A COMPLEXIDADE DO CONFLITO SÍRIO
- A Síria está,
decididamente, a trilhar pelo pior caminho. É o que se pode deduzir a
partir dos sinais que nos chegam e que apontam para a eminência de um
banho de sangue de consequências imprevisíveis. É provável que o resultado
final seja a morte inglória do Presidente Bashar al-Assad, o ditador que,
há 12 anos, sucedeu a um outro ditador, o seu pai, Hafez al-Assad.
- Grandes manchetes
inundam a comunicação social internacional com pormenores sobre o atentado
de Damasco que vitimou mortalmente o Ministro da Defesa, feriu com
gravidade o Ministro do Interior, matou, igualmente, o Vice-ministro da
Defesa – por sinal, cunhado do Presidente da República – tendo ainda ferido
mais alguns altos responsáveis do sistema de segurança nacional da Síria. Ficou-se
também a saber que o atentado de Damasco foi perpetrado por um elemento da
guarda pessoal de um dos responsáveis presentes nas instalações dos
serviços de segurança nacional, o local da reunião.
- O atentado de
Damasco não é um caso isolado, uma vez que ferozes combates entre rebeldes
e forças leais ao ditador têm já lugar no interior dessa capital,
recorrendo as forças governamentais, inclusive, ao uso de helicópteros com
o intuito de fazer abortar a grande ofensiva rebelde desencadeada, segundo
dizem, para o derrube mais rápido do poder instalado.
- Nos últimos dias,
foram referenciadas inúmeras deserções das forças governamentais. Fala-se
mesmo em cerca de 50.000 o número dos desertores, entre os quais oficiais
superiores, tendo no meio perto de duas dezenas de oficiais generais. Tudo
isso são factos relevantes. Porém, importa também passar para o campo da
análise, pois, senão, perderemos a perspectiva política do conflito. Isso
é que é importante, do meu ponto de vista.
- O pai de Bashar
al-Assad, Hafez al-Assad, governou ditatorialmente o país durante cerca de
30 anos, tendo sido sucedido por Bashar, médico de formação, que está no
poder desde o dia 17 de Julho, portanto, há precisamente 12 anos.
- Se quisermos, de
facto, ter uma melhor percepção do que se passa na Síria, há que começar
pela análise da composição étnica e religiosa da sua população.
- Cerca de 90% da sua
população é muçulmana, e os restantes são maioritariamente cristãos. A
esmagadora maioria dos muçulmanos são do ramo sunita, havendo, também,
alauitas, xiitas e druzos. Os cristãos são ortodoxos ou católicos, seguindo,
porém, o rito oriental.
- A Síria é tida como
um dos berços do cristianismo. O Apóstolo Pedro, seguidor de Jesus, fundou
aí a segunda Igreja Cristã, sendo que a primeira foi fundada, como
sabemos, em Jerusalém.
- Embora minoritários
entre os muçulmanos da Síria, os alauitas dominam o poder político e o
poder militar. São eles que suportam o poder ditatorial de Bashar al-Assad,
tal como fizeram com o seu pai, Hafez al-Assad. Tanto um como o outro, ou
seja, pai e filho, acharam que o melhor seria reprimir em vez de conciliar
os interesses dessas comunidades. Hafez al-Assad optou mesmo pela chamada
política de “terra queimada”, cujo exemplo mais recordado é o famoso
“massacre de Hama”, durante o qual morreram milhares de pessoas
pertencentes à comunidade sunita.
- Há, pois, neste
conflito, uma forte componente sectária de cariz religioso que nunca pode
ser descurada. Portanto, para entendermos melhor o que está por detrás do
actual conflito sírio, nunca descuremos este lado da questão.
- Para além da vertente
interna, devemos ter em atenção a vertente regional, uma vez que a Síria
jogou sempre um papel activo nos conflitos da região em que está inserida.
- A Síria pertence ao
mundo árabe (foi muito remotamente ocupada pelos persas – actual Irão – e
durante cerca de 4 séculos foi uma possessão do Império Otomano). Tem
grande relevância nos destinos do Líbano, com quem faz fronteira, assim
como com a Jordânia, Turquia, Iraque e Israel. No seu seio existe uma
relativamente significativa comunidade curda, daí que o problema do
Curdistão passe também por lá.
- A opção política e
ideológica do pai do actual Presidente, Hafez al-Assad, colocou a Síria na
órbita de Moscovo, o que se mantém até hoje, e explica a persistência do
apoio russo ao ditador Bashar al-Assad. A Rússia é o principal fornecedor
de armas ao seu regime.
- Embora não seja tida
como grande produtor de petróleo a nível mundial, mesmo assim, a Síria
exporta uma pequena quantidade de petróleo para a China. Mas, penso que
não é isso que explica a protecção que a China dá ao regime sírio. Estou
mais inclinado a admitir que a motivação fundamental seja apenas barrar o
aumento da influência ocidental (em especial, a norte-americana) naquela
parte do mundo, mantendo Israel sob tensão.
- Desde há 50 anos que
a Síria vive sob estado de emergência, condição em que ficam suspensas as
principais garantias constitucionais. Foi sob esse manto jurídico que
foram sempre proibidas todas as manifestações públicas contra o governo, e
reprimidos violentamente que ousasse sair às ruas em protesto. Para
justificar tal estado de excepção, utilizou-se sempre o álibi do latente
estado de guerra com Israel.
- Em resumo, a análise
da situação na Síria deverá ser feita sempre a partir desse (e talvez de
outros) conjunto de vertentes. E nunca apenas na perspectiva de um bom de
lado contra um mau do outro lado.
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