- O Dr. Marcolino
Moco, autor do livro que me cabe agora apresentar, possui um portal
denominado “À MESA DO CAFÉ”, no qual, com alguma regularidade, vai colocando
ideias sobre questões que mais prendem a sua atenção. Como ele próprio diz
na introdução a este texto, a sua primeira tentação foi a de elaborar apenas
mais um dos seus comentários. Porém, o facto ocorrido no dia 3 de Setembro
de 2011, quando um grupo de jovens pacíficos decidiu manifestar-se
publicamente, pareceu-lhe merecer mais do que um simples comentário, pois
a “ousadia” dos jovens manifestantes traduziu-se num balanço muito
negativo, com presos, feridos e mesmo alguns desaparecidos. Depois de
muita expectativa e de um julgamento mal conduzido, em primeira instância,
o Tribunal Supremo decidiu enviar os jovens em liberdade.
- Esse episódio – que,
inesperadamente, se transformou num marco na luta pública e pacífica pela
democracia – consolidou na sua mente a ideia de que, afinal, tudo quanto
se passa de essencial na vida pública e na vida política do nosso
país decorre, geralmente, da “natureza
do regime político que o actual Presidente em funções imprimiu a partir de
meados dos anos noventa, a coberto da guerra pós eleitoral…”.[1]
- Marcolino Moço
preferiu, então, abandonar a ideia de fazer uma abordagem meramente
factual, casuística e que seria, por isso, bastante redutora, passando, assim,
e de imediato, a questionar a natureza do regime em vigor, que designa
como “todo um sistema perverso
gerador desses eventos nefastos”.[2]
- O seu ânimo
discursivo, numa autópsia antecipada ao actual regime, foi estimulado ainda
por outros actos de repressão que se seguiram ao facto do dia 3 de
Setembro de 2011 como, por exemplo, “a
exoneração à moda antiga”[3]
da então Ministra da Energia, ela que foi sacrificada no “purgatório de políticas de «cavalos
brancos»” [4]fazendo-a passar pela
grande responsável pela falta de energia e água de que padece grande parte
da nossa população. Reeditou-se, assim, um método que se tornou habitual e
que consiste em exonerar todas as responsabilidades do círculo presidencial,
passando-as, na íntegra, para a esfera dos ministros, feitos publicamente
bodes expiatórios.
- Neste momento em que,
em muitos países democráticos, se assiste a uma verdadeira onda de
contestação popular contra certas políticas governamentais que limitam os
direitos adquiridos pelos cidadãos, ou mesmo a favor da instalação de
democracias, ali onde elas não existem, Marcolino Moco optou por dissecar
peça por peça, músculo por músculo, vaso por vaso, o corpo de um regime
que ele bem conhece, pois fez dele parte, tendo mesmo ocupado cargos de
enorme relevância, seja ao nível partidário (chegou a Secretário Geral do
MPLA), seja ao nível governamental (foi Primeiro Ministro do governo saído
da eleições de 1992). Representou ainda o nosso Estado, enquanto primeiro
Secretário Executivo da CPLP – a Comunidade dos Estados de Língua
Portuguesa.
- A sua experiência
internacional e a possibilidade que passou a ter de olhar o mundo e o país
a partir de fora, deram-lhe esta capacidade que agora aqui demonstra de
perceber os pontos fracos do actual regime, assim como a sua relutância em
entender quão antiquados são os métodos que utiliza para conter a
crescente onda de contestação social que se vive hoje em Angola.
- Entendo
perfeitamente por que razão o Dr. Marcolino Moco escolheu esta forma de
intervenção pública. É que, assim, ele pode mais facilmente jogar um papel
conciliador e agregador de diversas vontades de mudança que se manifestam
na nossa sociedade, pois teme uma eventual introdução de factores de
ruptura que possam funcionar como elementos desestabilizadores da paz
social que é imperioso manter e consolidar. Contudo, tal não o inibe de
apontar o seu bisturi analítico para o alvo certeiro, para o tecido
cancerígeno, para a parte do nosso corpo político do qual irradiam as
metástases que contaminam o conjunto da nossa sociedade.
- Marcolino Moco teve
também o cuidado de explicar o porquê do título atribuído ao seu trabalho
“Angola: a terceira alternativa”.
Diz que se inspirou numa obra de Stephen R. Covey, que propõe uma nova
abordagem para a solução dos problemas do mundo actual. Teve, assim, o
cuidado de explicar que não pretende desenhar sozinho uma típica “terceira via” mas, sim, pôr o
acento tónico em aspectos essenciais do presente regime político. É,
afinal, a essência e a substância deste regime que é importante analisar.
Estende a sua análise crítica ao conjunto do sistema político, bem como ao
papel dos diversos intervenientes sociais.
- Parte dizendo que urge,
desde já, abandonar em definitivo a actual concepção personalizada do
poder. De seguida, enumera um esboço de Agenda Nacional, assente em dez
vertentes, servindo de método da Terceira Alternativa:
i)
O respeito pelos
direitos humanos fundamentais, colocando a dignidade humana acima de todos os
valores. E para ilustrar essa ideia busca uma frase em umbundo, a sua língua
materna: “Omanu vakola. Omuenyo ukola”.
Ou seja: “Sagradas são as pessoas.
Sagrada é a vida”. Isto é: “Sagrado
não é o dinheiro nem mesmo o poder”.[5]
ii)
Governar é servir
e não servir-se. Aqui apela a uma verdadeira mudança de mentalidades, mais até
do que a introdução de formalismos constitucionais ou legais.
iii)
Angola é uma
unidade na diversidade. Não vale, pois, a pena taparmos o sol com a peneira,
disfarçando, por exemplo, o carácter étnico-regional de alguns dos nossos
conflitos. Uma questão que tem de deixar de ser tabu.
iv)
É urgente a
despartidarização do Estado-Nação
v)
A necessidade de
eliminar fantasmas e enterrá-los juntamente com todos os outros “cadáveres psicológicos”. Com tais
fantasmas e “cadáveres psicológicos”
desencorajaram-se diversas gerações de jovens de assumirem as suas
responsabilidades e amedrontaram-se outros, inclusive, mais velhos, criando-se
uma cultura de medo.
vi)
O respeito ao
princípio republicano da alternância na ocupação de altos cargos de natureza
pessoal, especialmente a nível da chefia de Estado e de governo.
vii)
Uma
descentralização e desconcentração efectiva do poder, numa alusão ao poder
autárquico que, felizmente, faz parte da agenda política dos próximos tempos.
Contudo, os seus contornos ainda não estão definidos, não se sabendo, por isso,
que impacto terá na vida futura do nosso país.
viii)
O fim pacífico da
espoliação dos recursos nacionais e regionais por uma minoria. Esta é uma
verdade inelutável, indisfarçável e fonte de contestação crescente. Poderá
mesmo constituir-se em fonte de conflitos de consequências inimagináveis, por
enquanto.
ix)
A libertação e
democratização dos meios de comunicação social. Uma matéria que desmente os
discursos falaciosos que se vão ouvindo e que mostra a real cultura política
antidemocrática dos actuais detentores do poder.
x)
O regresso ao
respeito do princípio de separação formal dos poderes de soberania, com
especial realce para independência formal e efectiva do poder judicial.
- Logo no início da
obra, o autor faz uma ligeira abordagem sobre “os porquês” da
instabilidade que se instalou no nosso país, depois da queda do governo
fascista de Salazar e Caetano. E aponta alguns dos eixos dessa
instabilidade, como sendo: a Guerra-Fria; a irracionalidade do sistema
colonial que se recusou, no devido tempo, ouvir e atender os sucessivos
apelos para o diálogo lançados por líderes nacionalistas; a existência de
3 movimentos de libertação nacional com raízes sócio-antropológicas
diferentes e que se mostraram incapazes de “amadurecer consensos na defesa do interesse nacional”; também a
desconfiança dos 3 movimentos de libertação em relação à “componente branca”, o que terá
contribuído para o seu êxodo, com as consequências socio-económicas que depois
se viram.[6]
- De seguida,
Marcolino Moco passa à análise da situação actual e dos perigos para o
futuro, se tudo se mantiver como está agora. Desvenda o carácter perverso
da actual Constituição, feita à medida da vontade de José Eduardo dos
Santos concentrar todo o poder real nas suas mãos, provocando, como ele
diz, a “anemia das restantes
instituições”.[7]
- A instrumentalização
de algumas organizações civis, o uso abusivo do erário público para o
enriquecimento rápido e ilícito de um conjunto restrito de subservientes,
a subversão dos princípios reitores do Estado de Direito Democrático, não
escapam à sua análise.
- Tudo isso é, afinal,
conseguido à custa de uma estrutura que apelida de iníqua e que “apresenta todos os condimentos
necessários para a curto ou longo prazo se criar uma situação idêntica a
que se vivia ou se vive em países e Estados em situação revolucionária
hoje e ontem”. E passa a descrição desses elementos estruturais.
- Com algum pormenor,
aponta o papel dos jovens no processo de mudança e passa, de seguida, à
enumeração do papel das diversas instituições e agentes sociais e
políticos na criação de uma sociedade pacífica e de progresso social: o
papel do Presidente da República em funções; o papel do MPLA; o dos
partidos de oposição; a sua visão sobre o papel das chamadas elites; a
autoridade moral das igrejas, intelectuais e mais velhos; a comunidade
internacional; a sociedade civil.
- Na parte final do
livro, temos, então, o desenvolvimento da ideia daquilo que ele decidiu
chamar “A Terceira Alternativa”, consubstanciada numa Agenda Nacional
esquematicamente referida antes. São aqueles 10 eixos (ou vertentes) que
já enumerei.
- Antes de terminar, gostaria
de esmiuçar um pouco mais a ideia subjacente ao título escolhido.
- Segundo Marcolino
Moco, tudo aponta para o falhanço da Primeira Alternativa. A Primeira
Alternativa é esta que está em curso e que “tem sido geradora de conflitos insanáveis”. É a que “se sustenta no uso da soberania
nacional por quem detém o poder, não importa sobre que base, de o suster a
qualquer preço e sem ter que apresentar grandes justificações, para fazer
dele o que entender, dentro das possibilidades que os adversários
políticos permitem”. E depois acrescenta: “”Uma alternativa baseada em filosofias maquiavélicas, hobbianas e
evolucionistas sociais, que encarnam o ser humano como um animal
irracional em cujo reino vencerá o mais forte e dos restos seja “o que
Deus (deles) quiser””. Nesta Primeira Alternativa, “os políticos, especialmente os
estadistas usam sem limites o dinheiro para vigiar, intimidar ou torturar
e matar – se necessário – os seus concidadãos, em quem não confiam, vendo
em cada um deles um inimigo, já para não falar dos seus reais ou
imaginários adversários políticos”. Eles ouvem apenas o que entendem
ser-lhes favorável e deleitam-se “com
manifestações a seu favor, investindo, porém, contra qualquer tipo de
manifestação legítima e legal de quem deles tem necessidade efectiva”.[8]
- Para Marcolino Moco,
o que presentemente se esboça em Angola é uma espécie de Segunda
Alternativa, não mais do que uma mera reacção às excentricidades e abusos
dos crentes e militantes da Primeira Alternativa. Diz mesmo que é uma
alternativa revolucionária no pior sentido, do tipo “estes tipos não mudam, só à pancada”, ou
então “olho por olho, dente por
dente”, a destruição total da herança do anterior regime, para se “reconstruir tudo depois”.[9]
- A emergência da Segunda
Alternativa seria, pois, uma consequência do carácter irredutível da
Primeira Alternativa, de que, recentemente, a Líbia é um exemplo. A
frustração, a saturação e a raiva geradas e concentradas pela Primeira
Alternativa despoletam a Segunda Alternativa, dando lugar à substituição
de um mal por outro mal, com a prevalência da lógica do “agora chegou a minha vez”. Em
resumo, crê que, por essa via, a violência e a destruição ainda são
possíveis.
- A Terceira
Alternativa, aquela que o autor defende, e de que eu também partilho em
grande medida, assenta nos pressupostos de que o homem evolui tanto
biologicamente como socialmente, cabendo a nós, pois, confiarmos na razão
humana e na sua capacidade de retirar bons ensinamentos do passado. “A evolução social deve ser conseguida
através de um balanceamento de interesses e da cooperação entre os seres
humanos”.[10]Nega,
pois, os pressupostos em que se baseia tanto a Primeira como a Segunda
Alternativas.
- Para o autor, a
construção da Terceira Alternativa pode ser feita apelando a vários
protagonistas alternativos ou cumulativamente, reservando ainda um
eventual papel para o actual Presidente da República, não obstante os seus
longos 33 anos de poder. Diz, porém, Marcolino Moco que ele já não tem
nada a perder e sim, muito a ganhar. Para a Terceira Alternativa, também deve
contar-se com os partidos políticos, com as autoridades morais da
sociedade, com apoio da comunidade internacional, etc.
- “Angola: a Terceira
Alternativa”, escrito por Marcolino Moco, é uma reflexão pessoal de um
homem experiente, honesto e determinado. Aconselho-vos, pois, a lerem este
verdadeiro Manifesto Político. Muito Obrigado!
[1] Marcolino Moco – “Angola:
A Terceira Alternativa” – pag. 9
[2] Marcolino Moco – “Angola:
A Terceira Alternativa” – pag. 10
[3] Marcolino Moco – “Angola:
A Terceira Alternativa” – pag. 10
[4] Marcolino Moco – “Angola:
A Terceira Alternativa” – pag. 10
[5] Marcolino Moco – “Angola:
A Terceira Alternativa” – pag. 70
[6] Marcolino Moco – “Angola:
A Terceira Alternativa” – pag. 15
[7] Marcolino Moco – “Angola:
A Terceira Alternativa” – pag. 17
[8] Marcolino Moco – “Angola:
A Terceira Alternativa” – pag. 65
[9] Marcolino Moco – “Angola:
A Terceira Alternativa” – pag. 66
[10] Marcolino Moco – “Angola:
A Terceira Alternativa” – pag. 67
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