FINALMENTE AS AVÓS DA PRAÇA DE MAIO VENCERAM!
- Confesso que ficou
fora do meu alcance, ou seja, longe do meu “radar político” uma parte
substancial do tempo que durou a ditadura militar que governou a Argentina
por cerca de 7 anos, e que foi desencadeada pelo golpe militar do general
Rafael Videla. De facto, eu soube que, na altura, se tinha instalado um
regime militar despótico naquele país latino-americano, tal como sucedera antes
no Brasil. Mas, por me encontrar preso e, anos depois, ter sido deportado e
colocado com residência fixa no Leste de Angola, perdi o essencial, perdi os
pormenores dos acontecimentos naquela parte do mundo. De tempos em tempos,
e até com algum desfoque, lá me iam chegando notícias assustadoras sobre o
comportamento das ditaduras latino-americanas que se haviam instalado por
aquelas paragens.
- A América Latina –
tal, afinal, como África – possui um longo e doloroso historial de regimes
ditatoriais, muitos deles uma consequência imediata das disputas políticas
e ideológicas desencadeadas pela Guerra Fria. Outras, nem tanto. Mas,
mesmo assim, todas elas foram ditaduras, umas mais ferozes que as outras,
e até com diversas tonalidades
político-ideológicas.
- Recordo, por
exemplo, a ditadura de Fulgêncio Batista, em Cuba, que durou cerca de 20
anos, sendo depois seguida pela ditadura dos irmãos Castro e que ainda não
terminou. A ditadura de Batista é praticamente contemporânea da de Rafael
Tujillo na República Dominicana que se estendeu entre 1930 e 1961, até ao
seu assassinato. Mas, também me recordo da ditadura do médico haitiano François
Duvalier, o célebre Papa Doc, baseada no terror dos seus Tontons Macoutes
– a sua guarda pessoal – e alimentada com o recurso ao Vodu, uma religião de
raiz africana que se implantou no Haiti.
- Um dos países
latino-americanos que mais sofreu os efeitos da ditadura foi o Paraguai,
sob o mando do general Alfredo Stroessner, ele que se fez eleger
sucessivamente de 1954 até 1989, quando foi finalmente deposto pelo também
general Andrés Rodriguez.
- As décadas de 1960,
1970. e parte de 1980 foram demasiado marcadas por golpes militares na
América Latina. Entre 1964 e 1985, o Brasil conheceu 5 Presidentes da
República militares e uma Junta Governativa, até à eleição de um Presidente
civil, Tancredo Neves. O golpe militar brasileiro teve lugar com o
afastamento compulsivo do Presidente João Goulart. A ditadura foi um
período negro na história do povo brasileiro. Quando, finalmente, se
iniciou o processo de transição para a democracia, eu encontrava-me em
Abidjan, na Costa do Marfim, e recordo-me da alegria que senti ao imaginar
reanimadas as esperanças dos brasileiros.
- O Uruguai não
escapou à repressão dos militares que se apossaram do poder. Em reacção,
surgiram fortes e aguerridos movimentos oposicionistas, entre os quais os
por demais conhecidos tupamaros.
Se tivesse tempo e espaço disponível, podia ainda falar do Peru, do Chile
de Augusto Pinochet, do Equador, da Bolívia do ditador René Barrientos. Enfim,
esses foram, de facto, anos de chumbo e de muita dor para os povos
latino-americanos. Mas, voltemos à Argentina.
- Quando, finalmente,
voltei a ganhar a liberdade e, com isso, a ter possibilidade de aceder a
mais informação, soube mais detalhes sobre o golpe militar protagonizado
pelo general Raul Rafael Videla e também daquilo que se passou a chamar a
sua “guerra suja”. Ou seja, soube da feroz repressão que se abateu sobre
os seus opositores.
- O protagonismo de Raul
Videla durou até 1981, seguindo-se o general Viola que governou por muito
pouco tempo. A este general seguiu-se o também general Leopoldo Galtieri
que, na ânsia de conseguir apoio popular, invadiu militarmente as Ilhas
Malvinas, em disputa com o governo britânico de Margareth Thatcher. O
poder argentino saiu derrotado e humilhado desta guerra. O general
Galtieri é então substituído pelo general Reynaldo Bignone que,
fragilizado, se vê obrigado a negociar o regresso dos civis ao poder. O
regresso dos civis ao poder dá-se com as eleições ganhas pelo Presidente
Raul Alfonsin, em 1983.
- A ditadura militar
na Argentina, considerada a mais sanguinária da América do Sul, teve um
saldo negativo tremendamente grande: sem deixar rastro, desapareceram cerca
de 30.000 pessoas, muitas delas mulheres, crianças e idosos; milhões de
argentinos tiveram que emigrar, fugindo à repressão – eram, por norma, valiosos
quadros que, juntamente com outros emigrantes fugidos das restantes ditaduras
latino-americanas, demandaram países bastante longínquos para se instalarem
temporária ou definitivamente.
- Muitas organizações
internacionais, entre as quais o Sistema das Nações Unidas, aproveitaram
os serviços desses homens e mulheres escorraçados dos seus países. Conheci
alguns desses refugiados, em número suficiente para puder entender bem o
seu drama e partilhar as suas angústias.
- Os refugiados
latino-americanos que conheci fizeram-me lembrar quadros técnicos
haitianos bastante valiosos que encontrei também como refugiados no Congo-Brazzaville,
quando regressei do Tarrafal. O Congo era o seu país de acolhimento, mas eles
sempre com os olhos virados para o país de onde haviam partido, na
esperança de que a dinâmica da história lhes facilitasse o regresso à casa,
e em liberdade.
- A ditadura militar
que governou a Argentina deixou para a história uma herança bastante
simbólica: “As Mães da Praça de Maio”. “As Mães da Praça de Maio” são um
grupo de mulheres que, a partir de certa altura, passaram a exigir, todas
as quintas-feiras, defronte ao Palácio do Governo, notícias dos seus
filhos desaparecidos durante os anos da ditadura. E foram aos milhares, e sem
deixar rastro. O drama das “Mães da Praça de Maio” fez com que fossem mesmo
galardoadas com o Prémio Sakharov de 1992.
- Mas a ditadura
argentina não se ficou por aí. Ela também desencadeou o sequestro de
crianças, filhos de opositores presos ou mortos que foram entregues para
adopção por famílias de gente ligada ao regime. O paradeiro dessas
crianças permaneceu desconhecido e as suas avós criaram, então, uma
associação a que denominaram “As Avós da Praça de Maio” com a finalidade
de as localizar. Em 2011, essa associação de mulheres recebeu o Prémio da
Paz da UNESCO, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e
Cultura.
- O seu maior prémio
chegou, porém, agora, dia 5 de Julho de 2012, passadas muitas dezenas de
anos, quando um Tribunal de Buenos Aires, na voz da juíza Maria Roqueta,
leu perante uma plateia que enchia todo o recinto do tribunal, a sentença
que condenava os ex-líderes da ditadura, o general Raul Rafael Videla e o
general Reynaldo Bignone, a 50 e a 15 anos de prisão, respectivamente, por
terem urdido um “plano sistemático” de roubo e apropriação de bebés,
filhos de opositores do regime, nascidos na prisão. Foram, pelo menos, 500
os bebés roubados e cujos pais desapareceram engolidos na tormenta da
ditadura.
- Lembrei-me, então,
de muito do que vi, ou ouvi dizer, mesmo aqui entre nós, e de que ainda
não se fala, ou então, de que apenas se sussurra…
- É evidente que a
condenação dos velhos ditadores e dos seus sequazes não restituiu a vida a
quem foi morto, nem permite apagar os efeitos psicológicos de quem foi sua
vítima, mas, ao menos, faz com que passe a mensagem de que nem sempre o
crime compensa e que os criminosos nunca poderão dormir em paz… Porque há
sempre alguém que não esquece…
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