- Depois da queda de
Hosni Mubarak, o Egipto entrou numa verdadeira vertigem de violência
política cujo desfecho é ainda imprevisível.
- No início – para os
mais optimistas – a queda do regime de Hosni Mubarak uniria os egípcios em
torno de um desígnio comum: o estabelecimento de um estado democrático.
Porém, retirado do caminho o inimigo comum, Hosni Mubarak, ficaram mais
visíveis outras fracturas que a sociedade e o estado egípcio ainda não
conseguiram superar, colocando de um lado os adeptos do estado democrático
e laico e, do outro, os que preferem um estado mais confessional – os
islamistas mais radicais.
- Os islamistas
radicais identificados agora, sobretudo, com a Irmandade Muçulmana, são os
seguidores contemporâneos dos ensinamentos de Hassan al-Banna, o jovem
clérigo que, em 1928, fundou o grupo. Eles opõem-se à secularização do
Estado, tal como ele hoje funciona em países como a Turquia, Líbano ou em Marrocos,
pretendendo regressar aos fundamentos do Corão.
- Nenhum dos poderes
egípcios que se seguiram à sua fundação conseguiram extirpar definitivamente
a influência da Irmandade Muçulmana. Nem o Rei Farouk, nem Nasser, nem
Anwar Al Sadat, nem Hosni Mubarak. Com a queda de Mubarak, a Irmandade
Muçulmana conseguiu fazer eleger um Presidente da República, Mohamed
Morsi, cujo derrube pelos militares acabou agora por despoletar o rastilho
que incendeia o Egipto.
- Para os
fundamentalistas islâmicos, o Islão não é apenas uma religião. Constitui
sim, também, um sistema de imperativos políticos, económicos, sociais e
culturais que devem sustentar o estado, com vista a assegurar a harmonia e
a felicidade dos muçulmanos. Essa é a sua principal contraposição ao estado
laico prevalecente nos estados ocidentais e que se vem generalizando como
o paradigma do estado democrático.
- Para os
fundamentalistas islâmicos, a felicidade só pode ser uma decorrência da
providência divina e os muçulmanos devem evitar a democracia. Os
muçulmanos devem viver de acordo com a charia,
a doutrina inspirada por Deus. O fundador da Irmandade Muçulmana, Hassan
al-Banna, foi dos primeiros a invocar a jihad (guerra santa) contra todos aqueles que não fossem
seguidores do Islão.
- O que se veio a constatar
no Egipto pós-Mubarak, com a vitória eleitoral de Mohamed Morsi, foi,
pois, a tentativa dos islamistas subverterem os fundamentos do estado
democrático que se pretendia constituir. Por isso, foram-se aprovando
normas bastante restritivas às liberdades individuais e colectivas. Conseguiram,
pois, os islamistas fundamentalistas dividir ainda mais a sociedade
egípcia, fazendo temer o pior por parte dos adeptos do secularismo do estado,
eles que foram também protagonistas do movimento de revolta que conduziu
ao derrube de Hosni Mubarak.
- Os militares que
derrubaram Mohamed Morsi, colocaram-se do lado dos que se lhe opunham,
impedindo que o Presidente usasse a violência. Colocando-se frontalmente
contra Morsi, os militares atiraram para o extremo oposto os seus
correligionários que decidiram barricar-se, despoletando a violência e um
verdadeiro massacre de populares afiliados à Irmandade Muçulmana.
- O golpe militar –
estimulado pelo primeiro levantamento popular de inspiração secular e
democrático – criou as condições para que os fundamentalistas se
barricassem. O morticínio que se seguiu veio, porém, perturbar as
consciências mais sensíveis e colocar os democratas perante um facto que é
inegável: foi derrubado um poder legitimado pelo voto popular. E coloca
agora, também, uma interrogação: será que a democracia, quando está a ser
subvertida por alguém que se aproveitou dela com fins inconfessos, não tem
o direito de se defender?
- Salvaguardadas as
devidas dimensões, o contexto actual do Egipto remete-nos para uma
reflexão sobre um período da história de há precisamente 80 anos: a
chegada ao poder de Adolf Hitler na Alemanha.
- Depois de ter ganho
eleições – com legitimidade popular mesmo que questionada – Adolf Hitler formou
um governo de coligação, pois não tinha maioria; de imediato, decidiu
domesticar completamente a comunicação social, tornando-a apenas um eco
das suas “maravilhas” e das “virtudes” do nazismo; passou ao aniquilamento
selectivo dos poderes constituídos; prendeu os seus principais adversários
políticos; desencadeou o processo de extermínio dos judeus e de outras
minorias. E, finalmente, despoletou a Segunda Guerra Mundial, com as
consequências por todos nós conhecidas.
- A manifesta vontade
do Chefe do Executivo angolano de ver o nosso país transitar do escalão
dos Países de Desenvolvimento Baixo (PDB) para o dos Países de
Desenvolvimento Médio (PDM) vai concitando a atenção de parte da nossa
opinião pública. Do meu ponto de vista, o meu ponto de vista, o desígnio do Presidente José Eduardo dos
Santos tem muito a ver com o modo como ele se pretende despedir da vida
política activa, legando uma marca para a história, que possa simbolizar positivamente
o seu longo consulado.
- A subida de escalão no
ranking internacional de desenvolvimento funcionaria, pois, como uma
espécie de “ponto de honra”, já que se tornam cada vez mais perceptíveis
certos sinais de mudança, sobretudo, porque se fala, com crescente
frequência, do aproximar do seu abandono do cargo de Chefe de Estado. JES
teria, pois, guardado na manga, para si, um trunfo que, pela certa, não
quererá repartir com ninguém…
- Geralmente, o mérito
da colocação dos países em escalões de desenvolvimento mais confortáveis é
partilhado por várias gerações de líderes. Um exemplo dessa partilha é o
do Botswana, mas, também, de Cabo Verde e Maurícias, países sucessivamente
governados por líderes que se foram revezando no poder por via democrática.
- Acho interessante o
facto de, em comum, esses 3 países serem parcos em recursos naturais. Dois
deles são, inclusive, insulares, e os três potenciaram o turismo como
sustentáculo do seu desenvolvimento, o que pressupõe grande estabilidade
política e social. Possuem também um sistema político democrático e
transparente, e a sua governação económica tem sido eficaz e bastante virtuosa.
Não são, pois, o mero resultado de um qualquer dom extraordinário da
natureza.
- Para a subida de
escalão, no ranking internacional de desenvolvimento avaliado pelo sistema
das Nações Unidas, concorrem em simultâneo três critérios: o Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH), o Rendimento per capita e o índice de Vulnerabilidade Económica. Por sua
vez, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é calculado, sobretudo, com
base no nível do rendimento, longevidade e educação.
- Os países de fraco
desenvolvimento humano serão os que possuem um IDH inferior a 0,499; os de
médio desenvolvimento serão os com um IDH situado entre 0,500 e 0,799; e os
de alto desenvolvimento os que se situam acima de 0,800.
- O critério da
educação é avaliado pela taxa de alfabetização e pela taxa de matrícula, a
longevidade pela expectativa de vida ao nascer e o critério do rendimento
tem a ver com o nível do PIB per
capita. Portanto, o desenvolvimento humano é visto numa perspectiva
multifacetada, esbatendo-se, assim, a mera visão economicista do passado.
- De acordo com as
estimativas do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento,
apresentadas em Março de 2013, o nosso país ocupou a posição 148, entre os
186 países considerados, e foi cotado como país de desenvolvimento humano
baixo. Nesse ponto de vista, o actual nível de bem-estar da nossa
população é ainda bastante reduzido, em especial, o bem-estar infantil.
- Sem pretender desvalorizar
os avanços que se produziram no país desde que terminou a guerra, eu penso
que o melhoramento do nosso IDH se deveu muito à subida do nível do
rendimento per capita, um
indicador que pode esconder, por vezes, realidades trágicas. Por isso, ele
deve ser relativizado, uma vez que tem subido muito a custa do aumento das
receitas provenientes da exportação do petróleo. Seria interessante também
avaliar-se a evolução do nosso IDH, desagregando-o nos seus diversos
parâmetros.
- Por exemplo, é por
demais evidente o crescimento das desigualdades no modo como a riqueza
está distribuída no nosso país. Isso pode ser feito pela análise do
chamado Coeficiente de Gini, quer ao nível nacional, quer ao nível
regional (em especial, o provincial). O mesmo se poderia fazer quanto à
educação e à longevidade. Isso dar-nos-ia uma perspectiva mais realista do
país que temos e do modo como o bem-estar se distribui entre nós. E porque
não mesmo termos uma melhor noção do que se passa nas cidades, nos
municípios e nas zonas rurais?
- A perspectiva global
nacional é fundamental, mas a sua desagregação nos mais diversos
parâmetros serviria de um valioso instrumento para a correcção das
assimetrias que, por norma, são factores desagregadores que, por vezes,
põem em causa os próprios fundamentos do Estado unitário.
- Os Estados Unidos da
América e a União Europeia começaram a negociar a criação da maior Zona de
Comércio Livre do mundo. Segundo se diz, tal Zona de Comércio Livre equivalerá,
no nível económico, ao que, no nível militar é hoje a NATO (Organização do
Tratado do Atlântico Norte). Ela representará, à partida, metade da
produção económica mundial e 30% das trocas comerciais de bens e serviços.
Paralelamente, os EUA preparam o estabelecimento de um outro Espaço de
Comércio Livre, desta vez, com países da região do Pacífico, deixando de
fora a China. Os entusiastas desses acordos assumem que eles aumentarão o
fluxo económico entre as partes, potenciando os investimentos e o emprego.
- Está, porém,
subjacente a ideia de que tais acordos visam, sobretudo, contrariar o crescente
poder económico da China, na linha do que sucedeu com a constituição da
NATO, quando o objectivo era contrapor-se ao poderio militar da Ex-União
Soviética, no período da chamada Guerra Fria.
- O Acordo dos EUA com
a UE deverá ultrapassar os limites do comércio de bens e serviços, transbordando
para o estabelecimento de padrões e de regulações sobre matérias de
segurança de produtos e propriedade intelectual. Tal problemática da
segurança de produtos e propriedade intelectual gerará muita controvérsia,
estando a França já a manifestar reservas sobre a matéria, optando por
políticas mais proteccionistas.
- Os dois Acordos – o
transatlântico e o transpacífico – de certo modo caminham contra o
objectivo antes declarado do estabelecimento de um sistema global e
multilateral de livre, comércio no quadro da Organização Mundial de
Comércio (OMC).
- Se as negociações
transoceânicas forem coroadas de êxito, assistiremos à eliminação de
barreiras tarifárias e não-tarifárias, no comércio entre os EUA e a UE, e
também entre os EUA e certos países da região do Pacífico, tal como já
sucede no circuito de bens e serviços entre os países da América do Norte,
nomeadamente, EUA, Canadá e México, um circuito comercial intra-americano
feito no quadro da NAFTA (North
América Free Trade Area).
- O fim das restrições
tarifárias corresponde à eliminação dos impostos aduaneiros sobre as
mercadorias provenientes de um outro Estado-membro. Por sua vez, as
restrições não-tarifárias tanto podem ter carácter quantitativo como
qualitativo, ou até de efeito equivalente. Por exemplo, as quotas que se
estabelecem para limitar a quantidade de mercadorias a serem importadas,
ou a limitação determinado tipo de mercadoria. No primeiro caso, trata-se
de restrições quantitativas e, no segundo, de restrições qualitativas.
- Em Novembro de 2001,
sob os auspícios da OMC (Organização Mundial do Comércio), iniciou-se em
Doha, no Qatar, um ciclo de negociações multilaterais com vista à diminuição
das barreiras comerciais em todo o mundo. Os grandes protagonistas
dessa Ronda foram, por um lado, os países mais desenvolvidos e, por outro,
os mais importantes dos países em desenvolvimento. A
controvérsia centrou-se na questão dos subsídios aos produtos agrícolas e
industrializados, que impediu que se chegasse a um acordo global.
Seguiram-se outros conclaves não só para abordar a problemática dos subsídios
agrícolas e dos produtos industrializados mas, também, do comércio de
serviços e a actualização das regras aduaneiras.
- Nos conclaves
subsequentes a Doha – as Rondas de Cancún, Genebra, Paris, Hong Kong –
verificaram-se progressos em determinados domínios da pauta do comércio
mundial. Porém, evidenciaram-se fortes divergências de interesses entre os
países ricos e as nações em desenvolvimento. Estes
últimos países mostraram-se, sobretudo, muito preocupados com o impacto
que a liberalização do comércio poderia ter sobre as suas economias, por não
estarem ainda em condições de concorrer em pé de igualdade com as nações
mais desenvolvidas. Alegaram, por exemplo, que uma liberalização total do
comércio geraria desemprego nos seus países, e que as eventuais contrapartidas
não seriam suficientemente compensadoras.
- A estratégia
norte-americana de estabelecer acordos regionais, o transatlântico e o
transpacífico visa, também, criar um mecanismo de pressão sobre a própria
OMC e sobre as chamadas Economias Emergentes, em especial, a China. É que,
com os seus parceiros, os EUA definirão um tipo de padrões de qualidade
que servirão, depois, como “padrões globais” para a indústria mundial,
pressionando, dessa forma, os restantes países, que sentirão grandes
dificuldades para seguir tais padrões.