A VIOLÊNCIA QUE NOS AFRONTA
- Vive-se em todo o
país um clima de grande ansiedade, muito por causa dos actos de violência urbana
que se repetem no nosso quotidiano. Uma violência urbana que se materializa
em assaltos a estabelecimentos bancários, a lojas e cantinas, a
residências (e, em plena luz do dia), violação de jovens raparigas em
locais ermos (muitas vezes seguidas de morte), agressões a estudantes à
saída das aulas, vandalização e roubo de viaturas, assassinatos de gente
indefesa, ajustes de contas entre integrantes de “gangs” (que, não poucas
vezes, culminam em mortes). Somos, por isso, tomados pela sensação de que
os criminosos estão em vantagem sobre as autoridades, e até mesmo que eles
tomaram os cidadãos comuns como seus reféns.
- Nos últimos dias, o
país foi “acordando” com a notícia de três crimes hediondos ocorridos num
curto período de tempo: a violação (seguida de tentativa de assassinato)
de uma jovem rapariga num prédio situado no Bairro Prenda; a morte, em
circunstâncias trágicas, de um jovem estudante universitário, de nome
Jorge Valério Coelho da Cruz; mais recentemente, a morte de uma professora
na cidade do Lubango, esquartejada pelo colega e suposto namorado.
- Pela enormidade e barbaridade
dos crimes, o país está tomado por grande comoção, ao ponto de alguns
jovens em Luanda terem mobilizado uma manifestação púbica de repúdio à
violência, querendo pedir, naturalmente, uma maior atenção às autoridades
públicas. A sua mensagem terá sido de um sério alerta para os riscos que,
afinal, todos corremos, caso não se actue em tempo e na medida adequada… A
passeata organizada em Luanda valeu, sobretudo, pela intenção, e a sua
força não pode ser vista propriamente a partir do volume de gente que a
incorporou. É a indignação feita em termos serenos mas indubitáveis.
- Todos os três crimes
que abalaram as consciências dos nossos concidadãos tiveram lugar no casco
urbano de cidades, e um deles envolveu pessoas ligadas a famílias
conhecidas.
- Que eu saiba, o
crime que vitimou o jovem Jorge Valério terá sido praticado por gente que
vive muito próximo do conforto e do bem-estar. São também pessoas letradas.
O morto era estudante, tal como o principal acusado que era mesmo mais
jovem que a vítima. Todos, pois, na flor da idade. Talvez tenha sido isso
a contribuir para a sua maior mediatização, dado que, por norma, a
sociedade está mais habituada a ver imagens de marginais oriundos de
outros segmentos sociais.
- A frequente repetição
dessas imagens e de relatos de crimes em que o agressor é, quase sempre,
gente de origem pobre, poderá conduzir à conclusão de que a violência
urbana tem a marca da pobreza. E que a pobreza é, por si própria, a grande
geradora de violência. Isso não é verdade. Se assim fosse, concluiríamos,
precipitadamente, que os populares vivendo em estado de pobreza serão, pura
e simplesmente, potenciais criminosos.
- As estatísticas
assinalam quase sempre demasiados crimes nas áreas urbanas mais
carenciadas. Porém, a violência e, especialmente, a violência urbana pode também
ter origem na desestruturação familiar. A ausência de afecto é capaz de empurrar
uma criança (ou um adolescente) para a marginalidade. A violência
doméstica (e, também, a fora do lar) pode, igualmente, gerar desestruturação
familiar. Estudos sociológicos feitos em diversos países conduzem a esse
resultado.
- Há crianças e
adolescentes que se tornam marginais por falta de êxito escolar. Essa
falta torna-os frustrados, gera um ímpeto de vingança sobre professores, sobre
os funcionários do estabelecimento escolar, e mesmo até sobre os colegas.
Recordo-me de ter lido relatos de crimes hediondos, crimes em massa
cometidos por ex-alunos de determinada escola. São crimes congeminados
durante algum tempo – até que os seus autores espreitem a melhor
oportunidade para os cometer. Os criminosos deixam registos magnéticos dos
actos de preparação.
- O desemprego também gera
frustração. Se demasiado prolongado, o desemprego provoca uma perda progressiva
de auto-estima. Daí pode-se ir por um curto caminho até à prática de actos
marginais. Não haja dúvidas que o desemprego é um dos grandes cancros das
sociedades urbanas.
- Se conjugado o desemprego
com a propagação de certos modelos de consumo, estão criadas as condições para
a disseminação, entre os jovens, de métodos ilícitos alternativos que lhes
permitem obter recursos para o desejado consumo. É a prática da expressão
“quem não tem cão, caça com gato…”.
- As estatísticas policiais
evidenciam a violência urbana associada ao desenvolvimento de uma economia
paralela assente no tráfico de drogas e de mercadorias roubadas. É aí que
se cometem dos crimes mais hediondos, sobretudo quando os membros de “gangs”
rivais lutam pelo domínio do mercado. Esses “gangs” usam armamento sofisticado
e, não poucas vezes, têm cumplicidade de agentes das polícias. Julgo não
ser esse, ainda, o nosso caso. Publicamente, nada foi apresentado, de
forma inequívoca, que documente tal situação.
- Determinados produtos
exibidos em certos meios de comunicação social têm igualmente uma quota de
responsabilidade na cultura de violência que hoje se propaga entre nós.
São produtos de consumo massivo e de difícil controlo, e geram um “efeito
imitação” nos jovens ávidos de encontrar “heróis” em filmes e jogos. Os “heróis”
que encontram são, afinal, muitos deles bandidos, marginais.
- A toxicodependência é
outra fonte segura de violência. Não é possível pôr em causa esta afirmação,
se nos lembrarmos que, em grande número de vezes, os marginais apresentados
ao público pela polícia se assumem como consumidores de drogas, muitas
delas drogas pesadas.
- A nossa sociedade deixou
há muito de ser “virgem”, no que diz respeito ao crime. A realidade
confronta-nos com crimes cada vez mais violentos. Por norma, o crime de
hoje é mais hediondo que o crime anterior.
- Desde a
independência, a sociedade foi assimilando “valores” que não valorizam
devidamente o esforço e o mérito. É a época do ganho fácil e da opulência.
Do desrespeito pelo esforço alheio. Do endeusamento dos cargos de
nomeação. Do atropelo às regras mais elementares, quando se pretende
ascender a cargos de responsabilidade.
- A violência que se
pratica na nossa sociedade em grande medida fica impune. Há muitos crimes
sem castigo. Por isso, o povo tem razão, quando diz que muitos criminosos
estão protegidos e encobertos. Não pode haver dúvidas de que, sistematicamente,
são cometidas violações contra direitos elementares e constitucionais dos
cidadãos.
- De forma misteriosa
e suspeita, desaparecem da circulação cidadãos, sem que se dê uma explicação
pública – Onde estão, por exemplo, os jovens Isaías Cassule e Kamulingue, cujo
paradeiro se desconhece há vários meses? Sabe-se apenas que terão sido
detidos quando pretendiam manifestar-se publicamente, reclamando direitos.
Neste e noutros casos, qual tem sido a resposta das autoridades policiais
e, sobretudo, políticas? Silêncio cúmplice – sem dúvidas.
- Tudo isso conduz ao
crime e estimula os criminosos. Faz deles aliados e não inimigos. A “sensação
de impunidade” faz com que os criminosos actuem sem restrições e
reincidam. Políticos e filhos de políticos. Militares e filhos de
militares. Empresários e filhos de empresários. Gestores e filhos de
gestores. Há, sim, entre nós, demasiada gente que se julga acima da lei…
- Estamos agora a
perceber por que a violência não mora, pois, apenas, nas periferias da
cidade. A falta de infra-estrutura urbana e a pobreza não são a única
causa da violência. Engana-se quem pensa o contrário. O crime e a
violência também moram em mansões e passeiam-se em viaturas de alta
cilindrada.
- Se, de facto,
queremos combater a violência e o crime, não nos basta abrir mais cadeias.
Temos, sim, que olhar para a nossa sociedade com mais atenção, atacando
com coragem todos os factores geradores da violência e do crime.
Sem comentários:
Enviar um comentário