A RAÇA NOS JOGOS OLÍMPICOS
- Há poucos
anos, mais concretamente em 2008, um professor brasileiro chegado recentemente
a Angola, manifestou junto de mim a sua enorme estupefacção pelo facto de
os negros em Angola beberem regularmente água, como o fazem os brancos.
Coube-me, pois, o direito de me surpreender, dado que nunca tinha
imaginado alguém a associar o consumo de água a um qualquer grupo racial.
Devo dizer-vos que o professor brasileiro era negro.
- Passados os
poucos segundos que reservei para alguma reflexão, resolvi pedi que ele me
explicasse o porquê (ou os porquês) da sua surpresa. Mas, antes de o
deixar falar, tomei a dianteira, para lhe dizer que, para mim, o acto de
beber água, quer para os negros, quer para os brancos, não passava de dar
satisfação a uma normal necessidade fisiológica.
- A
justificação que ele, então, me deu foi, no mínimo, caricata: i) um afro-descendente
não precisava de beber água, devido às suas características fisiológicas
que ele achava serem distintas nos afro-descendentes e nos brancos; ii)
Como era a primeira vez que ele pisava solo africano, tivera então a
possibilidade de verificar que havia diferença de comportamento entre os
afro-descendentes e os negros africanos; iii) e que tudo isso sucedia
porque os afro-descendentes provinham dos negros que haviam sido levados,
no tráfico negreiro, entre a África e o continente americano. Por isso, eram
os mais fortes, eram os que se mostraram mais resistentes às adversidades
desse tráfico.
- E passou a
descrever a sua tese. Segundo ele, no decurso do transporte dos escravos
saídos de África e idos para o então chamado Novo Mundo (incluindo,
portanto, o Brasil), em várias ocasiões, no alto mar, faltaram mantimentos
dentro das embarcações, ficando nas mãos dos chefes das embarcações a possibilidade
de tomarem decisões sobre como reduzir o efectivo de pessoas a bordo: i) a
primeira opção era, naturalmente, lançar para o mar os mais frágeis e os
doentes (os que, teoricamente, teriam menos probabilidades de sobreviver);
ii) caso prosseguisse a penúria de mantimentos, a repartição do pouco que
houvesse era feita de um modo desigual: privilegiavam-se os tripulantes
brancos, deixando para os negros o pouco que restasse; iii) em situação de
extrema carência, a opção era parar de fornecer água e outros mantimentos
aos poucos negros que ainda estivessem nos navios.
- Os negros
sobreviventes de uma tão longa e tão penosa caminhada eram, sem sombra de dúvidas,
os mais fortes, os mais saudáveis, os que possuíam extraordinárias
capacitados para consentir sacrifícios. Após um último processo de
selecção, já em terra, eram então escolhidos os que iam trabalhar, e
trabalhar duro, nas plantações de algodão, de cana-de-açúcar ou, talvez,
nas minas.
- Terão sido
esses povos negros que deram origem a actual diáspora negra no Novo Mundo:
os afro-americanos, os afro-caribenhos, os afro-latino-americanos, os
afro-canadenses. Seriam, pois, na opinião do académico brasileiro,
portadores de uma herança genética bastante rica. Eram, geralmente, gente
pujante, gente resistente.
- Eu não tenho
dúvidas de que sobreviveram os mais fortes. Não tenho também dúvidas que o
tráfico negreiro provocou uma sangria de homens e mulheres africanos que
começaram por morrer no processo da apanha do escravo; na sua caminhada
para a costa; no seu acantonamento na costa até à chegada das embarcações
que os levariam; durante a travessia do Oceano Atlântico; na caminhada já
dentro do continente americano; depois, finalmente, nas plantações.
- Mas, segundo
também sei, os negros africanos foram transportados para variadas partes
do mundo. Diz-se que, entre 1500 e 1900, foram cerca de 4 milhões os
negros escravizados transportados para as ilhas no Oceano Índico; cerca de
8 milhões os enviados para os países da área mediterrânica;
aproximadamente 11 milhões os que sobreviveram a travessia até ao Novo
Mundo. Em 4 séculos de tráfico negreiro, a África foi subtraída e perto de
100 milhões de homens e mulheres e, grande parte deles, morreu antes de
chegar ao destino. Um desses destinos foi, naturalmente, o Brasil.
- Embora fosse
relativamente baixo e pouco corpulento, o professor brasileiro dizia-se
descendente desses negros africanos que sobreviveram às piores peripécias
e aos mais dramáticos episódios.
- A teoria que
ele me apresentou é engenhosa mas… esquisita. E ainda acrescentou mais um
quesito à sua teoria: em média, a compleição física dos negros norte-americanos
é maior, se os compararmos aos negros africanos. Respondi-lhe, dizendo que
vi em países da África Ocidental por onde passei, verdadeiros gigantes,
quer homens, quer mulheres negros: “autênticas torres” e “autênticos armários”.
E ele contra atacou, com a afirmação de que, mesmo assim, os
afro-descendentes são, geralmente, os maiores praticantes do boxe, os
velocistas mais rápidos, os grandes saltadores de barreiras, os
basquetebolistas mais dotados, etc.
- É verdade
que, nos últimos anos, durante os torneios olímpicos, se assiste a uma
preponderância dos afro-descendentes em determinadas modalidades desportivas:
os norte-americanos, os jamaicanos, os afro-descendentes das Bahamas, de
Trinidad e Tobaco, todos da diáspora negra americana. Não é possível ficar
indiferente ao seu brilho, à extraordinária performance desses atletas.
Mas, não será que esses campeões beneficiam do facto de viverem em países
com melhores condições de saúde, de alimentação e até mesmo de treinamento?
Seria bom analisar-se as condições gerais de vida nos países citados.
- Como
explicar, a seguir, o facto de os negros africanos com origem no Quénia, na
Etiópia, na Somália ou no Uganda apresentarem um potencial reconhecido
para as provas de atletismo de fundo e meio-fundo? E porquê ainda que os
seus rivais são geralmente marroquinos e argelinos? Como, então, explicar
este último fenómeno, se eles não são descendentes dos escravos que
cruzaram o Oceano Atlântico?
- A teoria
defendida pelo professor brasileiro cai logo por terra, se nos lembrarmos
que os competidores dos afro-descendentes do continente americano nos
torneios olímpicos são, muitos deles, também afro-descendentes, mas de
nacionalidade francesa, britânica e até mesmo de outros países europeus. Que
eu saiba, estes afro-descendentes não são filhos dos escravos transportados
nos navios negreiros.
- Será, mesmo
assim, justo dizer que existe uma maior propensão de determinados grupos
raciais para certas disciplinas desportivas? É que já vemos hoje, e cada
vez mais, negros, brancos, chineses, japoneses e australianos a disputarem
medalhas olímpicas em modalidades como salto em altura ou salto com vara,
lançamento de peso e de dardo, salto em comprimento, etc. Este resultado
aconselha-nos, pois, a ir à busca de outras explicações, talvez mais
lógicas e consistentes.
- Justificar
um fenómeno social, como o desporto, a partir da raça pode conduzir-nos a
caminhos ínvios, ou até mesmo, fazer-nos desaguar no racismo.
- A ciência
admite diferenças físicas mínimas entre os seres humanos, fruto, talvez,
do processo de adaptação ao meio. O mesmo sucede no restante meio animal e
até no vegetal. Mas isso não permite o estabelecimento de escalões, indo
ao ponto de se definir superioridades ou inferioridades em função da raça.
- Ao longo da
História, houve mesmo quem tenha usado as diferenças biológicas para
justificar certas práticas discriminatórias. Houve até quem tenha colocado
questões como o carácter e a inteligência para justificar uma
hierarquização entre os seres humanos. São exemplo a escravidão e até
mesmo certos genocídios. Recordo que foi o racismo contra os negros e os
índios que justificou a escravidão dos primeiros e o confinamento dos
segundos em reservas nas Américas. Serviu, igualmente, para sustentar as
teses do Apartheid na África do Sul.
- A análise
dos fenómenos sociais a partir das raças pode conduzir a um certo
darwinismo social. O ensaio do Conde de Gobineau sobre a desigualdade das
raças humanas, ou os escritos do inglês Houston S. Chamberlain, ou ainda as
teses de Alfred Rosemberg serviram de muleta ao nazismo, com base na ideia
da superioridade da raça ariana, identificada com o povo alemão.
- Como reacção
à abolição da escravatura, nos EUA, o Ku Klux Klan usou a teoria da
superioridade branca para justificar os seus assassinatos. A ideia da raça
desenvolveu-se também em grupos negros na América, apelando a uma suposta
supremacia da raça negra, como o fizeram os mentores do movimento “Black
Power” e a “Nação do Islão”.
- Por isso,
sou levado a concluir que a raça apenas serve pouco, ou mesmo até não
serve nada, para justificar determinados fenómenos sociais. Para esses, há,
pois, que encontrar teorias mais consistentes.
A ciência diz que raça é um conceito taxonômico que embora válido em outras espécies, não pode ser aplicada a humanos. Como o senhor mesmo cita no seu texto a Ciência afirma que as diferenças físicas entre os seres humanos são mínimas. Assim, do ponto de vista biológico, raças humanas não existem. O termo tem um significado cultural e político o que pode ativar alguns preconceitos.
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