1. As tropas da NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte), maioritariamente integradas por soldados norte-americanos, estão a levar a cabo (aparentemente com êxito) uma forte ofensiva sobre Marjah, região situada na província de Helmand, no sul do Afeganistão. O objectivo declarado da ofensiva militar é o de repor sob controlo do Estado afegão uma das áreas que mais tem servido como reserva económica para os rebeldes talibãs. A importância desse território deriva do facto de ser lá onde se produz o ópio e a heroína que geram receitas para financiar a insurgência talibã.
2. A persistência da insurgência talibã só pode ser entendida se a analisarmos numa perspectiva global, ou seja, se não perdermos a noção do conjunto. É que, vermos a árvore e esquecermo-nos da floresta, reduz o ângulo de visão, confundindo a abordagem.
3. Como sucede com outros conflitos que, volta e meia, eclodem em África (ou em outras partes do mundo), esta rebelião armada possui, pelo menos, três elementos que a suportam: goza de algum apoio popular, tem uma retaguarda segura, e, inevitavelmente, é mantida à custa de muito dinheiro. Dificilmente um grupo de guerrilha pode sobreviver sem esses três suportes essenciais. É assim no Afeganistão mas, também, na Serra Leoa, em Angola, ou mesmo na Colômbia.
4. Procuremos, pois, procurar entender melhor o porquê da forte implantação dos rebeldes talibã na região de Marjah, na província afegã de Helmand. Ironicamente, trata-se de uma região antes inóspita, mas que se tornou bastante fértil graças a um projecto de cooperação lançado pelos americanos nos anos 50. Por meio desse projecto, os Estados Unidos construíram canais de irrigação, o que facilitou a fixação de muita população. Os camponeses lançaram-se, então, no cultivo de vastas áreas de papoila, a planta de que se extrai o ópio e a heroína que, depois, são lançados no mercado.
5. A província de Helmand faz fronteira com o Paquistão. A região do Paquistão fronteiriça com Helmand é maioritariamente habitada por povos da etnia pashtum, tal como Helmand. Os barões da droga, por regra são de etnia pashtun e muçulmanos sunitas, daí que transitem sem obstáculos nesse espaço etnicamente comum dos dois países. É esse suporte étnico que permite aos rebeldes talibãs transformar a região num dos seus principais focos, conseguindo desestabilizar tanto o território do Paquistão, como o do Afeganistão.
6. Não é, pois, por um mero acaso que os mais sangrentos atentados de que se ouve hoje falar têm lugar precisamente naquela área do território paquistanês. Sem o envolvimento da população, a guerrilha dificilmente sobreviveria. Para vencerem esta guerra, a NATO e, em especial, os EUA, terão que conquistar alguma simpatia junto da população (por isso, deverão evitar atingi-la). Devem, igualmente, cortar a retaguarda paquistanesa, assim como aniquilar o tráfico de ópio e heroína, que constitui a sua base económica.
7. A Serra Leoa e um pequeno país da África Ocidental que inspirou um filme hoje famoso, quer pelo seu conteúdo, quer por ter tido como protagonista um dos actores mais mediáticos de Hollywood: Leonardo di Caprio. Denominado “Diamante de Sangue”, o filme mostra a estreita relação entre movimentos rebeldes e o tráfico de diamantes.
8. Já há tempos fiz referência, aqui neste espaço, ao modo como a Libéria foi constituída: por subtracção de território à Serra Leoa originária. A fundação da Libéria teve como pano de fundo o erigir de um espaço para acomodar ex-escravos provenientes da América. Na altura, expliquei, também, o fundo de certas motivações, inclusive, as de carácter ideológico e rácico. Tal como a vizinha Libéria, a Serra Leoa reteve também alguns desses escravos libertos. Por imposição britânica. Tal como na Libéria, os ex-escravos transferidos para a Serra Leoa passaram a ocupar os mais altos postos da administração.
9. No início doas anos 90, fruto da corrupção que se arrastava no seio do Governo do presidente serra leonês, Joseph Momoh, reforçada pelos problemas administrativos que eclodiram nas minas de diamantes, iniciou-se uma muito sangrenta guerra civil na Serra Leoa, que durou cerca de 10 anos. O chefe rebelde, Foday Sankoh, fundador da RUF (Frente Unida Revolucionária), beneficiou do apoio do líder da Libéria, Charles Taylor, passando a controlar as províncias de onde se extraem os diamantes.
10. A guerra civil na Serra Leoa foi das mais sangrentas e dramáticas do nosso continente, tendo, inclusive, envolvido inúmeros meninos-soldados. As imagens de homens e mulheres decepados de braços e pernas ainda hoje chocam o mundo e fazem-me pensar sobre os limites da maldade humana.
11. A guerra civil que Angola viveu por vários anos ficou bastante ilustrada pelo grau de destruição que todos conhecemos, assim como pelo envolvimento internacional que a história regista. Foi a exploração artesanal dos diamantes por parte da UNITA que, pelo menos em parte, permitiu manter o conflito por muitos e dolorosos anos. Será, porém, um erro pensar que só o dinheiro seria capaz de fazer tudo. A UNITA beneficiou também de apoio popular, e teve uma retaguarda nos países com quem Angola faz fronteira.
12. O conflito que varre a Colômbia tem na sua origem uma disputa ideológica. Até agora, não consegui descortinar qualquer motivação étnica, como sucede nos anteriores. Tido como um dos mais antigos conflitos da América Latina, ele nasceu (numa primeira fase, entre 1948 e 1964) da disputa entre conservadores, de um lado, e a aliança de liberais e socialistas. Porém, em 1964, e por influência da revolução cubana, temendo a radicalização da revolta camponesa, os liberais mudaram de campo, aliando-se aos conservadores. Surgem, neste contexto, as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), sob o comando de Manuel Muralanda, “Tirofijo”, recentemente falecido.
13. Vejamos, porém, a segunda dimensão. O conflito da Colômbia, tal como os anteriores, é também alimentado pelo tráfico, mais concretamente, pelo tráfico de droga.
14. A terceira dimensão. Diz-se que os rebeldes colombianos gozam do apoio dos camponeses das zonas onde estão implantados, e gozam também do apoio das autoridades venezuelanas, que lhes prestam alguma retaguarda.
15. Felizmente, os conflitos em Angola e na Serra Leoa terminaram. O da Colômbia e o do Afeganistão (que se estendeu para o Paquistão) prosseguem. Cada vez que ouço (ou leio) notícias sobre o seu desenvolvimento, penso, de imediato, no princípio segundo o qual uma solução duradoura passa, necessariamente, pela superação dessas três questões: conquistar o povo, cortar a retaguarda, e esvaziar a base económica que os alimenta. Não realizar essas três dimensões, ou negligenciá-las, é contribuir para que os conflitos se mantenham por muitos mais anos.
2. A persistência da insurgência talibã só pode ser entendida se a analisarmos numa perspectiva global, ou seja, se não perdermos a noção do conjunto. É que, vermos a árvore e esquecermo-nos da floresta, reduz o ângulo de visão, confundindo a abordagem.
3. Como sucede com outros conflitos que, volta e meia, eclodem em África (ou em outras partes do mundo), esta rebelião armada possui, pelo menos, três elementos que a suportam: goza de algum apoio popular, tem uma retaguarda segura, e, inevitavelmente, é mantida à custa de muito dinheiro. Dificilmente um grupo de guerrilha pode sobreviver sem esses três suportes essenciais. É assim no Afeganistão mas, também, na Serra Leoa, em Angola, ou mesmo na Colômbia.
4. Procuremos, pois, procurar entender melhor o porquê da forte implantação dos rebeldes talibã na região de Marjah, na província afegã de Helmand. Ironicamente, trata-se de uma região antes inóspita, mas que se tornou bastante fértil graças a um projecto de cooperação lançado pelos americanos nos anos 50. Por meio desse projecto, os Estados Unidos construíram canais de irrigação, o que facilitou a fixação de muita população. Os camponeses lançaram-se, então, no cultivo de vastas áreas de papoila, a planta de que se extrai o ópio e a heroína que, depois, são lançados no mercado.
5. A província de Helmand faz fronteira com o Paquistão. A região do Paquistão fronteiriça com Helmand é maioritariamente habitada por povos da etnia pashtum, tal como Helmand. Os barões da droga, por regra são de etnia pashtun e muçulmanos sunitas, daí que transitem sem obstáculos nesse espaço etnicamente comum dos dois países. É esse suporte étnico que permite aos rebeldes talibãs transformar a região num dos seus principais focos, conseguindo desestabilizar tanto o território do Paquistão, como o do Afeganistão.
6. Não é, pois, por um mero acaso que os mais sangrentos atentados de que se ouve hoje falar têm lugar precisamente naquela área do território paquistanês. Sem o envolvimento da população, a guerrilha dificilmente sobreviveria. Para vencerem esta guerra, a NATO e, em especial, os EUA, terão que conquistar alguma simpatia junto da população (por isso, deverão evitar atingi-la). Devem, igualmente, cortar a retaguarda paquistanesa, assim como aniquilar o tráfico de ópio e heroína, que constitui a sua base económica.
7. A Serra Leoa e um pequeno país da África Ocidental que inspirou um filme hoje famoso, quer pelo seu conteúdo, quer por ter tido como protagonista um dos actores mais mediáticos de Hollywood: Leonardo di Caprio. Denominado “Diamante de Sangue”, o filme mostra a estreita relação entre movimentos rebeldes e o tráfico de diamantes.
8. Já há tempos fiz referência, aqui neste espaço, ao modo como a Libéria foi constituída: por subtracção de território à Serra Leoa originária. A fundação da Libéria teve como pano de fundo o erigir de um espaço para acomodar ex-escravos provenientes da América. Na altura, expliquei, também, o fundo de certas motivações, inclusive, as de carácter ideológico e rácico. Tal como a vizinha Libéria, a Serra Leoa reteve também alguns desses escravos libertos. Por imposição britânica. Tal como na Libéria, os ex-escravos transferidos para a Serra Leoa passaram a ocupar os mais altos postos da administração.
9. No início doas anos 90, fruto da corrupção que se arrastava no seio do Governo do presidente serra leonês, Joseph Momoh, reforçada pelos problemas administrativos que eclodiram nas minas de diamantes, iniciou-se uma muito sangrenta guerra civil na Serra Leoa, que durou cerca de 10 anos. O chefe rebelde, Foday Sankoh, fundador da RUF (Frente Unida Revolucionária), beneficiou do apoio do líder da Libéria, Charles Taylor, passando a controlar as províncias de onde se extraem os diamantes.
10. A guerra civil na Serra Leoa foi das mais sangrentas e dramáticas do nosso continente, tendo, inclusive, envolvido inúmeros meninos-soldados. As imagens de homens e mulheres decepados de braços e pernas ainda hoje chocam o mundo e fazem-me pensar sobre os limites da maldade humana.
11. A guerra civil que Angola viveu por vários anos ficou bastante ilustrada pelo grau de destruição que todos conhecemos, assim como pelo envolvimento internacional que a história regista. Foi a exploração artesanal dos diamantes por parte da UNITA que, pelo menos em parte, permitiu manter o conflito por muitos e dolorosos anos. Será, porém, um erro pensar que só o dinheiro seria capaz de fazer tudo. A UNITA beneficiou também de apoio popular, e teve uma retaguarda nos países com quem Angola faz fronteira.
12. O conflito que varre a Colômbia tem na sua origem uma disputa ideológica. Até agora, não consegui descortinar qualquer motivação étnica, como sucede nos anteriores. Tido como um dos mais antigos conflitos da América Latina, ele nasceu (numa primeira fase, entre 1948 e 1964) da disputa entre conservadores, de um lado, e a aliança de liberais e socialistas. Porém, em 1964, e por influência da revolução cubana, temendo a radicalização da revolta camponesa, os liberais mudaram de campo, aliando-se aos conservadores. Surgem, neste contexto, as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), sob o comando de Manuel Muralanda, “Tirofijo”, recentemente falecido.
13. Vejamos, porém, a segunda dimensão. O conflito da Colômbia, tal como os anteriores, é também alimentado pelo tráfico, mais concretamente, pelo tráfico de droga.
14. A terceira dimensão. Diz-se que os rebeldes colombianos gozam do apoio dos camponeses das zonas onde estão implantados, e gozam também do apoio das autoridades venezuelanas, que lhes prestam alguma retaguarda.
15. Felizmente, os conflitos em Angola e na Serra Leoa terminaram. O da Colômbia e o do Afeganistão (que se estendeu para o Paquistão) prosseguem. Cada vez que ouço (ou leio) notícias sobre o seu desenvolvimento, penso, de imediato, no princípio segundo o qual uma solução duradoura passa, necessariamente, pela superação dessas três questões: conquistar o povo, cortar a retaguarda, e esvaziar a base económica que os alimenta. Não realizar essas três dimensões, ou negligenciá-las, é contribuir para que os conflitos se mantenham por muitos mais anos.
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