terça-feira, 20 de agosto de 2013

O DILEMA DO EGIPTO


  1. Depois da queda de Hosni Mubarak, o Egipto entrou numa verdadeira vertigem de violência política cujo desfecho é ainda imprevisível.

 

  1. No início – para os mais optimistas – a queda do regime de Hosni Mubarak uniria os egípcios em torno de um desígnio comum: o estabelecimento de um estado democrático. Porém, retirado do caminho o inimigo comum, Hosni Mubarak, ficaram mais visíveis outras fracturas que a sociedade e o estado egípcio ainda não conseguiram superar, colocando de um lado os adeptos do estado democrático e laico e, do outro, os que preferem um estado mais confessional – os islamistas mais radicais.

 

  1. Os islamistas radicais identificados agora, sobretudo, com a Irmandade Muçulmana, são os seguidores contemporâneos dos ensinamentos de Hassan al-Banna, o jovem clérigo que, em 1928, fundou o grupo. Eles opõem-se à secularização do Estado, tal como ele hoje funciona em países como a Turquia, Líbano ou em Marrocos, pretendendo regressar aos fundamentos do Corão.

 

  1. Nenhum dos poderes egípcios que se seguiram à sua fundação conseguiram extirpar definitivamente a influência da Irmandade Muçulmana. Nem o Rei Farouk, nem Nasser, nem Anwar Al Sadat, nem Hosni Mubarak. Com a queda de Mubarak, a Irmandade Muçulmana conseguiu fazer eleger um Presidente da República, Mohamed Morsi, cujo derrube pelos militares acabou agora por despoletar o rastilho que incendeia o Egipto.

 

  1. Para os fundamentalistas islâmicos, o Islão não é apenas uma religião. Constitui sim, também, um sistema de imperativos políticos, económicos, sociais e culturais que devem sustentar o estado, com vista a assegurar a harmonia e a felicidade dos muçulmanos. Essa é a sua principal contraposição ao estado laico prevalecente nos estados ocidentais e que se vem generalizando como o paradigma do estado democrático.

 

  1. Para os fundamentalistas islâmicos, a felicidade só pode ser uma decorrência da providência divina e os muçulmanos devem evitar a democracia. Os muçulmanos devem viver de acordo com a charia, a doutrina inspirada por Deus. O fundador da Irmandade Muçulmana, Hassan al-Banna, foi dos primeiros a invocar a jihad (guerra santa) contra todos aqueles que não fossem seguidores do Islão.

 

  1. O que se veio a constatar no Egipto pós-Mubarak, com a vitória eleitoral de Mohamed Morsi, foi, pois, a tentativa dos islamistas subverterem os fundamentos do estado democrático que se pretendia constituir. Por isso, foram-se aprovando normas bastante restritivas às liberdades individuais e colectivas. Conseguiram, pois, os islamistas fundamentalistas dividir ainda mais a sociedade egípcia, fazendo temer o pior por parte dos adeptos do secularismo do estado, eles que foram também protagonistas do movimento de revolta que conduziu ao derrube de Hosni Mubarak.

 

  1. Os militares que derrubaram Mohamed Morsi, colocaram-se do lado dos que se lhe opunham, impedindo que o Presidente usasse a violência. Colocando-se frontalmente contra Morsi, os militares atiraram para o extremo oposto os seus correligionários que decidiram barricar-se, despoletando a violência e um verdadeiro massacre de populares afiliados à Irmandade Muçulmana.

 

  1. O golpe militar – estimulado pelo primeiro levantamento popular de inspiração secular e democrático – criou as condições para que os fundamentalistas se barricassem. O morticínio que se seguiu veio, porém, perturbar as consciências mais sensíveis e colocar os democratas perante um facto que é inegável: foi derrubado um poder legitimado pelo voto popular. E coloca agora, também, uma interrogação: será que a democracia, quando está a ser subvertida por alguém que se aproveitou dela com fins inconfessos, não tem o direito de se defender?

 

  1. Salvaguardadas as devidas dimensões, o contexto actual do Egipto remete-nos para uma reflexão sobre um período da história de há precisamente 80 anos: a chegada ao poder de Adolf Hitler na Alemanha.

 

  1. Depois de ter ganho eleições – com legitimidade popular mesmo que questionada – Adolf Hitler formou um governo de coligação, pois não tinha maioria; de imediato, decidiu domesticar completamente a comunicação social, tornando-a apenas um eco das suas “maravilhas” e das “virtudes” do nazismo; passou ao aniquilamento selectivo dos poderes constituídos; prendeu os seus principais adversários políticos; desencadeou o processo de extermínio dos judeus e de outras minorias. E, finalmente, despoletou a Segunda Guerra Mundial, com as consequências por todos nós conhecidas.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

PDM – UM DESÍGNIO A ASSINALAR


  1. A manifesta vontade do Chefe do Executivo angolano de ver o nosso país transitar do escalão dos Países de Desenvolvimento Baixo (PDB) para o dos Países de Desenvolvimento Médio (PDM) vai concitando a atenção de parte da nossa opinião pública. Do meu ponto de vista, o meu ponto de vista,  o desígnio do Presidente José Eduardo dos Santos tem muito a ver com o modo como ele se pretende despedir da vida política activa, legando uma marca para a história, que possa simbolizar positivamente o seu longo consulado.

 

  1. A subida de escalão no ranking internacional de desenvolvimento funcionaria, pois, como uma espécie de “ponto de honra”, já que se tornam cada vez mais perceptíveis certos sinais de mudança, sobretudo, porque se fala, com crescente frequência, do aproximar do seu abandono do cargo de Chefe de Estado. JES teria, pois, guardado na manga, para si, um trunfo que, pela certa, não quererá repartir com ninguém…

 

  1. Geralmente, o mérito da colocação dos países em escalões de desenvolvimento mais confortáveis é partilhado por várias gerações de líderes. Um exemplo dessa partilha é o do Botswana, mas, também, de Cabo Verde e Maurícias, países sucessivamente governados por líderes que se foram revezando no poder por via democrática.

 

  1. Acho interessante o facto de, em comum, esses 3 países serem parcos em recursos naturais. Dois deles são, inclusive, insulares, e os três potenciaram o turismo como sustentáculo do seu desenvolvimento, o que pressupõe grande estabilidade política e social. Possuem também um sistema político democrático e transparente, e a sua governação económica tem sido eficaz e bastante virtuosa. Não são, pois, o mero resultado de um qualquer dom extraordinário da natureza.

 

  1. Para a subida de escalão, no ranking internacional de desenvolvimento avaliado pelo sistema das Nações Unidas, concorrem em simultâneo três critérios: o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o Rendimento per capita e o índice de Vulnerabilidade Económica. Por sua vez, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é calculado, sobretudo, com base no nível do rendimento, longevidade e educação.

 

  1. Os países de fraco desenvolvimento humano serão os que possuem um IDH inferior a 0,499; os de médio desenvolvimento serão os com um IDH situado entre 0,500 e 0,799; e os de alto desenvolvimento os que se situam acima de 0,800.

 

  1. O critério da educação é avaliado pela taxa de alfabetização e pela taxa de matrícula, a longevidade pela expectativa de vida ao nascer e o critério do rendimento tem a ver com o nível do PIB per capita. Portanto, o desenvolvimento humano é visto numa perspectiva multifacetada, esbatendo-se, assim, a mera visão economicista do passado.

 

  1. De acordo com as estimativas do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, apresentadas em Março de 2013, o nosso país ocupou a posição 148, entre os 186 países considerados, e foi cotado como país de desenvolvimento humano baixo. Nesse ponto de vista, o actual nível de bem-estar da nossa população é ainda bastante reduzido, em especial, o bem-estar infantil.

 

  1. Sem pretender desvalorizar os avanços que se produziram no país desde que terminou a guerra, eu penso que o melhoramento do nosso IDH se deveu muito à subida do nível do rendimento per capita, um indicador que pode esconder, por vezes, realidades trágicas. Por isso, ele deve ser relativizado, uma vez que tem subido muito a custa do aumento das receitas provenientes da exportação do petróleo. Seria interessante também avaliar-se a evolução do nosso IDH, desagregando-o nos seus diversos parâmetros.

 

  1. Por exemplo, é por demais evidente o crescimento das desigualdades no modo como a riqueza está distribuída no nosso país. Isso pode ser feito pela análise do chamado Coeficiente de Gini, quer ao nível nacional, quer ao nível regional (em especial, o provincial). O mesmo se poderia fazer quanto à educação e à longevidade. Isso dar-nos-ia uma perspectiva mais realista do país que temos e do modo como o bem-estar se distribui entre nós. E porque não mesmo termos uma melhor noção do que se passa nas cidades, nos municípios e nas zonas rurais?

 

  1. A perspectiva global nacional é fundamental, mas a sua desagregação nos mais diversos parâmetros serviria de um valioso instrumento para a correcção das assimetrias que, por norma, são factores desagregadores que, por vezes, põem em causa os próprios fundamentos do Estado unitário.

ACORDOS GIGANTES DE COMÉRCIO LIVRE


  1. Os Estados Unidos da América e a União Europeia começaram a negociar a criação da maior Zona de Comércio Livre do mundo. Segundo se diz, tal Zona de Comércio Livre equivalerá, no nível económico, ao que, no nível militar é hoje a NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Ela representará, à partida, metade da produção económica mundial e 30% das trocas comerciais de bens e serviços. Paralelamente, os EUA preparam o estabelecimento de um outro Espaço de Comércio Livre, desta vez, com países da região do Pacífico, deixando de fora a China. Os entusiastas desses acordos assumem que eles aumentarão o fluxo económico entre as partes, potenciando os investimentos e o emprego.

 

  1. Está, porém, subjacente a ideia de que tais acordos visam, sobretudo, contrariar o crescente poder económico da China, na linha do que sucedeu com a constituição da NATO, quando o objectivo era contrapor-se ao poderio militar da Ex-União Soviética, no período da chamada Guerra Fria.

 

  1. O Acordo dos EUA com a UE deverá ultrapassar os limites do comércio de bens e serviços, transbordando para o estabelecimento de padrões e de regulações sobre matérias de segurança de produtos e propriedade intelectual. Tal problemática da segurança de produtos e propriedade intelectual gerará muita controvérsia, estando a França já a manifestar reservas sobre a matéria, optando por políticas mais proteccionistas.

 

  1. Os dois Acordos – o transatlântico e o transpacífico – de certo modo caminham contra o objectivo antes declarado do estabelecimento de um sistema global e multilateral de livre, comércio no quadro da Organização Mundial de Comércio (OMC).

 

  1. Se as negociações transoceânicas forem coroadas de êxito, assistiremos à eliminação de barreiras tarifárias e não-tarifárias, no comércio entre os EUA e a UE, e também entre os EUA e certos países da região do Pacífico, tal como já sucede no circuito de bens e serviços entre os países da América do Norte, nomeadamente, EUA, Canadá e México, um circuito comercial intra-americano feito no quadro da NAFTA (North América Free Trade Area).

 

  1. O fim das restrições tarifárias corresponde à eliminação dos impostos aduaneiros sobre as mercadorias provenientes de um outro Estado-membro. Por sua vez, as restrições não-tarifárias tanto podem ter carácter quantitativo como qualitativo, ou até de efeito equivalente. Por exemplo, as quotas que se estabelecem para limitar a quantidade de mercadorias a serem importadas, ou a limitação determinado tipo de mercadoria. No primeiro caso, trata-se de restrições quantitativas e, no segundo, de restrições qualitativas.

 

  1. Em Novembro de 2001, sob os auspícios da OMC (Organização Mundial do Comércio), iniciou-se em Doha, no Qatar, um ciclo de negociações multilaterais com vista à diminuição das barreiras comerciais em todo o mundo. Os grandes protagonistas dessa Ronda foram, por um lado, os países mais desenvolvidos e, por outro, os mais importantes dos países em desenvolvimento. A controvérsia centrou-se na questão dos subsídios aos produtos agrícolas e industrializados, que impediu que se chegasse a um acordo global. Seguiram-se outros conclaves não só para abordar a problemática dos subsídios agrícolas e dos produtos industrializados mas, também, do comércio de serviços e a actualização das regras aduaneiras.

 

  1. Nos conclaves subsequentes a Doha – as Rondas de Cancún, Genebra, Paris, Hong Kong – verificaram-se progressos em determinados domínios da pauta do comércio mundial. Porém, evidenciaram-se fortes divergências de interesses entre os países ricos e as nações em desenvolvimento. Estes últimos países mostraram-se, sobretudo, muito preocupados com o impacto que a liberalização do comércio poderia ter sobre as suas economias, por não estarem ainda em condições de concorrer em pé de igualdade com as nações mais desenvolvidas. Alegaram, por exemplo, que uma liberalização total do comércio geraria desemprego nos seus países, e que as eventuais contrapartidas não seriam suficientemente compensadoras.

 

  1. A estratégia norte-americana de estabelecer acordos regionais, o transatlântico e o transpacífico visa, também, criar um mecanismo de pressão sobre a própria OMC e sobre as chamadas Economias Emergentes, em especial, a China. É que, com os seus parceiros, os EUA definirão um tipo de padrões de qualidade que servirão, depois, como “padrões globais” para a indústria mundial, pressionando, dessa forma, os restantes países, que sentirão grandes dificuldades para seguir tais padrões.