terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A ÁFRICA DO SUL E AS OPORTUNIDADES QUE SE ABREM

1. O Chefe de Estado angolano, José Eduardo dos Santos, realizou neste mês de Dezembro a sua primeira visita de Estado à África do Sul, tendo despertado uma expectativa que, pelo menos em parte, se viu correspondida.

2. Pouco antes do início da visita, e no decorrer da mesma, políticos, técnicos, e até populares teceram diversos pronunciamentos a propósito. Reparei que a generalidade das pessoas tendeu para manifestar esperança de ver melhoradas as relações entre os nossos dois países, tanto no domínio económico, como no domínio político. Quase todos foram também expressando o desejo de ver mais facilitado o acesso dos cidadãos de cada um dos Estados ao Estado parceiro, numa base de reciprocidade. Não dei conta de alguém se ter pronunciado em sentido contrário, o que demonstra crescente maturidade e, sobretudo, uma perfeita percepção dos interesses que estão em causa.

3. Escutei, porém, algumas opiniões, no mínimo, estranhas como, por exemplo, a de alguém que afirmou que as autoridades sul-africanas estariam a ser ingratas, ao não expressarem, publicamente, gratidão pelo papel que Angola jogou no combate ao regime do apartheid. Que eu saiba, qualquer um dos dois anteriores Chefes de Estado sul-africanos jamais manifestou tal lapso de memória… Na realidade, eles não fizeram dessa questão um tema recorrente nos seus discursos oficiais, o que faz perfeito sentido, dado que há também outras questões importantes a abordar e em busca de soluções.

4. Sobretudo os nossos empresários falaram muito da necessidade do incremento das trocas comerciais, dos investimentos recíprocos, da transferência de tecnologia e, claro, da melhoria na circulação das pessoas. Todos reconheceram o prestígio político e a potência da economia sul-africana, destacando o seu peso no contexto da nossa sub-região austral. É, sobretudo, a última questão que merece agora a nossa atenção, uma vez que a competitividade entre os países se mede pelo que eles são capazes de criar e vender.

5. Para podermos avaliar a importância da África do Sul, comecemos, pois, por dar uma olhada para o seu Produto Interno Bruto. Com base nesse indicador, a economia sul-africana ocupa a 26ª posição na economia do mundo, sendo bem distribuída por sectores, o que lhe garante equilíbrio e sustentabilidade. Por exemplo, a agricultura sul-africana participa com cerca de 4% na formação do PIB, a indústria concorre com 31%, e os restantes 65% são da responsabilidade do sector comercial.

6. A sua relativamente forte base industrial pode ser analisada a partir do seguinte dado: mais de ¼ do total da força-de-trabalho está empregue em actividades de carácter industrial, com o sector agrícola a empregar apenas 9% dessa força-de-trabalho. A estrutura do emprego contrasta fortemente com a imagem característica da maioria dos países africanos, tendencialmente mono produtores, muito mergulhados numa agricultura de quase subsistência, e com o grosso da força-de-trabalho disponível dedicada a actividades comerciais informais.

7. A tendência para a mono produção em certos países africanos, tem sido muito estimulada pela procura crescente de produtos de origem mineral. Isso tem criado enormes distorções económicas, desviando a atenção e o seu cuidado de outras actividades, com implicações negativas de carácter social e político. Muito da instabilidade social e política que a África hoje vive decorre, pelo menos em parte, dessa circunstância.

8. Uma das pessoas que se pronunciou publicamente sobre as vantagens de se melhorar as relações económicas com a África do Sul, o empresário Carlos Cunha, realçou, por exemplo, a importância do sector agro-pecuário, no qual os sul-africanos detêm tecnologia própria e chegam a obter rendimentos médios por hectare bastante assinaláveis, mesmo ao nível dos países mais avançados. Tais bons proveitos derivam da existência do clima moderado, da fertilidade dos solos e das tecnologias adaptadas ao meio.

9. O empresário Carlos Cunha recordou, então, que os zootécnicos daquele país criaram, por exemplo, uma raça bovina tipicamente sul-africana, o bonsmara, um boi bastante resistente, adaptado a pastagens pobres e a temperaturas elevadas. É já a raça de corte mais disseminada na África do Sul. Resultou do cruzamento do gado africâner (em 5/8) com o gado britânico (hereford e shorthorn, em 3/8), e alia a rusticidade do gado africâner à alta produtividade do gado europeu. Possui elevada taxa de conversão alimentar, muito bom rendimento da carcaça e precocidade sexual.

10. O bonsmara está já disseminado um pouco por todo o mundo, pois está a ser criado em países tão distantes como o Brasil – o segundo país com maior efectivo desse gado – Austrália, Canadá, Estados Unidos, Argentina, Paraguai, Colômbia, Namíbia e Zimbabwe. No início deste mês de Dezembro, durante um encontro de criadores brasileiros dessa espécie bovina, em São Paulo, no Brasil, foi divulgado o resultado da primeira avaliação genética internacional do bonsmara. O bonsmara também já franqueou as nossas fronteiras e o efectivo tem tendência para o crescimento.

11. Tal como Angola, a África do Sul possui assinaláveis concentrações de produtos minerais. É rica em ouro e diamantes, mas, igualmente, em urânio, platina, crómio, manganês, ferro, vanádio, antimónio e titânio. Possui ainda enormes concentrações de carvão, um produto que é seguramente responsável pela maior parte da produção de energia desse país, e que motivou uma forte e já antiga corrente migratória a partir dos países vizinhos. Moçambique, por exemplo, depende muito das remessas dos seus emigrantes que trabalham nas minas de carvão sul-africanas.

12. Eu sou um grande apreciador de reportagens sobre as belezas da natureza. Por isso, não dispenso documentários sobre os parques de animais selvagens que a África em geral ainda possui, e de que a África do Sul, juntamente com o Quénia serão, talvez, os expoentes máximos. O Parque Nacional Kruger, situado na África do Sul, é considerado das maiores reservas de mamíferos do mundo, possuindo os tradicionais “big five”: leões, leopardos, elefantes, rinocerontes e búfalos. Estas e outras belezas naturais potenciam o turismo sul-africano, que se transformou numa das principais fontes de receita do país. Temos, pois, a aprender muito com esse país, nesse domínio, e em outros que vale a pena pesquisar.

13. A perspectiva aberta com a vista de Estado de José Eduardo dos Santos à África do Sul não pode ser menosprezada, sob pena de perdermos oportunidades que outros, talvez mais expeditos, seguramente não desperdiçarão.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

PARA COMPREENDER MELHOR A COSTA DO MARFIM

1. A minha memória regista uma interessante imagem de 1984, o ano em que conheci a Costa do Marfim, quando fui frequentar um curso sobre Análise e Gestão de Projectos patrocinado pelo Banco Africano de Desenvolvimento, e destinada a quadros superiores de vários países africanos. Conto em poucas palavras.

2. Um dia, ao regressarmos ao hotel, o Hotel Sebroko, situado nos arredores de Abidjan, depois das aulas, deparámo-nos com um camião acidentado na estrada. Chama-nos de imediato a atenção não só a aparatosa imagem do acidente mas, também, o ar de profundo desalento do motorista. De entre nós, alguém inquiriu, então, o motorista do nosso autocarro sobre o porquê do estado de alma do homem do camião. A resposta saiu sem dificuldade, e foi dada nos seguintes termos: “Na Costa do Marfim, quem danifica um bem público comete um crime que é severamente punido! Esse motorista já sabe o que o espera – seguramente, vai para a prisão!”. A resposta colocou os angolanos da comitiva, a olharmos uns para os outros, num misto de espanto e curiosidade…

3. Na altura, antes, e mesmo ainda mais tarde, em Luanda, quem partisse um carro do Estado era “premiado”, quase de imediato, com um outro carro. Aqui entre nós, o infractor geralmente não sofria quaisquer consequências.

4. Estávamos, pois, na época da impunidade, uma impunidade que fazia parte do nosso quotidiano. Os bens do Estado eram sistematicamente maltratados, usados com descuido e sem respeito. Por detrás desse comportamento estava a ideia de que, sendo bens do povo, e sendo o povo uma figura incorpórea e abstracta, não havia autoridade moral para se punir.

5. Um outro facto ainda despertou a minha curiosidade, na Costa do Marfim: o modo como as crianças das escolas do ensino de base trajavam. As crianças vestiam de forma elegante e bem cuidada – fossem eles rapazes, fossem elas raparigas. Isso evidenciava a preocupação das autoridades para com a educação e o ensino. Mostrava também que o orçamento para a educação tinha carácter prioritário e era gasto de modo correcto e eficaz. O ensino de base era o espelho.

6. Guardo ainda na memória a imagem da liberdade com que se circulava em frente à Grande Maison do Presidente Félix Houphouët-Boigny, em Yamoussoukro, a cidade que tinha sido no ano anterior elevada à categoria de capital política do país. Yamoussoukro deixara para Abidjan o título de capital económica e comercial. Em Yamoussoukro era permitido fotografar a Grande Maison, assim como os crocodilos do lago artificial situado mesmo junto ao Palácio.

7. Tenho mais outras memórias agradáveis daquele país. Por vezes, conto-as aos meus amigos. Talvez um dia me decida a trazê-las para o papel, para as partilhar com mais gente… Será também uma forma de as rememorar.

8. A Costa do Marfim foi um país próspero e organizado, mas, agora, caiu na desordem social e na confusão política. Já é uma má referência para o nosso continente.

9. Na Costa do Marfim, percebi facilmente o porquê de aquele país se ter transformado num pólo de atracção para as populações dos países limítrofes. Cerca de 1/3 dos seus habitantes provinham do Mali, do Burkina Faso, do Ghana, da Libéria ou da Guiné-Conacry. Os africanos das redondezas buscavam lá, sobretudo, trabalho. Alguns eram refugiados políticos que vinham fugidos de países onde campeava a intolerância. Por isso, para uns o país era um bom porto de abrigo, já que tinha uma economia muito próspera; para outros, não obstante vigorasse um regime de partido único, havia, ainda assim, alguma segurança e, sobretudo, paz.

10. A Costa do Marfim era o maior exportador mundial de cacau, o terceiro maior exportador de café, um grande exportador de madeira, também de óleo de palma, algodão, copra, abacaxi, banana, açúcar, etc. Tinha um bom sistema financeiro e sentia-se que a classe média estava em expansão. Contudo, nas actividades directamente ligadas à produção, quer agrícola, quer industrial, era notória uma forte dependência da força-de-trabalho estrangeira. O comércio era dominado por originários da Ásia, em especial, por libaneses.


11. Ouvi dizer que o Presidente Félix Houphouët-Boigny achava que o pior que poderia acontecer à Costa do Marfim seria lançar-se também na exploração petrolífera, porque o petróleo mataria as restantes actividades económicas, muito em especial, a agricultura e a indústria transformadora. Tinha como referência o que aconteceu com a Nigéria que, de país agrícola, um verdadeiro celeiro agrícola, passara a país importador de alimentos. Era isto que fazia com que o Presidente Félix Houphouët-Boigny estimulasse os jovens quadros cedendo-lhes terra e criando facilidades de créditos para a produção agrícola. Nesse sentido ele era, pois, um visionário.

12. Félix Houphouët-Boigny governou em regime de partido único desde a independência, em 1960, até ao ano de 1990. Depois abriu o país ao multipartidarismo e ganhou as eleições de 1990. Morreu em Dezembro de 1993. Com a sua morte, o castelo de cartas desmoronou.

13. O sucessor de Félix Houphouët-Boigny, Henri Konan Bedié aguentou-se no poder até 1999, quando foi derrubado por meio de um golpe militar comandado pelo general Robert Gueï que, por sua vez, foi assassinado. Seguiu-se Laurent Gbagbo, em 2000, e a guerra civil, e a separação, na prática, entre o norte, muçulmano, e o sul, cristão ou animista.

14. O norte, a área por excelência virada para a produção agrícola, é a zona de maior influência do ex-primeiro-ministro Alassane Ouattara, declarado vencedor do recente pleito eleitoral pela Comissão Eleitoral Independente. Aqui começa, pois, o problema que se arrasta até ao presente momento.

15. A guerra civil entre o norte e o sul teve como detonador uma lei que Laurent Gbagbo fez aprovar, aparentemente para impedir a eleição dos estrangeiros. Perante essa lei, Alassane Ouattara seria considerado estrangeiro, pois é filho de mãe burkinabe – mesmo que o pai seja marfinense.

16. Assim, Laurent Gbagbo retirava do caminho o seu adversário mais temido. Limitava também os direitos a outros milhões de marfinenses que são o fruto das migrações. Fez ainda tábua rasa do contributo desses homens e mulheres que ajudaram a Costa do Marfim a criar a riqueza de que tanto se orgulhou no passado...

17. Laurent Gbagbo não quis perceber que os Estados que hoje temos resultam de múltiplos processos de transformação; que, inclusive, muitas das etnias que agora se reivindicam de autóctones, são originárias de outras paragens – dos fenómenos migratórios que foram uma constante no nosso continente. Ele não conseguiu compreender que a própria história da humanidade está toda ela assente sobre as migrações.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

UMA SIMPLES QUESTÃO DE LÓGICA E DE VISÃO

1. Portugal, um dos países com quem temos relações mais estreitas, está nesta altura a atravessar uma profunda crise, que começou por ser económica, mas vai assumindo crescentes contornos sociais e mesmo políticos. A prazo, a crise portuguesa pode até provocar a queda do actual governo minoritário do Partido Socialista (PS). Se tal suceder, convocar-se-ão de eleições legislativas antecipadas, ou então formar-se-á um governo de iniciativa presidencial. Qualquer um destas soluções só pode ser viabilizada após as eleições presidenciais de Janeiro de 2011.

2. Há alguns anos, devido à relutância de alguns países europeus ocidentais em apoiar a Guerra do Iraque, o então Presidente norte-americano, George W. Bush, dividiu a Europa em dois grupos: à Europa Ocidental chamou “Velha Europa”; aos países europeus situados mais a Leste, denominou “Nova Europa”. Com tal dicotomia, o Presidente George W. Bush certamente quis dizer que havia uma Europa envelhecida, virada para o passado, muito pouco dinâmica, e uma Europa emergente, mais virada para o futuro – por coincidência, a constituída pelos países mais propensos a apoiar a sua proposta belicista.

3. Os países da “Velha Europa”, inseridos na União Europeia, são também os que vão sofrendo mais os impactos da crise económica e financeira mundial. Os da dita “Nova Europa” têm resistido mais, talvez porque a sua mais recente integração na União Europeia imponha menos obrigações. Além de que são receptadores líquidos de ajuda.

4. Grécia, Irlanda, Portugal são os que vivem as dificuldades económicas e financeiras mais profundas. Todos têm problemas de liquidez e estão a aplicar políticas restritivas para o seu reequilíbrio macroeconómico. Possuem uma enorme dívida pública; as economias não estão a crescer; não conseguem gerar suficientes novos empregos; e o acesso ao crédito internacional está a ser cada vez mais difícil e é mais caro. A sua actual situação económica é tão grave que os juros da dívida pública estão a atingir níveis proibitivos. Por isso, decidiram aplicar medidas de contenção dos gastos públicos, bem como aumentar o volume das receitas para reduzir o “gap”. Trata-se de um exercício de resultados imprevisíveis, podendo vir mesmo a redundar na contracção do nível da actividade económica.

5. As medidas de consolidação orçamental – congelamento dos salários, aumento dos impostos, abandono (ou redefinição) de alguns projectos económicos – forçam os cidadãos a apertar o cinto... Medidas que são bem vistas por muito poucos, e que são odiadas pela maioria.

6. Os partidos políticos da oposição em Portugal estão a utilizar o momento de grande fragilidade da economia para esgrimir argumentos contra o governo do PS e, sobretudo, contra o Primeiro-Ministro, José Sócrates. O governo e o Primeiro-Ministro vivem, seguramente, o seu momento mais difícil. Estão encaixados numa espécie de camisa de sete varas. Quaisquer movimentos que façam, picam-se…

7. O congelamento dos salários, o encarecimento dos preços e a subida de alguns impostos apoquentam a classe média e as classes mais desfavorecidas. O aumento da carga fiscal sobre as empresas desagrada os patrões, que vêem isso como uma perspectiva de redução dos lucros e também diminuída a sua capacidade de investimento – Sem investir, não podem criar mais empregos. Por sua vez, o abandono (ou o redimensionamento) de projectos quebra expectativas. Enfim, o governo português meteu a mão no ninho de marimbondos…, e está agora a ser ferrado por todos os lados…

8. Há grande descontentamento popular. Evolui uma onda grevista. As duas centrais sindicais do país estimulam as paralisações, e a economia portuguesa fica ainda mais fragilizada, e afasta-se para mais longe a hipótese de auto-regeneração.

9. Possivelmente, só haja uma solução: pedir auxílio à União Europeia (através do Fundo Europeu de Estabilização), e ao FMI (o Fundo Monetário Internacional). Foi isso o que fez o governo grego e o governo irlandês.

10. O governo português joga o tudo por tudo para evitar o pacote de ajuda internacional. A maioria dos analistas já não acredita que Portugal possa evitar tal solução. Estima-se que a ajuda venha a atingir o equivalente a 20% do PIB.

11. A ajuda internacional aos países em crise impõe condicionalismos. Muitos dos condicionalismos poderão até ser mais gravosos do que as medidas restritivas que estão agora a ser tomadas – o que parece ser a parte amarga da fruta que vem sob a forma de injecção massiva de dinheiro. Quem ajuda tem pelo menos dois objectivos: i) receber mais dinheiro do que o montante cedido; ii) ver realizadas as acções preconizadas.

12. O recurso ao auxílio estrangeiro é, para alguns, uma beliscadura na dignidade nacional, uma ferida na honra… Estamos perante um orgulho patriótico à maneira antiga, mas que é contraditório com o acelerado curso do processo de globalização. Corre ainda em sentido contrário ao processo de integração de que a Europa é campeã e tida como a maior referência mundial. Há também quem veja as coisas de outro modo: os que adivinham ainda maiores dificuldades, mesmo que temporárias.

13. O apoio financeiro não se resume à injecção de dinheiro para se ajustarem as contas, ele vem acompanhado de regras e envolvido em pressupostos: seguramente, novos impostos, novos cortes salariais, novas tesouradas na protecção social, redução dos benefícios fiscais para determinados escalões, ainda maior desprotecção da economia interna, etc.

14. Aproximam-se, pois, dias difíceis para Portugal e os seus parceiros de desdita. A principal potência económica europeia, a Alemanha, olha-os, certamente, com os olhos de um felino, pronto a entrar num galinheiro… Cheira-lhe a repasto…

15. O mau momento que Portugal agora vive não deixará de ter repercussões em Angola, já porque somos parceiro histórico e privilegiado.

16. Quando estávamos em guerra, muitos jovens angolanos procuraram Portugal, em busca de oportunidades. Portugal soube retirar proveito desse afluxo de mão-de-obra barata. A situação inverteu-se. Será que nós saberemos aproveitar bem a actual disponibilidade de força-de-trabalho que Portugal nos oferece? Será uma questão de lógica e de visão.

ADEUS, LENA MARIA, CAMARADA!

1. Há poucos anos, o meu velho companheiro de luta, Adolfo Maria, escreveu algumas palavras para o jornal português, “Público”, referindo o facto de a morte da Doutora Julieta Gandra não ter merecido sequer uma linha na imprensa portuguesa. Rui Araújo, actual Provedor do Leitor de Portugal, chama a esse esquecimento “uma desmemória (para não dizer outra coisa…)”.

2. As razões que levaram o Adolfo Maria a “protestar” contra tal “esquecimento”, prendem-se com o facto de a Doutora Julieta Gandra ter sido uma figura marcante no percurso da nossa luta de libertação nacional, juntamente com o Arquitecto António Veloso e o Engenheiro Calazans Duarte, cidadãos portugueses, tal como ela.

3. A Doutora Julieta Gandra, e os seus compatriotas, envolveram-se de tal modo no nosso processo político que foram presos, julgados, condenados e enviados para cumprir pena em Portugal, quando os seus companheiros angolanos do famoso “Processo dos 50” foram “penar” no Tarrafal, em Cabo Verde. Estávamos no início da luta de libertação nacional. Portanto, a Doutora Julieta Gandra pertenceu ao primeiro grande processo político do nacionalismo angolano moderno, pelo que é parte da nossa memória e da nossa história. Sobre ela disse ainda o Adolfo Maria: “Portou-se com coragem e dignidade, quer durante os interrogatórios da PIDE, quer nas cadeias a cumprir pena”. Em 1964, foi considerada pela Amnistia Internacional a Presa do Ano.

4. O meu velho companheiro Adolfo Maria, com quem falei ao telefone, há dias, em Lisboa, está de luto, porque acaba de perder a sua companheira de uma vida inteira – a Helena Maria, ela também nossa velha companheira.

5. Em Lisboa, o Engenheiro Simão Cacete informou-me que a Lena Maria estava em estado crítico, com um cancro no cérebro. Liguei de imediato para o Adolfo procurando informar-me sobre o estado de saúde da Lena, também sobre o ânimo do Adolfo, perante a triste e difícil conjuntura. Informei-me, também, sobre o percurso dos dois filhos do casal, o Mário Jorge e a Tonica. Na ocasião, foi a conversa possível com o meu velho companheiro de luta Adolfo Maria.

6. Infelizmente, não pude falar com a Lena Maria, pois ela estava hospitalizada, a convalescer da operação. Foi uma pena, porque já não falava com a Lena Maria desde que fui preso pela DISA, no longínquo ano de 1976, logo após a independência. Quer isso dizer que a memória que me resta da Lena Maria tem a idade de quase 35 anos.

7. Ainda bem que não vi a Lena Maria doente, possivelmente muito derreada, com rugas e olhar triste, voltada para as memórias do passado, consciente de que estava próximo o fim de um percurso de vida pleno de emoções, umas boas, outras más. A Lena Maria, nossa companheira de luta, conviveu com os momentos talvez mais marcantes da nossa luta de libertação.

8. A Lena Maria era portuguesa de nacionalidade, mas assumiu plenamente o projecto da nossa libertação nacional, ao lado do Adolfo. Fê-lo com alma, com o querer da mais profunda angolanidade. Fugiram de Portugal na juventude, quando a luta também dava os seus primeiros passos. Depois, atravessaram com os nossos companheiros os êxitos, os recuos, as vitórias, as derrotas, tudo quando foi acontecendo ao longo de 14 longos anos. A Lena Maria é, pois, uma peça integrante da nossa luta de libertação – faz parte dela, tal como a Doutora Julieta Gandra.

9. Conheci a Lena Maria no Congo-Brazzaville – estávamos, então, em dissidência com a direcção do Presidente Neto. Eu vinha de uma longa estadia na cadeia do Tarrafal. Ela de uma longa proximidade com a luta e com os dirigentes históricos da nossa luta.

10. A Lena Maria foi uma militante abnegada e uma mulher extraordinária, que nunca recuou perante as dificuldades. Atravessou as adversidades sempre com o sorriso de quem pretende apenas suavizar a dor… Conviveu com e viu desaparecer o Viriato da Cruz, o Matias Miguéis, o Hoji ya Henda, o Américo Boavida, a Deolinda Rodrigues, a Engrácia, a Irene Cohen, os comandantes gloriosos da nossa epopeia libertadora, o povo que serviu de sustentáculo e barreira sólida para a nossa vitória. A ela também devemos a nossa vitória.

11. A Lena Maria esteve lado a lado com o Gentil Viana, Mário de Andrade, Joaquim Pinto de Andrade, Maria do Céu Carmo Reis, Hugo de Menezes, Eduardo Macedo dos Santos, Amélia Mingas, Jota Carmelino, e outros, antes e depois na Revolta Activa.

12. Vencemos juntos o colonialismo mais anacrónico que a história conheceu. Com o nosso esforço, contribuímos para duas vitórias: a do povo angolano pela sua independência, e a do povo português, que assim se viu livre do fascismo, prestando um valioso serviço à humanidade.

13. A mulher do Adolfo Maria, a nossa querida companheira de luta, Lena Maria (que nem teve uma nota de rodapé a anunciar a sua morte), envolveu-se na nossa luta para servir o nosso povo, nunca para se servir do nosso povo.

14. Dissidentes, passámos juntos as dificuldades e as vicissitudes da dissidência. Até que sobreveio, novamente, a prisão. No dia 13 de Abril de 1976, iniciou o processo de encarceramento de alguns dos mais temidos membros da Revolta Activa (pelo menos, era essa a percepção do regime). O poder instituído decidiu que o melhor lugar para nós era a prisão – não tínhamos direito à independência, muito menos à liberdade.

15. A DISA começou a caça ao homem. Prendeu o Gentil Viana, prendeu a mim e aos meus dois irmãos (Vicente e Merciano), encarcerou o Fernando Paiva, Manuel Videira, Brooks de Sousa e Santos, Rafael Goddinho, António Capita, Luís Lukamba Vinge, os irmãos António Menezes e Talangongo Totoy Monteiro, e mais outros dissidentes. Buscaram o Adolfo Maria, também para o prenderem. Mas, o Adolfo Maria sentiu-lhes o cheiro e “mergulhou” na clandestinidade. Esteve “mergulhado” por um período de três anos.

16. O “mergulho” do Adolfo Maria foi o mais espectacular que a nossa história moderna conheceu. O Adolfo “mergulhou” em plena cidade de Luanda. Nas barbas da DISA, com os esbirros à sua procura, para o juntarem a nós, no “cangaço”, nos calabouços. E nós sem sabermos o que lhe tinha acontecido. Receávamos que tivesse sido apanhado e, depois, morto…

17. No “cangaço”, na cadeia, o Gentil Viana, nosso companheiro de muitas cumplicidades, mantinha uma olímpica serenidade. Nunca nos disse que o Adolfo sobrevivera à razia… Guardava essa informação a sete chaves… Depois, viemos a saber que o Gentil, o Joaquim e a Lena Maria eram os únicos que sabiam do “mergulho” e conheciam o local do “mergulho” do Adolfo. O Adolfo Maria, frágil fisicamente como parecia, portou-se como um verdadeiro tubarão…

18. E a Lena Maria sempre a fazer de conta… Para despistar os esbirros… Ia à DISA perguntar pelo paradeiro do marido. De lágrimas nos olhos, com ar de viúva inconsolada... Continuava a ir trabalhar. Que, volta e meia, chorava… Que toda a gente a via como a viúva que nem tinha tido a oportunidade de receber o corpo do marido, “assassinado” pelos seus próprios camaradas.

19. Passados três anos, o Adolfo Maria emergiu do seu longo “mergulho”. Emergiu tuberculoso, com uma longa barba, a ver mal… Saiu da clandestinidade, depois de um contacto que o Joaquim Pinto de Andrade estabeleceu, de boa-fé, com o Presidente Neto. Mas o Presidente Neto expulsou para Portugal o nosso antigo companheiro de luta, o Adolfo Maria, como se ele fosse cidadão estrangeiro, como se fosse algo incómodo à nossa terra finalmente libertada.

20. A DISA colocou o Adolfo Maria num avião, e fê-lo partir da sua pátria – Angola – pela qual tinha lutado. Um nacionalista angolano, branco, partiu para Portugal, de onde saíra quase 20 anos antes, entregando-se integralmente à luta de libertação. Este é um facto que ainda hoje me choca. É algo que não consigo entender, à luz dos valores e princípios que defendíamos na altura. Foi uma grande ingratidão. Não tem qualquer reparação possível, porque a vida só se vive uma vez.

21. O meu velho companheiro, Adolfo Maria, perdeu agora o outro lado da sua vida, a Lena Maria. E todos nós perdemos uma companheira de enorme mérito e grande valia. Nos alicerces desta pátria está, também, bem firme, o seu humilde tijolo. Adeus, Lena Maria, camarada! Paz à tua alma!

DOIS FACTOS MARCANTES

1. No dia 15 deste mês de Novembro, na habitual análise aos jornais que faço aos microfones da Rádio Ecclésia, elegi dois temas como os mais marcantes da semana anterior: A comemoração dos 35 anos da nossa independência, e a libertação, no dia 13, de Aung San Suu Kyi – a activista dos direitos humanos e também líder da oposição democrática na Birmânia.

2. Sobre os 35 anos de Angola independente, já muito se disse e escreveu. Falaram ou escreveram analistas, políticos, e o povo em geral também abordou o assunto nas suas diversas vertentes e nas mais variadas dimensões. Houve mesmo quem não tenha deixado de aproveitar a ocasião para capitalizar em proveito próprio, ou dos seus pares, o mérito da data. Cheguei, inclusive, a constatar tentativas de transformar cidadãos “vulgares” em “heróis”, mistificando assim, propositadamente, a nossa história. Mas houve também gente honesta que soube reconhecer o papel desempenhado pela vasta plêiade de protagonistas que engrossou as fileiras e dignificou a luta de libertação nacional.

3. O país que hoje temos é, pois, tributário do esforço dessas gerações de angolanos, muitos dos quais se manterão no anonimato para todo o sempre. Foi, em especial, para esses heróis anónimos que eu dirigi o meu pensamento no dia 11 de Novembro: os que nunca tiveram direito a uma campa, mesmo rasa, muito menos uma lápide a recordar o seu nome, a data do seu nascimento, ou o dia em partiram para lá da história... Heróis de verdade, heróis sem maquilhagem.

4. A segunda questão que elegi, a libertação de Aung San Suu Kyi, seguramente não terá prendido muito a atenção dos que me ouviram, já porque tudo se passou muito longe, demasiado distante das nossas fronteiras. Porém, atribuí ao facto um grande simbolismo. Vou, pois, aprofundar um pouco mais esta questão.

5. Finalmente, foi posta em liberdade uma mulher que viveu 15 dos últimos 20 anos em prisão domiciliária, fruto da sua luta pela liberdade e pela democracia. Ela, sim, é uma heroína de carne e osso, uma pessoa determinada e destemida que fez da liberdade do seu povo a principal motivação da sua vida. Trago, pois, o seu nome para o nosso convívio, para que a conheçamos melhor, a si e ao seu país.

6. O país de Aung San Suu Kyi, o Myanmar (antiga Birmânia), é complexo e muito enigmático. A sua complexidade decorre da história: serviu de ponto de confluência para vários grupos étnicos da sua região. Trata-se do país mais extenso do sudeste asiático, fazendo fronteira com a China, Índia, Tailândia, Laos e o Bangladesh. Sofreu a influência cultural de todos esses vizinhos, tornando-se palco de tensões engendradas pela história comum dos seus povos.

7. Foi colonizado pelos britânicos, e ocupado, temporariamente, pelos japoneses, durante a II Guerra Mundial. Depois de um curto período de tempo, foi retomado pelos britânicos. Em 1948, tornou-se independente, muito por força da acção reivindicativa dos monges budistas que souberam usar a religião como factor de ruptura entre colonizados e colonizadores. Até 1962, prevaleceu no país um regime democrático que foi derrubado pelos militares. Fruto da pressão interna e internacional, o regime militar realizou eleições no ano de 1990.

8. O Partido Nacional pela Democracia, de Aung San Suu Kyi, ganhou as eleições de 1990, arrecadando 60% dos votos e conquistando 80% dos assentos parlamentares. Porém, os resultados foram prontamente anulados pelos militares que não aceitaram abandonar o poder. Prenderam a líder do partido ganhador e instituíram um regime político bastante fechado, politicamente apoiado pela China. Ao contrário da economia da China, a economia do Myanmar cresce muito pouco, pelo que se transformou num dos países mais pobres da região e com poucas expectativas de bem-estar, mesmo que tenha sido no passado o maior exportador de arroz do mundo, e até o mais alfabetizado daquelas paragens.

9. Muito fechado dentro das suas fronteiras, as notícias que conseguem sair retratam, geralmente, acções de repressão, intolerância e violência. Essa é, por norma, a imagem de marca das ditaduras, de todas as ditaduras. Tenho ainda bem guardado na memória as imagens que, em Setembro de 2007, correram o mundo, mostrando a revolta pacífica dos monges budistas do Myanmar. Era a coragem dos monges budistas estampada nas suas passeatas de protesto pelas ruas de Rangum.

10. Os monges budistas destes tempos recuperaram o protagonismo dos monges budistas que lideraram a luta de libertação contra o poder colonial britânico. Tornaram-se, novamente, o porta-bandeira dos sentimentos do povo. Expressaram a alma do povo anónimo, do povo humilde, daqueles que não têm voz. O regime militar reprimiu-os, e o saldo em mortos e feridos foi bastante pesado.

11. O mundo repudiou a repressão que se seguiu aos protestos. Parecia o início de alguma coisa… E essa coisa, finalmente, aconteceu: Aung San Suu Kyi foi libertada no Sábado, dia 13, depois de ter vivido uma epopeia de cerca de 20 anos.

12. Pelo seu contributo na luta pela defesa dos direitos humanos, Aung San Suu Kyi foi agraciada, em 1990, com o Prémio Sakharov e, em 1991, com o Prémio Nobel da Paz. Não a deixaram sair para receber directamente o prémio que lhe foi atribuído.

13. Ela é filha de um dos heróis da luta pela independência do Myanmar – o general Aung San, assassinado quando a filha tinha 2 anos de idade. Ela está de novo em liberdade. Ninguém sabe por quanto tempo… Mas já manifestou disposição para continuar a defender a causa em que acredita. As suas referências são Ghandi e Nelson Mandela. Há mesmo quem a chame a Nelson Mandela no feminino.

14. Numa altura em que muitos optam por soluções violentas para resolver problemas políticos e sociais, soa bem ouvir o discurso integrador e pacífico dessa mulher que tinha tudo ou quase tudo para também apelar à violência. Mas ela percebeu, e bem, que a violência nem sempre é o melhor recurso para pôr fim à violência.

PARA QUE PREVALEÇA O BOM-SENSO

1. Alguns bancos norte-americanos decidiram encerrar (ou congelar) as contas das Embaixadas de 37 países (sendo 20 não-africanos e 17 africanos, entre os quais Angola), o que está a fazer correr muita tinta e a gerar polémica. No que diz respeito a Angola, tal tomada de posição foi precedida pelo anúncio dos resultados a que chegou uma Comissão do Senado encarregue de investigar movimentações financeiras julgadas ilícitas ou de carácter duvidoso. A Comissão do Senado fez, pois, referência a uma tentativa de transferência do montante de 50 milhões de usd, do erário público para uma conta privada, imputando a responsabilidade do acto ao ex-governante que, na altura, dirigia o Banco Nacional de Angola.

2. Na sequência das investigações, as autoridades norte-americanas terão ainda solicitado esclarecimentos às entidades oficiais do nosso país, não tendo sido, porém, bem sucedidas. Desconhece-se se o silêncio a que se votaram as nossas autoridades foi por negligência, ou por qualquer outra razão. Em consequência, os americanos ameaçaram bloquear as contas da nossa representação diplomática nos Estados Unidos, assim como as da Agência Nacional de Investimento Privado, ANIP, de que o Dr. Aguinaldo Jaime é o actual responsável máximo. Falou-se, também, no envolvimento de uma instituição bancária angolana.

3. Face a este quadro de pressão, e à mediatização nacional e internacional que se lhe seguiu, o Dr. Aguinaldo Jaime prestou esclarecimentos à imprensa angolana, num exclusivo concedido ao semanário Novo Jornal, tendo dito que as alegações americanas eram “perfeitamente ridículas”. E deu, então, a sua versão da história, que se resume no seguinte:

i) Que, em 2002, viera ao nosso país uma delegação de um grupo financeiro denominado “MSA Investments” mostrando-se pronto a emprestar 50 milhões de usd ao Estado angolano, a título de “ajuda humanitária”;
ii) Que o governo vira tal operação como uma oportunidade para, rapidamente, dispor de dinheiro para obras de reconstrução, já que estávamos no rescaldo da guerra civil;
iii) Que ele se apressara a buscar fórmulas para negociar as garantias capazes de suportar o negócio;
iv) Que se colocaram, pois, duas hipóteses alternativas para as tais garantias: ou pela compra de Títulos do Tesouro norte-americano (o que foi recusado pelas entidades americanas); ou por abertura de uma conta num banco americano, sendo o próprio Dr. Aguinaldo Jaime um dos signatários, para que ela pudesse ser movimentada com segurança;
v) Que para essa conta se transfeririam, então, os 50 milhões de usd cedidos pela “MSA Investments”. Uma opção que também foi rejeitada pelas entidades norte-americanas. Terá sido, pois, esta a operação que levantou as suspeitas, e que fez colocar Angola sob a mira ianque.

4. Ficou, porém, por esclarecer o porquê do posterior envolvimento da nossa Embaixada nesse imbróglio. Terá ela participado no processo da abertura da conta e posterior tentativa de transferência do dinheiro para a mesma conta? Se o fez, passou, então, a fazer parte do problema.

5. Porquê, também, que, de início, se falou na possibilidade de encerramento das contas de um banco angolano? O quê que o banco angolano teve a ver com a questão, se o signatário da conta era Governador do BNA?

6. Haverá alguma coisa mais, por detrás de tudo isso, que nós desconhecemos?

7. O que é facto é que a decisão de alguns bancos norte-americanos de encerrarem as contas da nossa Embaixada gerou reacções diversas no nosso país. Houve quem se tenha limitado a manifestar profunda consternação; houve também quem tenha assumido tal decisão como um aviso à navegação (para nos prevenirmos contra eventuais acções ainda mais graves, no futuro); por último, li (ou ouvi) autênticas manifestações de histeria patriótica, como, por exemplo, apelos a uma urgente retaliação contra os interesses americanos sedeados em Angola, a começar pelo encerramento das contas das suas empresas petrolíferas.

8. Alegadamente, as instituições bancárias norte-americanas optaram por encerrar as nossas contas, e também das outras 36 Embaixadas, por considerarem bastante onerosa a acção de fiscalização. Quanto mais duvidoso for um cliente, mais cara fica a sua relação com o banco. Numa avaliação de Custo/Benefício, suponho, os bancos terão optado por se desfazerem do cliente.

9. Penso que, no fundo, tudo se enquadra no conjunto de medidas que os americanos vêm tomando para combater eficazmente o branqueamento de capitais e o financiamento a grupos terroristas.

10. O Bank of America e os outros bancos estarão a cumprir as normas em vigor no seu país, normas que os obrigam a tomar medidas cautelares, sempre que suspeitem de alguma irregularidade grave nas movimentações bancárias dos seus clientes. Essa acção fiscalizadora implica operações onerosas para os bancos. Querem, pois, por um lado, colocar-se do lado da Lei, mas, por outro lado, desejam também afastar clientes problemáticos, ou eventualmente problemáticos.

11. A questão do branqueamento de capitais é matéria bastante melindrosa e costuma ser levada a cabo em três fases: 1ª) O dinheiro começa por ser colocado no sistema financeiro; 2ª) Depois é movido ou transferido para outras contas, através de uma série de transacções que visam ocultar a sua proveniência; 3ª) Por fim, os fundos são reintroduzidos na economia de forma a parecer que provêm de fontes legítimas.

12. Embora as autoridades norte-americanas tenham, de início, ameaçado Angola pela não apresentação de explicações das razões que levaram às movimentações aludidas pelo Dr. Aguinaldo Jaime, tudo leva, porém, a crer que a acção de encerramento (ou de congelamento) das contas é da responsabilidade dos bancos em causa, já porque, logo de seguida, surgiram outros bancos, também americanos, dispostos a alojar os dinheiros da nossa Embaixada. Além disso, as autoridades políticas daquele país predispuseram-se a tudo fazer para evitar danos ainda maiores.

13. Esta é, pois, uma questão que terá, seguramente, solução no curto prazo. Se todos mantivermos a cabeça fria… Servirá, ainda, para aprendermos, mais uma vez, que o silêncio nem sempre é a melhor solução. Sobretudo, quando a outra parte tem legitimidade para nos questionar.

14. E não vale a pena estarmos a esgrimir o preceituado no artigo 25º da Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas, pois esse artigo diz apenas que “O Estado acreditador dará todas as facilidades para o desempenho das funções da missão”. Leia-se, missão diplomática. Esta Convenção internacional não coloca, pois, ninguém acima da Lei do país acreditador. Haja, por isso, bom-senso!

COMUNICADO – sobre a situação na Costa do Marfim

A situação prevalecente na Costa do Marfim concita a maior atenção por parte dos verdadeiros democratas e da Comunidade Internacional, em geral.

Quando se esperava que as eleições presidenciais, recentemente realizadas naquele país, pudessem contribuir para desanuviar a tensão política e social e o retorno à normalidade democrática, eis que a adulteração deliberada dos resultados eleitorais, apurados pela Comissão Eleitoral Independente, retirou a vitória ao candidato da oposição, Alassane Ouattara, dando-a, por via da Conselho Constitucional, fraudulentamente, ao candidato derrotado, o até então Presidente Laurent Gbagbo, que, precipitadamente, correu a tomar posse.

O Bloco Democrático, partido político herdeiro da cultura democrática do povo angolano, não pode deixar passar em branco mais este atropelo às regras democráticas e que põe de novo em causa a paz e a estabilidade não só naquele país, mas, também, na região em que está inserido, a África Ocidental.

O Bloco Democrático tem perfeita noção da importância que o Governo de Angola dá às suas relações com a Costa do Marfim, e também da influência que exerce sobre as autoridades marfinenses. Por isso, em nome da paz e dos superiores interesses dos nossos países, apela que inste o candidato usurpador do poder, Laurent Gbagbo, a aceitar os resultados eleitorais declarados pela Comissão Eleitoral Independente, e crie as condições para que, de um modo pacífico, o candidato vencedor, Alassane Ouattara, possa assumir as mais elevadas responsabilidades do Estado.

O Bloco Democrático recorda que o povo angolano tem uma triste memória dos actos anti-democráticos que, no passado, nos conduziram à guerra civil que dilacerou o nosso país, marcando, indelevelmente, a nossa existência e também o nosso futuro mais próximo, pelo que não deseja que povos irmãos passem por idêntica experiência.

O Bloco Democrático acredita que a Democracia é possível em África, e que ela não deve ficar refém de ambições e caprichos pessoais ou partidários.


Liberdade, Modernidade, Cidadania.

Luanda, 6 de Dezembro de 2010

O Presidente do Bloco Democrático

Justino Pinto de Andrade