1.
A presença do Chefe de Estado na sessão de abertura da legislatura que iniciou no dia 15 de Outubro ficou, sobretudo, registada pelo seusilêncio. Tal silêncio terá violado o preceito constitucional que o obriga a dirigir-se à magna assembleia, em “mensagem sobre o Estado da Nação e as políticas preconizadas para a resolução dos principais assuntos, promoção do bem-estar dos angolanos e desenvolvimento do país”. Segundo se disse na altura, o Chefe de Estado fez distribuir entre os deputados à Assembleia Nacional o texto integral do discurso que proferiu no acto de posse que lugar no dia 26 de Setembro, 20 dias antes.
2.
O argumento da não repetição de discursos, utilizado pelo Chefe de Estado, não terá convencido muita gente, dado que os dois actos – atomada de posse e o da Abertura Solene da Legislatura – de modo algum se podem confundir. Mesmo que revestidos de grande solenidade, eles possuem significados políticos distintos.
3.
Uma coisa é a posse de José Eduardo dos Santos como Presidente da República, em que o “novo” Presidente se dirige aos presentes e à Nação discorrendo sobre questões grande profundidade política que contribuem para a nossa identidade e unidade nacional. Outra coisaseria um discurso político programático em que o Presidente deve fazer um balanço sobre o Estado da Nação e, como diz também a Constituição, anuncia “as políticas preconizadas para a resolução dos principais assuntos, promoção do bem-estar dos angolanos e desenvolvimento do país”.
4.
Pelo que me apercebi das declarações à comunicação social, somente por uma questão de decoro institucional os deputados da oposição se mantiveram na sala do Parlamento, tendo embora consciência de que estavam a pactuar com uma violação à nossa Constituição. Foi melhor que se tenham mantido, dado simbolismo e a solenidade do acto.
5.
É verdade que o modo de comunicação ao Parlamento e à Nação não está explícito no texto da Constituição, todavia, olhando para o que aconteceu na abertura da última legislatura, o Presidente da República usou o método do discurso directo e não o da entrega de uma mensagem em mão.
6.
Em circunstâncias especiais, podia até ser mais aconselhável o envio de mensagem escrita e lida por alguém, talvez o Presidente do Parlamento. Mas não me parece ter sido o caso, uma vez que o Chefe de Estado esteve presente no Parlamento e, pelo menosaparentemente, está de boa saúde. O seu interesse em não repetir ideias também não me parece suficiente, dado que ele podia optar por abordar outras matérias igualmente importantes para a vida nacional.
7.
Desde o discurso da tomada de posse, ocorreram, sim, inúmerassituações para as quais os cidadãos esperam resposta adequada, quer a nível da nossa vida interna, quer a nível internacional. E mesmo antes, durante o período eleitoral, houve factos ainda não explicados.
8.
Por exemplo, no discurso de tomada de posse, José Eduardo dos Santos deixou em branco inúmeros problemas que afligem o comum dos cidadãos. Um deles é o modo como decorreram as últimas eleições, em que se verificou uma muito elevada taxa abstenção. O país ainda não recebeu qualquer explicação credível – Está tudo mergulhado no campo da especulação. Outra questão é a crescente onda de violência urbana, um tema que pode pôr em causa a paz social e perigar a estabilidade emocional dos cidadãos.
9.
Assim como a abstenção pode conduzir ao desânimo e ao descrédito no processo democrático, a insegurança urbana é sempre geradora de angústia e de incerteza. E, como sabemos, uma elevada incertezadesinibe os bons investimentos.
10.
Ao dirigir-se ao Parlamento, o Presidente da República poderia fazer luz sobre a opção em persistir-se na repressão aos que se manifestam(ou pretendem manifestar-se) contra o actual estado de coisas.
11.
José Eduardo dos Santos, que é também o Chefe do Governo, deve dar ao país uma explicação correcta sobre as constantes debilidades que se verificam no fornecimento de bens e serviços básicos à população. Deve ainda esclarecer sobre o porquê de manter empastas governativas (tanto ao nível central, quanto ao nível provincial), figuras com grande desgaste de imagem, fruto do seupéssimo desempenho.
12.
Os factos atrás assinalados dariam já para ele elaborar uma intervenção pública.
13.
O Estado da Nação envolve também as nossas relações externas, as nossas opções de política externa, algumas das quais redundaram em autêntico fiasco.
14.
Vejo, sim, matéria suficientemente importante para o Chefe de Estado (e Líder do Executivo) se pronunciar perante o Parlamento e, indirectamente, se dirigir à Nação. Mas prefere escusar-se, correndo o risco de incumprir a Lei Magna que jurou cumprir e fazer cumprirnestes próximos 5 anos. Seria mais vantajoso evitar tal deslize. Poderia tê-lo feito, se tivesse sido melhor aconselhado. Mas, não foi.
Sem comentários:
Enviar um comentário