caravanas idas da Namíbia, da África do Sul, do Zimbabwe, até mesmo de Moçambique. Muitos habitantes de Luanda demandam também aquelas paragens. Temos igualmente que “descobrir” o Norte do país, assim como o Leste. Afinal, em termos de dotes da natureza, este país é privilegiado.
14. O turismo rural é relaxante e enriquecedor. Ele permite-nos somar mais conhecimentos sobre a fauna, sobre a flora e sobre o modo de vida das comunidades. Ele é também um modo de aculturação. No intercâmbio de culturas, todos os participantes podem ganhar alguma coisa. Há sempre algo para levar e algo para trazer. Ninguém é dono de tudo
15. Afinal, estamos todos os dias a morrer aceleradamente, porque Luanda deixou, há muito, de ser a nossa namorada... Ela apodera-se de nós até à exaustão e, depois, deixa-nos exangues. Deixa-nos sem vontade de respirar. Infelizmente, e digo-o com pesar: Luanda transformou-se numa máquina de tortura.
2. Diminuiu a circulação automóvel no centro da cidade capital. As vias de saída de Luanda para o Norte e para o Sul encheram-se de viaturas com gente que, assim, alterava a sua rotina, buscando novas paragens e até mesmo sensações mais agradáveis do que as habituais. Eu também saí de Luanda e fui para a Província do Kwanza-Sul.
3. Infelizmente, quando me lanço na estrada, por norma, deparo-me com os resultados da condução irresponsável, ou então da sua deficiente sinalização. Ocorre, de imediato que, dentro daqueles automóveis destruídos estiveram, antes, vidas alegres, gente ansiosa que terá morrido ou, no mínimo, terá ficado estropiada. Jovens no máximo do seu vigor. Jovens na plenitude das suas expectativas.
4. Na Semana Santa, escolhi como destino uma zona ainda rural, uma vila do interior onde, mais uma vez, identifiquei algumas memórias da minha primeira infância. Dá-me sempre imenso prazer observar aquela paisagem ainda algo bucólica, com os seus imensos vales depositados por entre montanhas majestosas.
5. Nalgumas paragens onde ainda predomina o verde, e temos a agradável sensação do reencontro com a natureza. Na Luanda da minha segunda infância e da minha adolescência, também havia verde e muitos espaços de lazer. O calor da Luanda da minha segunda infância e da minha adolescência não sufocava tanto agora. A chuva também não matava pessoas. A chuva refrescava o ar e, depois, desaparecia. Os solos enxugavam as águas da chuva.
6. Por tudo isso, não havia esta ganância de abandonar Luanda. Tínhamos, sim, uma forte vontade de fruir Luanda, de conhecer os seus segredos. Percorríamos a cidade com prazer. Luanda, desnudando-a, absorvendo-a, possuindo-a. Luanda era a nossa namorada mais apetecida. Agora, largamo-la, logo que espreita uma boa oportunidade.
7. Cada vez mais, vamos trocando Luanda por um novo amor, por um amor recente. Também a deixamos, em busca de amores antigos, como Calulo da minha primeira infância, porque em Calulo ainda se respira alguma ruralidade. É sua paisagem, a sua biodiversidade animal e vegetal, o modo de vida, a cultura, a hospitalidade. Lá pode fazer-se algum turismo rural.
8. O turismo rural é mais uma saída feliz para quem consome o essencial da sua vida nesta grande, caótica, poluída e desgrenhada cidade de Luanda. Luanda já se tornou sufocante. Mata-nos por dentro, por vezes sem deixar marca visível. Luanda é uma espécie de “serial killer”, à espreita da próxima vítima.
9. O “serial killer” em que se transformou Luanda usa o trânsito como arma, os engarrafamentos, as ultrapassagens descontroladas. Também usa a poeira, a chuva, a poluição sonora, o lixo, as quebras permanentes de electricidade, a água que finge que corre nas torneiras quando lhe apetece, o roído dos geradores, os semáforos que avariam mais do que funcionam. Este “serial killer” socorre-se do “funil” da estrada de Catete, do caos da estrada de Cacuaco, da “cadeira eléctrica” da estrada do Rocha Pinto, da “injecção letal” da estrada da Samba. Estamos todos condenados a uma morte mais ou menos lenta. Por vezes mesmo, a uma morte rápida e violenta, porque o caos urbano estimula a criminalidade.
10. Somos, muitas vezes, surpreendidos com a visão, incrédulos, de um assalto à mão armada, nas nossas barbas, em plena luz do dia, como se os bandidos fossem a autoridade… É tudo isso que nos impele a sair de Luanda, quando espreita a primeira oportunidade. Qual a alternativa? O campo, o meio rural, o interior, o verde, a natureza ainda preservada. Felizmente, ainda temos espaços que não foram muito agredidos pelo homem.
11. O desenvolvimento do turismo rural obriga a que se cuide do património natural e cultural das regiões. Temos, por exemplo, algumas explorações agrícolas ou agro-pecuárias adequadas para desenvolver o agro-turismo e mesmo até o eco-turismo. Isso dependerá da capacidade empreendedora daqueles que possuem fazendas e queiram explorar esse ramo de actividade. Não podem é pretender transformar esses espaços em novas cidades, porque nós já estamos fartos de cidades, sobretudo, de cidades caóticas e asfixiantes. Queremos sair do caos, da bagunça, do “colete-de-forças”. Queremos escapar ao desígnio macabro do “serial killer”. Pelo menos durante alguns dias do ano, queremos respirar ar puro, oxigenar os pulmões, distender os músculos, amar a natureza.
12. Eu sei que o turismo rural já dá passos de longa caminhada em províncias como a Huíla ou o Namibe, onde se constroem, por exemplo, vários lodges. Esta é uma outra saída airosa, regeneradora da esperança.
13. Sem que nos apercebamos aqui em Luanda, a parte Sul do nosso país é crescentemente procurada por caravanas idas da Namíbia, da África do Sul, do Zimbabwe, até mesmo de Moçambique. Muitos habitantes de Luanda demandam também aquelas paragens. Temos igualmente que “descobrir” o Norte do país, assim como o Leste. Afinal, em termos de dotes da natureza, este país é privilegiado.
14. O turismo rural é relaxante e enriquecedor. Ele permite-nos somar mais conhecimentos sobre a fauna, sobre a flora e sobre o modo de vida das comunidades. Ele é também um modo de aculturação. No intercâmbio de culturas, todos os participantes podem ganhar alguma coisa. Há sempre algo para levar e algo para trazer. Ninguém é dono de tudo
15. Afinal, estamos todos os dias a morrer aceleradamente, porque Luanda deixou, há muito, de ser a nossa namorada... Ela apodera-se de nós até à exaustão e, depois, deixa-nos exangues. Deixa-nos sem vontade de respirar. Infelizmente, e digo-o com pesar: Luanda transformou-se numa máquina de tortura.
A vida é como um pêndulo! Andamos, muitas vezes sem saber a oscilar para lá e para cá.
ResponderEliminarTalvez nem tudo o que havia no tempo colonial fosse mau. Teria sido mais sensato um aproveitamento das coisas boas em detrimento (e para correcção) das más, em vez daquela cena tristemente histórica de um ajuste de contas desenfreado. O que após três décadas passadas se constata é que muitos dos que vieram para governar não tinham, nem têm, capacidades nem competência para tal. Agora Luanda é um inferno e corrigir os males de que enferma será muito difícil. E como a norma é copiar sempre o que de pior se faz, se não houver cuidado a praga ir-se-á estabelecer nessa Angola bucólica que ainda parece existir.
É uma dor de alma ver no que se tornou Angola
Caro Justino, peço que atualize seu endereço de email nesse blog, pois o endereço informado está errado e eu venho recebendo constantemente mensagens de diversas pessoas interessadas em contatá-lo, porém acabam mandando as mensagens para mim
ResponderEliminarAtt João Paulo Andrade