sexta-feira, 30 de março de 2012

OS EXTREMISTAS NÃO TÊM COR NEM CREDO


Durante cerca de dois dias, parte da opinião
pública mundial esteve suspensa a acompanhar a evolução do cerco policial
montado em torno da residência onde se encontrava sitiado Mohammed Merah,
o suspeito do assassínio de três crianças e um professor numa escola
judaica na cidade francesa de Toulouse. A curiosidade era ainda maior, já
porque se afirmava ser ele também o autor dos disparos que, dias antes, haviam
tirado a vida a três militares franceses, na pequena localidade de
Montauban, perto de Toulouse. Por coincidência, os soldados franceses mortos,
tal como o assassino, eram muçulmanos de origem magrebina.

Enquanto não foram divulgados dados mais
pormenorizados sobre os dois acontecimentos, pensei tratar-se de crimes
cometidos por um qualquer maníaco de extrema-direita, tal como Anders
Breivik, o agora chamado “maníaco de Oslo” que, no dia 22 de Julho de
2011, matara indiscriminadamente dezenas de jovens na ilha norueguesa de Utoya.

Sobre Anders Breivik já se sabe o suficiente para
se traçar o seu perfil psicológico: conservador cultural, xenófobo, ultra
nacionalista, anti-islâmico, anti-semita, racista e anti-feminista. Enfim,
trata-se de um homem de um outro tempo, porém, a viver no mundo actual…
Pretendia-se, pois conhecer mais sobre a personalidade e as reais
motivações de Mohammed Merah. Veio então a saber-se que era um cidadão
francês de origem magrebina, muçulmano e afiliado à rede terrorista
Al-Qaeda.

Mohammed Merah seleccionara afinal, previamente, os
soldados que se tornaram suas vítimas. Quer dizer que ele sabia que estava
a matar muçulmanos como ele. Escolhera também a dedo a escola judaica
sobre a qual descarregou o seu ódio. E mais: que filmara com uma câmara ao
pescoço todas as suas acções criminosas. Era um jovem matador de judeus,
de crianças, de muçulmanos, franceses tal como ele. Ao matar soldados
franceses, queria vingar o envolvimento da França na luta no Afeganistão.
Ao assassinar crianças judias, queria vingar as crianças muçulmanas
vítimas das acções punitivas de Israel.

Na Europa, hoje prolifera uma onda de anti-semitismo
protagonizada por grupos neonazis, que vandalizam túmulos nesses
cemitérios segregados. A cruz suástica vai aparecendo também pintada nas
paredes e em outros locais, na autoria desses mesmos vândalos.

Mas, é bom que se diga que, sendo o autor dos
disparos um cristão da direita europeia ou um muçulmano, ele é sempre um extremista,
constituindo, por esse facto, um verdadeiro perigo para a sociedade. Pelo
que, e devido à forte resistência armada que opôs à prisão, e pelos
disparos que fez contra os que o sitiavam, o abate de Mohammed Merah pelas
forças policiais franceses é perfeitamente justificável.

Tudo isso aconteceu em plena campanha eleitoral
para a presidência de França. Daí que o actual presidente, Nicolas
Sarkozy, tenha sido muito rápido a reagir e até de um modo algo
imprevisto. Sarkozy propôs então a punição de quem consulte os “sites” que
“defendam o terrorismo ou apelem ao ódio e à violência”. Afirmou também
que se deverá penalizar quem viaje para o estrangeiro para receber “doutrinação
em ideologias ligadas ao terrorismo”. Essas são duas afirmações capazes de
gerar conflitos legais de vária ordem.

Penalizar alguém por fazer uma simples consulta, parece-me
altamente questionável. Uma simples consulta a um “site” não significa
necessariamente adesão à causa defendida no “site”. A mera curiosidade
pode fazer com que qualquer cidadão aceda a um “site” que apele ao ódio e
á violência. Pode até acontecer que alguém aceda, se informe e, depois,
assuma uma posição contrária, por discordar da proposta. Porque conhecer é
uma coisa – aderir é outra. Não vejo, pois, como poderá a justiça francesa
julgar e condenar alguém apenas por ter manifestado curiosidade.

Já a penalização por se viajar para o estrangeiro
para receber “doutrinação em ideologias ligadas ao terrorismo” é mais
concebível. Porém, os serviços secretos terão que ser capazes de escrutinar
todos os passos do suspeito, acompanhar as suas movimentações para,
depois, colocá-lo perante a justiça.

Seria muito fácil incriminar Mohammed Merah. Sabe-se,
por exemplo, que esteve em áreas de combate na zona fronteiriça entre o
Paquistão e o Afeganistão, onde recebeu doutrinação e treinamento militar.
Voltou já como membro da Al-Qaeda.

O jovem Mohammed Merah, de 23 anos de idade, que
cometeu os crimes assinalados é um adepto dos salafistas, uma variante
radical do islamismo sunita – um dos dois ramos principais do Islão. Os
salafistas defendem uma interpretação restrita e literal do Corão e a
aplicação integral da “Sharia”, a Lei Islâmica. O que quer dizer que
radicais há-os em todo o lado e professando qualquer religião. Compete,
pois, às sociedades que se querem modernas tomar todas as medidas que
permitam reduzir o espaço de actuação dos extremistas, vigiando-os ao
máximo e minimizando as razões que os fazem enfurecer.