quinta-feira, 5 de agosto de 2010

UM CONFLITO QUE NADA LHES DIRÁ

1. Na Cimeira da União Africana que decorreu recentemente em Kampala, a capital do Uganda, Angola foi convidada a reforçar os efectivos militares que a organização continental possui na Somália. Falou-se mesmo numa subida dos actuais 6 mil para 8 mil soldados, correndo notícias de que tal reforço contará ainda com contributos do Djibuti, Guiné-Conacry, Moçambique e África do Sul.

2. Um especialista português em Relações Internacionais e Segurança é de opinião que o envio de tropas angolanas e moçambicanas para a Somália faria aumentar o prestígio internacional dos dois países, muito em especial, o de Angola, país com pretensões de se tornar potência regional.

3. O conflito da Somália é dos mais complexos que o nosso continente vive, pois lá estão em disputa múltiplos interesses e se acumulam inúmeras contradições. Algumas de tais contradições são do foro religioso, outras são decorrentes do passado colonial, outras ainda têm mais a ver com as ambições expansionistas de alguns dos países vizinhos. Por exemplo, no passado, três potências europeias ocuparam partes do território somali: França, Grã-Bretanha e Itália. Para além, claro, do contacto mais remoto que aqueles povos tiveram com o antigo Egipto.

4. A Somália é, pois, um país complexo que resultou da união, em 1960, dos protectorados italiano e britânico. Em 1977, a Somália Francesa deu origem ao Djibuti.

5. O conflito que a Somália hoje conhece é, de algum modo, ainda uma consequência do fim do regime ditatorial do antigo Presidente Siad Barre, derrubado, em 1991, pelo esforço conjugado de diversos clãs.

6. Siad Barre governou o seu país com punho de ferro, pretendendo supostamente instaurar um regime comunista num país marcado pelo subdesenvolvimento e disseminado por múltiplas etnias. Com a queda de Siad Barre, a Somália jamais conheceu a paz, tendo praticamente ficado nas mãos dos chamados “senhores da guerra”.

7. Até agora, houve diversas tentativas de solução do problema somali, inclusive, uma intervenção militar por soldados norte-americanos, no quadro de uma acção de ajuda humanitária, sob os auspícios das Nações Unidas. Tal acção militar saldou-se num redondo fiasco, de que resultaram 18 soldados norte-americanos mortos. O modo como foram mortos, e depois arrastados pelas ruas os corpos dos 18 militares norte-americanos, chocou o mundo.

8. O conflito interno da Somália manifesta-se pelas fidelidades aos diversos clãs, assim como pela competição interna para o controlo dos recursos do país. Luta-se pelo controlo da água, das pastagens, do gado, etc. Os protagonistas dessas lutas fazem-no já com armas modernas de todo o tipo. A Somália é uma verdadeira “manta de retalhos”.

9. Fruto dos esforços da comunidade internacional, constituiu-se, em 2004, um Governo Nacional de Transição que se instalou no Quénia, já porque a capital do país, Mogadíscio, se encontrava controlada por chefes tribais.

10. Deixou de haver serviços públicos e forças de segurança do Estado. O Governo de Transição transferiu-se para o interior do país, pois nunca conseguiu controlar Mogadíscio. Instalou-se em Baidoa, localidade situada a 200 quilómetros de Mogadíscio.

11. O governo interino somali, reconhecido internacionalmente, tem merecido o apoio da Etiópia. Diz-se que as forças islâmicas são armadas pela Eritreia. Já se assume também, e sem reservas, que o conflito interno da Somália se internacionalizou, tornando-se um campo privilegiado para a acção de grupos radicais estrangeiros ligados à Al-Qaeda, constituídos por militantes islâmicos originários do Afeganistão, Paquistão, do Iémen, e de outras paragens.

12. Depois que eclodiu a guerra civil, a pirataria marítima tornou-se mais intensa na região do Corno de África, onde se situa a Somália. São sistematicamente sequestrados navios de todo o tipo, até mesmo petroleiros, pois aquela rota é das mais importantes para o comércio mundial. Os resgates pagos aos piratas aumentaram a sua capacidade de abastecimento e armamento.

13. A pirataria provocou um acréscimo acentuado nos fretes, fruto da subida em espiral do risco. Presentemente, vêem-se naqueles mares navios de guerra de diversas proveniências, alguns escoltando embarcações que se dirigem para os portos somalis com mantimentos para as populações famintas. O Golfo de Aden está agora transformado numa verdadeira base marítima. São navios da França, Grã-Bretanha, EUA, Alemanha, Portugal, Índia, Turquia, Rússia, etc.

14. Os piratas que hoje fazem manchete nos noticiários de quase todo o mundo, muitos deles são ex-pescadores que se viraram para uma actividade de muito maior riso, mas igualmente mais lucrativa. Fazem também pirataria, militares ligados aos clãs dos senhores da guerra. Os piratas estão dotados de meios técnicos sofisticados, como GPS, e vão circulando em embarcações rápidas com as quais interceptam e abordam os navios.

15. É este o território para onde podem ser enviados alguns dos nossos soldados. Trata-se de um território longínquo, no outro extremo do nosso continente, vivendo um conflito que, acredito, nada dirá aos nossos soldados.

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