- Há dias, escrevi um
artigo, para uma revista, baseado num tema similar a este, debruçando-me, essencialmente,
sobre a questão da seca que devasta muitas plantações de cereais no Centro-Oeste
dos EUA. Quis, pois, alertar para as repercussões internacionais dessa
seca, dado que os EUA são os maiores produtores mundiais de cereais, e que
alguns desses cereais têm uma participação muito importante em diversos
ramos económicos. Volto agora, neste texto, ao fenómeno da seca, mas centrando-me
na Rússia, um dos maiores produtores mundiais de trigo.
- Para um não
economista e, sobretudo, para quem não tenha sensibilidade para as
questões agro-pecuárias, uma notícia sobre a ocorrência de altas
temperaturas num dado país (ou numa região do mundo), talvez não diga
nada. Poderá mesmo parecer um quadro simpático, o ambiente mais apropriado
para o veraneio, para o gozo de uns bons dias de férias. Porém, para um
economista como eu, que até possuo alguma sensibilidade para o mundo da
agro-pecuária, o excesso de calor acrescido a uma redução muito acentuada no
nível das chuvas, faz disparar todas as sirenes que se alojam no meu
cérebro.
- À semelhança do
território do Centro-Oeste dos EUA, alguns países europeus e,
particularmente, a Rússia, estão a viver um período de profunda estiagem.
E, como é típico destas ocasiões, surgem as sempre incómodas pragas de
gafanhotos que são capazes de, num ápice, arrasar as plantações.
- Ao ler a notícia
sobre as pragas de gafanhotos que assolam as plantações do sul da Rússia,
recordei-me de uma praga de gafanhotos que vi arrasar o pouco do verde que
se havia formado à volta do Tarrafal, depois de, por alguns dias, terem
caído do céu algumas gotas de água. O Arquipélago de Cabo Verde conhecia,
então, uma das maiores, das mais prolongadas e das mais devastadoras secas
da sua história.
- Pouco mais de vinte
anos antes, Cabo Verde sofrera também uma seca bastante severa que causou
milhares de mortos e que promoveu um dos seus maiores êxodos populacionais
com destinos variados, entre os quais São Tomé e Príncipe e Angola. Muitos
dos cabo-verdianos, ou seus descendentes que vivem em Angola são
precisamente um fruto desse êxodo. Foi, porém, o final da seca de década
de 1940 que, certamente, inspirou o lindo poema de Amílcar Cabral,
“Regresso”, que aqui reproduzo na íntegra:
Mamãe Velha, venha ouvir comigo
O bater da chuva lá no seu portão.
É um bater amigo
Que vibra dentro do meu coração
A chuva amiga, Mamãe Velha, a chuva
Que há tanto tempo não batia assim…
Ouvi dizer que a Cidade Velha
- a ilha toda –
Em poucos dias
já virou jardim…
Dizem que o campo se cobriu
de verde
Da cor mais bela porque é a
cor da esp’rança
Que a terra,
agora, é mesmo Cabo Verde
- É a tempestade que virou
bonança…
Venha comigo, Mamãe Velha, venha
Recobre a força e chegue-se ao portão
A chuva amiga
já falou mantenha
E bater
dentro do meu coração!
- Mas, voltemos à
Rússia. A área do seu territótio mais afectada pela seca é agora, nem mais
nem menos, que a província de Ulianosvsk, situada no centro da parte
europeia da Rússia, a terra onde nasceu Vladimir Ilitch Ulianov (Lenine),
o pai da Revolução Bolchevique.
- Segundo se diz, a actual
estiagem na Rússia já terá prejudicado a safra de trigo em cerca de 23%,
se comparada com a safra do ano anterior, tendo, por isso, feito disparar
os preços. Esta estiagem, associada a dos EUA e de outros países europeus,
provocou uma forte redução nos stocks, quer do milho, quer do trigo.
- É evidente que tal
fenómeno irá ter profundas implicações ao nível mundial, ao ponto de outros
países produtores e exportadores de cereais estarem a aproveitar a má
colheita nos EUA, na Rússia e em outros países da União Europeia, para
aumentarem os preços destes bens e dos bens que com eles se articulam como,
por exemplo, as carnes.
- Com as frequentes repetições
de períodos de carestia de bens alimentares, não hesito em recordar aqui a
teoria do economista inglês Thomas Malthus, para quem o Mundo atingiria um
ponto de rotura entre o crescimento populacional e o crescimento das
subsistências, em especial, dos alimentos.
- Para Thomas Malthus,
haveria também uma relação directa entre a fecundidade e o rendimento das
famílias. Dizia ele que, se a pobreza fosse reduzida, as pessoas teriam
mais filhos, e o crescimento dos meios de subsistência não poderia
acompanhar o aumento da população. Qual então a via para controlar o
crescimento da população? Aumentar as taxas de mortalidade, seja pela
miséria, seja pelas epidemias, seja ainda pelas guerras.
- Malthus nunca
aprovou o expediente da redução da taxa de fecundidade, pois isso, dizia
ele, implicaria o recurso aos contraceptivos e ao aborto seguro. Esse pastor
anglicano opunha-se ao uso desses recursos, porque os casais deviam
procriar seguindo o princípio bíblico do “crescei e multiplicai-vos”.
- Mas, Thomas
Malthus foi contrariado pela tecnologia que promoveu um aumento extraordinário
dos meios de subsistência. Foi, também, contrariado pela aplicação de outros
métodos de controlo do crescimento populacional: ou pelo controlo
autoritário da natalidade – como sucede, por exemplo, na China, que impõe
que um casal possa apenas ter um filho – ou ainda por uma via mais
democrática – que se socorre de estímulos ao controlo da natalidade.
- A carência
de alimentos e alta dos seus preços são problemas sérios para a maioria
dos países. Podem mesmo estimular convulsões sociais, como tem sucedido um
pouco por todo o lado. Mas a carência de alimentos e a alta dos seus
preços, de forma alguma são a razão profunda de ser das revoluções que
actualmente se espalham, por exemplo, pelo mundo árabe, como alguns
analistas querem fazer crer. Elas funcionam tão-somente como o fósforo que
incendeia toda a floresta. O problema não está, pois, no fósforo. Temos,
sim, que ver qual o estado da floresta… Em suma: A razão de ser dessas
revoluções está na lógica dos seus regimes, que são, claramente,
ditaduras.
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