AS PISCINAS DO KILAMBA
- Imagens recentemente
exibidas na Internet mostravam a enorme inundação que a Centralidade do
Kilamba sofreu com a chuvada do dia 22 de Março. Foram imagens chocantes
para todos quantos as viram, mas penso que terão sido mesmo traumáticas
para quem ali investiu parte, ou até a totalidade das suas poupanças, ou para
quem se endividou para dar corpo ao sonho de ter uma casa própria.
- Eu vi as fotos e os
vídeos das autênticas piscinas em que se transformaram os acessos e também
as ruas da Centralidade mais famosa de Angola. De imediato, recordei-me de
alguns pormenores que tornaram muito mediático aquele local.
- Pouco tempo depois
do fim da guerra, foi publicamente apresentada a ideia de se edificar em
todo o território nacional cerca de 40 “novas cidades”. Inclusive, a
Televisão Pública de Angola (TPA) exibiu maquetas de alguns desses
projectos. Nem toda gente se entusiasmou com tal perspectiva, por serem,
essencialmente, constituídas por edifícios de crescimento vertical, o que
foge ao padrão habitacional a que a maioria da população urbana está
habituada e, sobretudo, preparada para usar. Posteriormente, o que seriam
as ditas “novas cidades” passou a denominar-se “novas centralidades”,
talvez por alguma inadequação da primeira designação, fazendo pressupor
uma extinção progressiva das “velhas cidades”.
- As eleições gerais
de 2008 estimularam o aceleramento da construção de tais centralidades, já
porque o MPLA inseriu no seu projecto eleitoral a construção de 1 milhão
de novos habitações, alimentando, assim, o sonho de muitos “desalojados”
ou “mal alojados” que viam, assim, aproximar-se o dia de possuírem uma
casa condigna.
- Em ritmo acelerado,
e beneficiando do empréstimo chinês e da sua disponibilidade de
mão-de-obra, lá surgiram os primeiros edifícios da agora famosa
Centralidade do Kilamba. Paralelamente, institui-se uma nova estrutura
administrativa para a Província de Luanda, com a incorporação, por exemplo,
do município de Catete e o surgimento dos Distritos Urbanos em alguns dos
antigos Municípios. Criou-se, também, a figura do Presidente da
Centralidade do Kilamba.
- O processo de
ocupação da Centralidade do Kilamba tem conhecido múltiplos percalços,
desta a forma de aquisição e pagamento até à famosa “Lista de Eleitos”,
onde surgiam nomes de beneficiários que levantaram a suspeita de se estar
perante uma situação de favorecimento por afinidades políticas, ou por uma
eventual prestação de serviços ao MPLA, aquando das eleições gerais de
2012.
- O Presidente da
República tem usado aquele espaço como uma espécie de montra dos méritos
da sua governação. Os visitantes estrangeiros manifestam publicamente a
sua satisfação. Os órgãos de comunicação social pública fazem gala da
Centralidade do Kilamba, transformando-a quase numa espécie de ex-libris
da nossa cidade e símbolo do progresso de Angola.
- Agora, a chuva do
dia 22 de Março desnudou tudo, mostrando que estamos perante um gigante
com pés de barro que não resiste a qualquer chuva. Ficou evidente que não
se tomaram as medidas adequadas para garantir qualidade de vida a quem
para ali for morar. Houve a preocupação em erigir prédios, mas não se
cuidou devidamente do saneamento básico, do processo de escoamento das
águas pluviais e a frustração abateu-se sobre os seus habitantes e sobre
todos quantos ainda alimentaram a expectativa de encontrar ali o espaço
adequado para a sua vida doméstica.
- Para além de outros
eventuais pontos fracos, a criação de verdadeiras piscinas nas ruas da
Centralidade do Kilamba é uma falha técnica imperdoável e mancha a imagem
pública do Governo. Não há como escamotear esta realidade.
- O investimento do
Kilamba será seguramente pago por, pelo menos, 2 gerações de angolanos.
Possivelmente, uma dessas gerações nem verá a imagem que o Kilamba hoje
apresenta, pois se prevê um rápido processo de degradação, a partir das
fragilidades agora manifestadas.
- A pressa de
apresentar trabalho com fins eleitoralistas pode conduzir a desastres e
perdas financeiras incalculáveis. Por isso, é justo dizer que o Governo
ficou muito mal nesta fotografia…
- Tenho dito que, caso
não se consiga superar o mal, então, os moradores do Kilamba têm que se
prevenir, não comprando carros todo-o-terreno, mas, sim, carros anfíbios,
para puderem chegar aos seus aposentos, depois de um percurso infindável
de muitos quilómetros.
- Quem pensou em fazer
negócio, adquirindo diversos apartamentos para depois arrendar, ou para
posterior venda, também fez mesmo um mau negócio, pois, com a imagem do
dia 22 de Março, o valor real das habitações do Kilamba desmoronou como um
castelo de cartas…
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