quinta-feira, 23 de maio de 2013

O ABISMO FISCAL NORTE-AMERICANO


  1. Nos últimos dias, e a propósito da recente evolução da economia dos EUA, é muitas vezes repetida a expressão “abismo fiscal”, ou então, “precipício orçamental”, em referência ao desajuste nas contas públicas da maior economia do mundo. Pela carga demasiado negativa da expressão, adivinha-se já a eminência de algo muito profundo e mau – a não aprovação atempada do Plano Orçamental dos EUA para o ano de 2013. Com a não aprovação desse Plano Orçamental, pensa-se, naturalmente, no eventual regresso da recessão económica, tal como sucedeu em 2007/2008, que abalou a sociedade e se reflectiu sobre o mundo.

 

  1. A associação da recessão económica com o abalo social de modo algum é um raciocínio precipitado, pois, a estabilidade económica e a paz social também se articulam numa justa medida.

 

  1. A fórmula apresentada pelos democratas é a seguinte: i) pôr fim aos incentivos fiscais implementados há cerca de 10 anos pela Administração Bush; ii) aumentar os impostos que recaem sobre os mais ricos; iii) reduzir determinados gastos que não colidam com o bem-estar dos cidadãos em geral e, em especial, da classe média.

 

  1. Por sua vez, o modelo dos republicanos (que dominam a Câmara dos Representantes) é; i) manutenção das actuais isenções fiscais; ii) não penalização fiscal dos mais ricos; iii) redução da despesa pública, inclusive, com cortes nos gastos sociais. Um dos seus alvos é, precisamente, o sistema de saúde feito aprovar pelo Presidente Barack Obama e, que de algum modo, contribuiu para a sua reeleição. Colocam ainda a questão da não elevação do tecto da dívida pública, conforme solicitação do Presidente, com vista a impulsionar o crescimento da economia.

 

  1. Ao contrário do que muita gente possa pensar, estamos perante uma marcada diferença ideológica entre os dois campos políticos norte-americanos. De um lado, os democratas que acham que o sacrifício para a reposição do equilíbrio orçamental deve ser feito com o forte contributo dos mais ricos – daí que eles devam abdicar de parte dos seus benefícios, e perder algumas das isenções fiscais concedidas por George W. Bush. A ideia dos democratas vai ainda no sentido de expandir o consumo e ser este a estimular o investimento. Os democratas pensam também que o estado tem uma função social, deve preocupar-se com o bem-estar dos mais débeis, não os expondo totalmente aos apetites do sector privado.

 

  1. Os republicanos julgam que, ao manter as isenções fiscais, e ao desagravar os impostos dos mais ricos, estarão a criar as condições para a promoção da poupança e, consequentemente, do investimento. É isso que gerará mais oferta e mais emprego. O seu ponto de honra assenta ainda em debilitar o actual sistema de seguros de saúde (o Medicare), que afirmam ser demasiado proteccionista.

 

  1. O Medicare é o sistema de seguros de saúde gerido pelo governo dos EUA e destinado às pessoas de idade igual ou superior a 65 anos ou que se verifique possuam baixos rendimentos e sejam portadoras de deficiência ou que sofram de doença renal grave.

 

  1. Na sua formulação inicial, o Medicare começou o seu percurso em 1965, ainda na vigência do Presidente Lindon Johnson. O actual Presidente norte-americano, Barack Obama, usou-o como uma das suas bandeiras eleitorais, tendo mesmo conseguido alargar o seu âmbito. Pretende agora reforçar os seus recursos, até ao ano de 2020.

 

  1. A ideia defendida pelos republicanos é a de diminuir a expressão do Medicare: i) o governo deixaria de pagar as contas médicas principais e passaria a dar um bónus para ser usado na compra de cobertura médica particular; ii) no caso do bónus se mostrar insuficiente para cobrir a despesa de saúde do cidadão, então, a solução do problema ficaria pura e simplesmente na mão do cidadão, que estaria, pois, de certa forma, desprotegido. Trata-se de um Medicare alternativo – teoricamente mais em consonância com o dogma liberal do mercado livre.

 

  1. Até ao momento, ainda não se vê uma luz no fundo do túnel… Os dois campos estão a jogar os seus trunfos. Mas, o sinal dado pelo eleitorado em Novembro pode ser aproveitado pelo Presidente Obama que viu aprovado o essencial das suas propostas.

 

  1. O esticar a corda pelos republicanos pode mesmo vir a penalizá-los em eleições futuras, recaindo sobre os seus ombros o ónus de uma eventual crise económica que venha a emergir nos próximos tempos.

Sem comentários:

Enviar um comentário