1. Hoje em dia, uma das questões mais em foco é,
seguramente, a do direito à privacidade dos cidadãos posto cada vez mais em
causa pelos serviços de inteligência dos EUA. Isto porque um jovem informático,
de nome Edward Snowden – que em tempos cooperou com os serviços secretos –
resolveu denunciar a magnitude dos programas de vigilância telefónica e electrónica,
da responsabilidade da Agência de Segurança Nacional norte-americana, em curso quer
nos EUA, quer no estrangeiro. Diz-se, agora, que esta acção do jovem
informático destapou uma nova “Caixa de Pandora”.
2. A “Caixa de Pandora” é uma figura da mitologia grega e
retirada da Ilíada de Homero. Segundo
essa mitologia, Pandora teria sido a primeira mulher criada por Zeus, e a Caixa
seria um grande jarro dado a Pandora e que continha todos os males do mundo. A
pedido de Zeus, o deus das artes, Hefesto, fizera uma mulher parecida com os
deuses, personificada numa linda estátua. Da deusa Atena, a estátua recebeu o
sopro da vida. Da deusa Afrodite recebeu a beleza. Do deus Apolo recebeu a voz
suave. De Hermes recebeu o dom da persuasão. Surgiu assim uma mulher cheia de
tudo que, por isso, recebeu o nome de Pandora – aquela que tem todos os dons.
3. Na história de Pandora entram ainda o titã Prometeu e
seu irmão Epimeteu. O titã Prometeu e seu irmão Epimeteu teriam criado os
animais e os homens, dando aos animais os poderes de voar, caçar, a coragem, os
dentes afiados. O homem, por ser o último a ser criado por Prometeu, ficou sem
nada. Assim, Prometeu deu um pouco de cada um desses dons ao homem.
4. Pandora aproximou-se de Epimeteu que, por alerta de
seu irmão Prometeu, não deveria aceitar nada dos deuses. Mas Epimeteu não
resistiu ao encanto e beleza de Pandora que se fizera acompanhar de uma caixa,
como presente de casamento para Epitemeu. Curiosa, e desobedecendo as ordens de
Zeus (seu criador), Pandora decidiu abrir o jarro, libertando, dessa forma,
para o mundo todo o seu conteúdo: a inveja, a discórdia, a guerra, o medo, o
ciúme, com excepção de um único dom – a esperança. Nessa mitologia, a mulher,
personificada por Pandora, fica demasiado penalizada: surge como a causadora de
todas as desgraças da humanidade.
5. Ao denunciar as acções de vigilância dos serviços
secretos norte-americanos, Edward Snowden pôs a descoberto uma nova “Caixa de Pandora”
que se esconde no sistema de espionagem coordenado pela Agência de Segurança
Nacional dos EUA. Ele declarou o seguinte: “A
Agência de Segurança Nacional construiu uma infra-estrutura que lhe permite
interceptar quase tudo. Com essa capacidade, a grande maioria das comunicações
humanas são automaticamente integradas no sistema de forma discricionária. Se
eu quisesse ver os seus emails ou os telefonemas da sua mulher, bastava aceder
a esse registo. Eu posso obter a informação relativa aos seus emails,
palavras-chave, registos telefónicos, cartões de crédito”. Com esse
sistema, a Agência de Segurança Nacional recolhe dados das empresas de telecomunicações
como a Verizon e de gigantes tecnológicos como a Microsoft, Apple, google e
Skype, e ainda as redes sociais como o Facebook.
6. Mais ou menos na mesma altura em que Edward Snowden
fazia tais revelações, os Presidentes dos EUA e da China reuniam-se na
Califórnia com a questão da pirataria cibernética na agenda, com os EUA ao
ataque acusando os chineses dessas práticas que põe em causa a segurança
norte-americana. Ficou, pois, agora, provado que, em matéria de pirataria
informática, nenhum deles é santo. Nem eles nem os outros…
7. O jovem informático, Edward Snowden, justificou a sua
acção nos seguintes termos: “Não quero
viver numa sociedade que faz este tipo de coisas, num mundo onde tudo o que eu
faço e digo é registado”. Ele está, presentemente, refugiado em Hong Kong , território
chinês. Nos dias de hoje, a China é precisamente um dos países mais atacados,
por causa da pirataria informática. Terá, por isso, muita dificuldade em
convencer as autoridades chinesas da bondade da sua acção.
8. Ao destapar a sua “Caixa de Pandora”, Edward Snowden
recolocou sobre a mesa a problemática das sociedades modernas, onde o “Big
Brother” se aperfeiçoa cada vez mais. O “Big Brother”, o “Grande Irmão”, é a
ficção de uma sociedade na qual as pessoas estão sob permanente vigilância das
autoridades, sendo constantemente lembradas pela frase propaganda do Estado: “O Grande Irmão zela por ti”, ou “O Grande Irmão observa-te”. Deve-se ao
livro de George Orwell, intitulado “1984” .
9. Hoje, o “Big Brother” não se personifica apenas na
vigilância por parte dos governos mas, também, por parte das empresas. Uma
invasão da privacidade que se tornou uma necessidade dos tempos modernos.
10.
Com o aumento
e a sofisticação dos actos delituosos, os mecanismos de vigilância sofisticaram-se,
tornando obsoletas algumas normas legais que foram construídas com vista a
garantir a privacidade dos cidadãos. George W. Bush, antigo presidente dos EUA,
apressou-se a violar as 4ª e 5ª Emendas Constitucionais, na sequência dos
atentados de 11 de Setembro de 2001, em homenagem à necessidade de uma luta mais
eficaz contra o terrorismo.
11.
Barack Obama
não tem forma de materializar a sua promessa de alargar o espaço das liberdades
individuais, uma vez que, todos os dias, se confronta com acções terroristas que
põem em risco a vida de muita gente e até mesmo a segurança nacional. E, pelos
dados que chegam ao nosso conhecimento, a sociedade norte-americana parece
preferir, maioritariamente, ceder uma grande parte da sua privacidade, em troca
de uma maior garantia de segurança.
12.
Edward
Snowden ousou destapar a sua “Caixa de Pandora”, mas, segundo vejo, terá muita
dificuldade em parar a expansão do “Big Brother”… Mesmo assim, dá-se-lhe o
mérito de ter reintroduzido a discussão sobre os limites da privacidade num mundo
moderno e cada vez mais perigoso.