segunda-feira, 10 de setembro de 2012

“QUANDO A AMÉRICA ESPIRRA O MUNDO APANHA GRIPE”


  1. Estamos na eminência de ver confirmado o aforismo segundo o qual “quando a América espirra o mundo apanha gripe”. O seu exemplo mais recente foi o de finais de 2007 e início de 2008, altura em que as principais bolsas de valores em todo o mundo se ressentiram da crise do sector imobiliário norte-americano que contaminou os principais centros financeiros mundiais, desde Nova York a Londres, passando por Paris, Frankfurt, Tóquio, Hong Kong, etc. De imediato, e para fazerem face à crise que se estendia, as autoridades estadunidenses e os principais bancos centrais, um pouco por todo o mundo, impuseram medidas que conseguiram limitar os impactos da crise. Porém, os principais índices bolsistas assinalaram perdas substanciais, afectando diversos sectores económicos.

 

  1. A economia mundial passou, assim, a viver uma das suas maiores odisseias, tanto do lado da procura como do lado da oferta, ressentindo-se, por exemplo, nos preços da energia (com o petróleo a baixar para patamares alarmantes), assim como nos preços dos bens alimentares, que atingiram valores proibitivos.

 

  1. As notícias que agora fazem manchete na mídia internacional reflectem o receio de um aumento nos preços de determinados produtos ao nível mundial, fruto da seca que varre diversos estados do Centro-Oeste dos Estados Unidos da América, e que já afecta cerca de 60% do território.

 

  1. Os produtos agrícolas que estão a ser mais atingidos pela estiagem norte-americana são o milho, a soja e o trigo que, por reflexo, vão deixando também as suas impressões digitais sobre as carnes e outros produtos. A persistir, a seca que assola os EUA poderá tornar-se a maior da sua história. Os EUA são o maior produtor mundial de grãos e responsável por 40% das “commodities” negociadas nos mercados de futuros.

 

  1. Por enquanto, ainda se fala numa descida dos preços da carne bovina no mercado interno norte-americano, mas que resulta do facto de os criadores de bovinos se estarem a desfazer dos seus rebanhos, por causa da subida do preço das rações, muito dependentes do milho e da soja. Porém, já para o próximo ano, com a redução da oferta de carne de bovino, assistir-se-á a uma subida dos seus preços. Pelo contrário, será ainda neste ano de 2012 que subirá o preço da carne de frango, de suínos, das gorduras e dos óleos.

 

  1. Fruto da crescente globalização das economias, a situação agrícola nos EUA levou ao agravamento, por exemplo, dos preços da soja nos mercados internacionais, uma “commodity” negociada em várias bolsas, com especial destaque para a Bolsa de Chicago.

 

  1. O impacto na economia mundial de um aumento do preço do milho pode se fazer sentir num conjunto muito vasto de produtos, de que serve como matéria-prima, tais como produtos de mercearia, etanol, ração para o gado, tintas, penicilina e outros medicamentos, pasta para os dentes, cosméticos, até mesmo na produção de alumínio. Terá, assim, um impacto no nível geral de inflação, baixará o poder de compra dos salários, dinamizará o movimento grevista, podendo desencadear pressões sociais de valor incalculável.

 

  1. Fala-se já na stocagem precipitada de grãos por parte de alguns países, com receio de que uma eventual carência possa fazer despoletar tensões sociais escondidas.

 

  1. Com a seca nos EUA, os preços de muitas outras “commodities” subirá, gerando ganhos aparentes para alguns países. Paralelamente, assistir-se-á à volatilidade desses mercados que serão objecto de fortes acções especulativas.

 

  1. É mesmo caso para dizer que embora a procissão ainda vá no adro, fica por demais evidente que este “resfriado” dos EUA vai pela certa desencadear uma “epidemia de gripe” ao nível global.

“QUANDO A AMÉRICA ESPIRRA O MUNDO APANHA GRIPE”


  1. Estamos na eminência de ver confirmado o aforismo segundo o qual “quando a América espirra o mundo apanha gripe”. O seu exemplo mais recente foi o de finais de 2007 e início de 2008, altura em que as principais bolsas de valores em todo o mundo se ressentiram da crise do sector imobiliário norte-americano que contaminou os principais centros financeiros mundiais, desde Nova York a Londres, passando por Paris, Frankfurt, Tóquio, Hong Kong, etc. De imediato, e para fazerem face à crise que se estendia, as autoridades estadunidenses e os principais bancos centrais, um pouco por todo o mundo, impuseram medidas que conseguiram limitar os impactos da crise. Porém, os principais índices bolsistas assinalaram perdas substanciais, afectando diversos sectores económicos.

 

  1. A economia mundial passou, assim, a viver uma das suas maiores odisseias, tanto do lado da procura como do lado da oferta, ressentindo-se, por exemplo, nos preços da energia (com o petróleo a baixar para patamares alarmantes), assim como nos preços dos bens alimentares, que atingiram valores proibitivos.

 

  1. As notícias que agora fazem manchete na mídia internacional reflectem o receio de um aumento nos preços de determinados produtos ao nível mundial, fruto da seca que varre diversos estados do Centro-Oeste dos Estados Unidos da América, e que já afecta cerca de 60% do território.

 

  1. Os produtos agrícolas que estão a ser mais atingidos pela estiagem norte-americana são o milho, a soja e o trigo que, por reflexo, vão deixando também as suas impressões digitais sobre as carnes e outros produtos. A persistir, a seca que assola os EUA poderá tornar-se a maior da sua história. Os EUA são o maior produtor mundial de grãos e responsável por 40% das “commodities” negociadas nos mercados de futuros.

 

  1. Por enquanto, ainda se fala numa descida dos preços da carne bovina no mercado interno norte-americano, mas que resulta do facto de os criadores de bovinos se estarem a desfazer dos seus rebanhos, por causa da subida do preço das rações, muito dependentes do milho e da soja. Porém, já para o próximo ano, com a redução da oferta de carne de bovino, assistir-se-á a uma subida dos seus preços. Pelo contrário, será ainda neste ano de 2012 que subirá o preço da carne de frango, de suínos, das gorduras e dos óleos.

 

  1. Fruto da crescente globalização das economias, a situação agrícola nos EUA levou ao agravamento, por exemplo, dos preços da soja nos mercados internacionais, uma “commodity” negociada em várias bolsas, com especial destaque para a Bolsa de Chicago.

 

  1. O impacto na economia mundial de um aumento do preço do milho pode se fazer sentir num conjunto muito vasto de produtos, de que serve como matéria-prima, tais como produtos de mercearia, etanol, ração para o gado, tintas, penicilina e outros medicamentos, pasta para os dentes, cosméticos, até mesmo na produção de alumínio. Terá, assim, um impacto no nível geral de inflação, baixará o poder de compra dos salários, dinamizará o movimento grevista, podendo desencadear pressões sociais de valor incalculável.

 

  1. Fala-se já na stocagem precipitada de grãos por parte de alguns países, com receio de que uma eventual carência possa fazer despoletar tensões sociais escondidas.

 

  1. Com a seca nos EUA, os preços de muitas outras “commodities” subirá, gerando ganhos aparentes para alguns países. Paralelamente, assistir-se-á à volatilidade desses mercados que serão objecto de fortes acções especulativas.

 

  1. É mesmo caso para dizer que embora a procissão ainda vá no adro, fica por demais evidente que este “resfriado” dos EUA vai pela certa desencadear uma “epidemia de gripe” ao nível global.

ASSIM SE MATA A DEMOCRACIA


  1. No dia 31 de Agosto, realizaram-se as esperadas eleições gerais, visando preencher os lugares dos deputados no Parlamento e eleger, indirectamente, o Presidente e o Vice-Presidente da República. Os resultados apurados dão vitória ao partido do governo, o MPLA, com cerca de 72%, contra pouco mais de 18% para o segundo classificado, a UNITA, e 6% para a CASA-CE, o terceiro melhor colocado. De um modo geral, os resultados eleitorais em nada me surpreendem, exceptuando, talvez, o “score” obtido pela UNITA, situado um pouco acima daquilo que se previa, pelas razões que, de seguida, aduzirei.

 

  1. Durante algum tempo, correu em Luanda o “mujimbo” de que o MPLA não estava interessado em repetir a “escandaleira eleitoral” de 2008, quando se apresentou ao público com a astronómica cifra de cerca de 82% dos votos apurados. Com um tal “score” a vitória do MPLA aproximou-o da também “retumbante vitória eleitoral” do regime de Hosni Mubarak, no Egipto, com 90% no escrutínio de 2005. O resultado de 2008 antecipou-se também aos cerca de 90% de votos obtidos por Ben Ali, na Tunísia. Recordo que esses dois regimes vieram depois a sucumbir diante das revoltas populares do início de 2011.

 

  1. A expressão da vitória eleitoral do MPLA em 2008 e, sobretudo, o modo como decorreram as eleições – cheias de atropelamentos – mancharam a imagem do poder, lançado também para a sarjeta a reputação das autoridades eleitorais a quem incumbiu conduzi-las.

 

  1. Foi com base no resultado eleitoral de 2008 que o regime conseguiu enviesar o percurso democrático que o país exercitava. Veio, de seguida, uma “Constituição Atípica”, elaborada com o propósito de acomodar devidamente a vontade política individual de quem dirige o partido vencedor dessas eleições.

 

  1. O resultado eleitoral de 2008 transformou os partidos da oposição com assento parlamentar em meros espectadores do debate político nacional, tirando-lhes a possibilidade de intervirem, de um modo eficaz, na definição dos rumos a seguir. Estavam, pois, criadas as condições fundamentais para um novo desastre político das oposições. Mas, o partido no poder optou por moderar um pouco o seu instinto leonino. De tal modo que a UNITA conta agora com mais deputados do que no período anterior, embora o PRS tenha sido duramente penalizado e a “grande estrela” das eleições de 2008, a Nova Democracia, se tenha afundado completamente, desaparecendo do Parlamento. Mesmo com menos alguns deputados, na realidade, o MPLA mantém capacidade para colocar o poder à sua inteira disposição, como o fez depois de 2008. Em substância, nada mudou.

 

  1. Em boa verdade, os resultados eleitorais de 2012 são o fruto do modo como o poder conseguiu “controlar” as oposições: limitou a movimentação política na maioria das províncias, utilizando, para tal, todos os instrumentos ao seu dispor, em especial o mecanismo da proibição de manifestações e outros actos públicos de massa; reforçou o controlo sobre os meios rurais, socorrendo-se, por exemplo, das autoridades administrativas locais (que são nomeadas), assim como dos sobas (a quem oferece bicicletas, motas e bens diversos); colocou a jogar a seu favor os órgãos policiais que deveriam servir para a repressão dos marginais, usando-os, não poucas vezes, contra quem pretendeu manifestar-se pacificamente; surgiram verdadeiras “milícias” para perseguir, prender e agredir quem conteste; determinados políticos da oposição deixaram-se seduzir; a comunicação social do Estado foi manipulada sem pudor, violando regras básicas de isenção; por compra e por outros meios de esvaziamento, vimos asfixiada a comunicação social privada, não restando, por isso, hoje, na mídia, quase nenhuma alternativa ao discurso oficial.

 

  1.  No processo de preparação das candidaturas às eleições, foram colocados inúmeros obstáculos no caminho das oposições: o recurso à propaganda intimidadora para condicionar os potenciais subscritores de partidos da oposição; agrediram-se activistas envolvidos na recolha de assinaturas; roubaram-se assinaturas em algumas províncias. Sem esquecer o condicionamento financeiro, com destaque para o atraso na entrega do subsídio estatal aos partidos concorrentes. O partido no poder não se coibiu ainda de beneficiar dos recursos do sector empresarial a quem está umbilicalmente ligado por laços de indisfarçável cumplicidade.

 

  1. A selecção das listas de candidaturas ficou manchada por inúmeras irregularidades, havendo suspeitas de terem sido introduzidos elementos estranhos na componente técnica do processo de avaliação das candidaturas. Foi, por exemplo, por meio deste expediente que se fez gorar as legítimas expectativas de alguns partidos políticos, entre os quais o Bloco Democrático.

 

  1. Na selecção das listas candidatas ficou por demais evidente o favorecimento de alguns concorrentes, partidos e coligações, sem história, sem qualquer reputação política, encaixados tão-somente para preencher espaço, confundir as mentes e descredibilizar as verdadeiras oposições. O papel destinado a tais formações políticas era o de dividir o eleitorado, o que veio a ser confirmado durante o período de campanha eleitoral, na qual as marionetas jamais esboçaram qualquer crítica ao poder. Essas falsas oposições vão agora, durante alguns anos, repousar num qualquer limbo. Dormirão um longo e profundo sono político para reaparecerem, talvez em 2017, com outras designações, repetindo, então, o papel ridículo que lhes será reservado.

 

  1. Contudo, as eleições de 2012 apresentam uma particularidade que vale a pena destacar: foram marcadas por um elevadíssimo nível de abstenção, contrariando a história das eleições anteriores, a de 1992 e a de 2008.

 

  1. Em 1992, a taxa de participação do eleitorado foi muito grande. Isso terá sido devido ao facto de termos saído de um regime de partido único e as pessoas terem, então, uma grande avidez de votar, uma enorme ansiedade de expressar a sua vontade de escolha do partido e do candidato presidencial da sua preferência. A afluência às urnas em 1992 foi imensa, dando a ideia de que a democracia representativa iria trilhar os melhores caminhos. Porém, foram frustradas as legítimas expectativas dos cidadãos com o emergir de uma nova guerra que dizimou inúmeras vidas e empobreceu o país até ao limite.

 

  1. Em 2008, mesmo com todos os obstáculos e manobras intimidadoras, o povo afluiu de novo às urnas numa percentagem bastante elevada, perto de 90%. Viu, porém, contrariadas as suas expectativas pelo modo fraudulento como foram subtraídos os seus votos. Por isso, o processo de 2008 criou frustrações e lançou o descrédito sobre os méritos da democracia. Houve, pois, quem se tenha aproveitado dele para aprisionar as liberdades democráticas.

 

  1. Verdadeiramente, o que agora marcará as eleições de 2012 é a grandeza da abstenção, situada em perto de 4 milhões de eleitores, número quase idêntico ao dos votos atribuídos ao MPLA.

 

  1. A análise do quadro eleitoral de 2012 perde interesse se deixarmos de dar o devido valor à abstenção. Os números da abstenção equiparam-se ao “score” do partido declarado vencedor.

 

  1. O MPLA faz gala de afirmar que possui acima de 5 milhões de militantes. Se isso é verdade, como, então, se explica que somente tenha tido cerca de 4 milhões de votos? O que foi feito aos mais de 1 milhão dos seus militantes que deixaram de votar em si? E será que todos quantos votaram no MPLA são militantes?

 

  1. Para onde terá ido parar o voto desse mais de 1 milhão de militantes? Ter-se-ão alguns deles passado para a UNITA, que quase dobrou a sua votação relativamente ao ano de 2008? Terão outros aderido ao discurso da CASA-CE, que açambarcou perto de 350.000 votos? Se o destino que tiveram foi esse, então o MPLA terá que repensar a sua estratégia, pois os votos que, em princípio, eram seus, passaram-se para outras mãos. Sobretudo, porque passaram para mãos tidas como inconvenientes.

 

  1. Estarão também entre os mais de 200.000 eleitores que optaram por colocar o boletim de voto na urna sem o preencher? Terá parte desses militantes/eleitores ficado em casa, preferindo nem votar no partido do seu “coração”? Essa questão não pode, pois, ser negligenciada pelo MPLA, pois significa que o “Partido do Coração” está a perder fôlego, deixou de “apaixonar os corações” de muitos dos seus militantes. E, como sabemos, quando a paixão perde força, o amor fenece. Um partido como o MPLA, que faz questão de repetir que se confunde com o povo, deverá preocupar-se com esta perda bastante significativa de parte do “seu povo”.

 

  1. E o que foi feito dos restantes cerca de 3 milhões de eleitores que não votaram? O que sucedeu com eles? Foram impedidos de votar? Que eu saiba, houve quem tenha visto a sua vida baralhada por causa da inaptidão da CNE. Esta instituição saiu-se bastante mal, pois misturou alhos com bugalhos… Na realidade, bem vistas as coisas, portou-se como um verdadeiro agente partidário.

 

  1. Penso que a questão da abstenção deve ser cuidadosamente analisada, em todas as suas dimensões e implicações, uma vez que ela pode ter por detrás razões de ordem técnica, mas pode, igualmente, ter uma forte componente política não negligenciável. Julgo, por exemplo, que muitos dos que optaram por ficar em casa, fizeram-no porque não se revêem nos partidos concorrentes. Alguns deles, talvez se revissem no Bloco Democrático e este, como sabem, foi pura e simplesmente barrado.

 

  1. É que, para ser dinâmica e atractiva, a democracia requer espaços de identificação. Na falta dessas referências, há sempre alguém que prefere ficar em casa… É assim, afinal, que se mata a democracia!

ASSIM SE MATA A DEMOCRACIA


  1. No dia 31 de Agosto, realizaram-se as esperadas eleições gerais, visando preencher os lugares dos deputados no Parlamento e eleger, indirectamente, o Presidente e o Vice-Presidente da República. Os resultados apurados dão vitória ao partido do governo, o MPLA, com cerca de 72%, contra pouco mais de 18% para o segundo classificado, a UNITA, e 6% para a CASA-CE, o terceiro melhor colocado. De um modo geral, os resultados eleitorais em nada me surpreendem, exceptuando, talvez, o “score” obtido pela UNITA, situado um pouco acima daquilo que se previa, pelas razões que, de seguida, aduzirei.

 

  1. Durante algum tempo, correu em Luanda o “mujimbo” de que o MPLA não estava interessado em repetir a “escandaleira eleitoral” de 2008, quando se apresentou ao público com a astronómica cifra de cerca de 82% dos votos apurados. Com um tal “score” a vitória do MPLA aproximou-o da também “retumbante vitória eleitoral” do regime de Hosni Mubarak, no Egipto, com 90% no escrutínio de 2005. O resultado de 2008 antecipou-se também aos cerca de 90% de votos obtidos por Ben Ali, na Tunísia. Recordo que esses dois regimes vieram depois a sucumbir diante das revoltas populares do início de 2011.

 

  1. A expressão da vitória eleitoral do MPLA em 2008 e, sobretudo, o modo como decorreram as eleições – cheias de atropelamentos – mancharam a imagem do poder, lançado também para a sarjeta a reputação das autoridades eleitorais a quem incumbiu conduzi-las.

 

  1. Foi com base no resultado eleitoral de 2008 que o regime conseguiu enviesar o percurso democrático que o país exercitava. Veio, de seguida, uma “Constituição Atípica”, elaborada com o propósito de acomodar devidamente a vontade política individual de quem dirige o partido vencedor dessas eleições.

 

  1. O resultado eleitoral de 2008 transformou os partidos da oposição com assento parlamentar em meros espectadores do debate político nacional, tirando-lhes a possibilidade de intervirem, de um modo eficaz, na definição dos rumos a seguir. Estavam, pois, criadas as condições fundamentais para um novo desastre político das oposições. Mas, o partido no poder optou por moderar um pouco o seu instinto leonino. De tal modo que a UNITA conta agora com mais deputados do que no período anterior, embora o PRS tenha sido duramente penalizado e a “grande estrela” das eleições de 2008, a Nova Democracia, se tenha afundado completamente, desaparecendo do Parlamento. Mesmo com menos alguns deputados, na realidade, o MPLA mantém capacidade para colocar o poder à sua inteira disposição, como o fez depois de 2008. Em substância, nada mudou.

 

  1. Em boa verdade, os resultados eleitorais de 2012 são o fruto do modo como o poder conseguiu “controlar” as oposições: limitou a movimentação política na maioria das províncias, utilizando, para tal, todos os instrumentos ao seu dispor, em especial o mecanismo da proibição de manifestações e outros actos públicos de massa; reforçou o controlo sobre os meios rurais, socorrendo-se, por exemplo, das autoridades administrativas locais (que são nomeadas), assim como dos sobas (a quem oferece bicicletas, motas e bens diversos); colocou a jogar a seu favor os órgãos policiais que deveriam servir para a repressão dos marginais, usando-os, não poucas vezes, contra quem pretendeu manifestar-se pacificamente; surgiram verdadeiras “milícias” para perseguir, prender e agredir quem conteste; determinados políticos da oposição deixaram-se seduzir; a comunicação social do Estado foi manipulada sem pudor, violando regras básicas de isenção; por compra e por outros meios de esvaziamento, vimos asfixiada a comunicação social privada, não restando, por isso, hoje, na mídia, quase nenhuma alternativa ao discurso oficial.

 

  1.  No processo de preparação das candidaturas às eleições, foram colocados inúmeros obstáculos no caminho das oposições: o recurso à propaganda intimidadora para condicionar os potenciais subscritores de partidos da oposição; agrediram-se activistas envolvidos na recolha de assinaturas; roubaram-se assinaturas em algumas províncias. Sem esquecer o condicionamento financeiro, com destaque para o atraso na entrega do subsídio estatal aos partidos concorrentes. O partido no poder não se coibiu ainda de beneficiar dos recursos do sector empresarial a quem está umbilicalmente ligado por laços de indisfarçável cumplicidade.

 

  1. A selecção das listas de candidaturas ficou manchada por inúmeras irregularidades, havendo suspeitas de terem sido introduzidos elementos estranhos na componente técnica do processo de avaliação das candidaturas. Foi, por exemplo, por meio deste expediente que se fez gorar as legítimas expectativas de alguns partidos políticos, entre os quais o Bloco Democrático.

 

  1. Na selecção das listas candidatas ficou por demais evidente o favorecimento de alguns concorrentes, partidos e coligações, sem história, sem qualquer reputação política, encaixados tão-somente para preencher espaço, confundir as mentes e descredibilizar as verdadeiras oposições. O papel destinado a tais formações políticas era o de dividir o eleitorado, o que veio a ser confirmado durante o período de campanha eleitoral, na qual as marionetas jamais esboçaram qualquer crítica ao poder. Essas falsas oposições vão agora, durante alguns anos, repousar num qualquer limbo. Dormirão um longo e profundo sono político para reaparecerem, talvez em 2017, com outras designações, repetindo, então, o papel ridículo que lhes será reservado.

 

  1. Contudo, as eleições de 2012 apresentam uma particularidade que vale a pena destacar: foram marcadas por um elevadíssimo nível de abstenção, contrariando a história das eleições anteriores, a de 1992 e a de 2008.

 

  1. Em 1992, a taxa de participação do eleitorado foi muito grande. Isso terá sido devido ao facto de termos saído de um regime de partido único e as pessoas terem, então, uma grande avidez de votar, uma enorme ansiedade de expressar a sua vontade de escolha do partido e do candidato presidencial da sua preferência. A afluência às urnas em 1992 foi imensa, dando a ideia de que a democracia representativa iria trilhar os melhores caminhos. Porém, foram frustradas as legítimas expectativas dos cidadãos com o emergir de uma nova guerra que dizimou inúmeras vidas e empobreceu o país até ao limite.

 

  1. Em 2008, mesmo com todos os obstáculos e manobras intimidadoras, o povo afluiu de novo às urnas numa percentagem bastante elevada, perto de 90%. Viu, porém, contrariadas as suas expectativas pelo modo fraudulento como foram subtraídos os seus votos. Por isso, o processo de 2008 criou frustrações e lançou o descrédito sobre os méritos da democracia. Houve, pois, quem se tenha aproveitado dele para aprisionar as liberdades democráticas.

 

  1. Verdadeiramente, o que agora marcará as eleições de 2012 é a grandeza da abstenção, situada em perto de 4 milhões de eleitores, número quase idêntico ao dos votos atribuídos ao MPLA.

 

  1. A análise do quadro eleitoral de 2012 perde interesse se deixarmos de dar o devido valor à abstenção. Os números da abstenção equiparam-se ao “score” do partido declarado vencedor.

 

  1. O MPLA faz gala de afirmar que possui acima de 5 milhões de militantes. Se isso é verdade, como, então, se explica que somente tenha tido cerca de 4 milhões de votos? O que foi feito aos mais de 1 milhão dos seus militantes que deixaram de votar em si? E será que todos quantos votaram no MPLA são militantes?

 

  1. Para onde terá ido parar o voto desse mais de 1 milhão de militantes? Ter-se-ão alguns deles passado para a UNITA, que quase dobrou a sua votação relativamente ao ano de 2008? Terão outros aderido ao discurso da CASA-CE, que açambarcou perto de 350.000 votos? Se o destino que tiveram foi esse, então o MPLA terá que repensar a sua estratégia, pois os votos que, em princípio, eram seus, passaram-se para outras mãos. Sobretudo, porque passaram para mãos tidas como inconvenientes.

 

  1. Estarão também entre os mais de 200.000 eleitores que optaram por colocar o boletim de voto na urna sem o preencher? Terá parte desses militantes/eleitores ficado em casa, preferindo nem votar no partido do seu “coração”? Essa questão não pode, pois, ser negligenciada pelo MPLA, pois significa que o “Partido do Coração” está a perder fôlego, deixou de “apaixonar os corações” de muitos dos seus militantes. E, como sabemos, quando a paixão perde força, o amor fenece. Um partido como o MPLA, que faz questão de repetir que se confunde com o povo, deverá preocupar-se com esta perda bastante significativa de parte do “seu povo”.

 

  1. E o que foi feito dos restantes cerca de 3 milhões de eleitores que não votaram? O que sucedeu com eles? Foram impedidos de votar? Que eu saiba, houve quem tenha visto a sua vida baralhada por causa da inaptidão da CNE. Esta instituição saiu-se bastante mal, pois misturou alhos com bugalhos… Na realidade, bem vistas as coisas, portou-se como um verdadeiro agente partidário.

 

  1. Penso que a questão da abstenção deve ser cuidadosamente analisada, em todas as suas dimensões e implicações, uma vez que ela pode ter por detrás razões de ordem técnica, mas pode, igualmente, ter uma forte componente política não negligenciável. Julgo, por exemplo, que muitos dos que optaram por ficar em casa, fizeram-no porque não se revêem nos partidos concorrentes. Alguns deles, talvez se revissem no Bloco Democrático e este, como sabem, foi pura e simplesmente barrado.

 

  1. É que, para ser dinâmica e atractiva, a democracia requer espaços de identificação. Na falta dessas referências, há sempre alguém que prefere ficar em casa… É assim, afinal, que se mata a democracia!

ASSIM SE MATA A DEMOCRACIA


  1. No dia 31 de Agosto, realizaram-se as esperadas eleições gerais, visando preencher os lugares dos deputados no Parlamento e eleger, indirectamente, o Presidente e o Vice-Presidente da República. Os resultados apurados dão vitória ao partido do governo, o MPLA, com cerca de 72%, contra pouco mais de 18% para o segundo classificado, a UNITA, e 6% para a CASA-CE, o terceiro melhor colocado. De um modo geral, os resultados eleitorais em nada me surpreendem, exceptuando, talvez, o “score” obtido pela UNITA, situado um pouco acima daquilo que se previa, pelas razões que, de seguida, aduzirei.

 

  1. Durante algum tempo, correu em Luanda o “mujimbo” de que o MPLA não estava interessado em repetir a “escandaleira eleitoral” de 2008, quando se apresentou ao público com a astronómica cifra de cerca de 82% dos votos apurados. Com um tal “score” a vitória do MPLA aproximou-o da também “retumbante vitória eleitoral” do regime de Hosni Mubarak, no Egipto, com 90% no escrutínio de 2005. O resultado de 2008 antecipou-se também aos cerca de 90% de votos obtidos por Ben Ali, na Tunísia. Recordo que esses dois regimes vieram depois a sucumbir diante das revoltas populares do início de 2011.

 

  1. A expressão da vitória eleitoral do MPLA em 2008 e, sobretudo, o modo como decorreram as eleições – cheias de atropelamentos – mancharam a imagem do poder, lançado também para a sarjeta a reputação das autoridades eleitorais a quem incumbiu conduzi-las.

 

  1. Foi com base no resultado eleitoral de 2008 que o regime conseguiu enviesar o percurso democrático que o país exercitava. Veio, de seguida, uma “Constituição Atípica”, elaborada com o propósito de acomodar devidamente a vontade política individual de quem dirige o partido vencedor dessas eleições.

 

  1. O resultado eleitoral de 2008 transformou os partidos da oposição com assento parlamentar em meros espectadores do debate político nacional, tirando-lhes a possibilidade de intervirem, de um modo eficaz, na definição dos rumos a seguir. Estavam, pois, criadas as condições fundamentais para um novo desastre político das oposições. Mas, o partido no poder optou por moderar um pouco o seu instinto leonino. De tal modo que a UNITA conta agora com mais deputados do que no período anterior, embora o PRS tenha sido duramente penalizado e a “grande estrela” das eleições de 2008, a Nova Democracia, se tenha afundado completamente, desaparecendo do Parlamento. Mesmo com menos alguns deputados, na realidade, o MPLA mantém capacidade para colocar o poder à sua inteira disposição, como o fez depois de 2008. Em substância, nada mudou.

 

  1. Em boa verdade, os resultados eleitorais de 2012 são o fruto do modo como o poder conseguiu “controlar” as oposições: limitou a movimentação política na maioria das províncias, utilizando, para tal, todos os instrumentos ao seu dispor, em especial o mecanismo da proibição de manifestações e outros actos públicos de massa; reforçou o controlo sobre os meios rurais, socorrendo-se, por exemplo, das autoridades administrativas locais (que são nomeadas), assim como dos sobas (a quem oferece bicicletas, motas e bens diversos); colocou a jogar a seu favor os órgãos policiais que deveriam servir para a repressão dos marginais, usando-os, não poucas vezes, contra quem pretendeu manifestar-se pacificamente; surgiram verdadeiras “milícias” para perseguir, prender e agredir quem conteste; determinados políticos da oposição deixaram-se seduzir; a comunicação social do Estado foi manipulada sem pudor, violando regras básicas de isenção; por compra e por outros meios de esvaziamento, vimos asfixiada a comunicação social privada, não restando, por isso, hoje, na mídia, quase nenhuma alternativa ao discurso oficial.

 

  1.  No processo de preparação das candidaturas às eleições, foram colocados inúmeros obstáculos no caminho das oposições: o recurso à propaganda intimidadora para condicionar os potenciais subscritores de partidos da oposição; agrediram-se activistas envolvidos na recolha de assinaturas; roubaram-se assinaturas em algumas províncias. Sem esquecer o condicionamento financeiro, com destaque para o atraso na entrega do subsídio estatal aos partidos concorrentes. O partido no poder não se coibiu ainda de beneficiar dos recursos do sector empresarial a quem está umbilicalmente ligado por laços de indisfarçável cumplicidade.

 

  1. A selecção das listas de candidaturas ficou manchada por inúmeras irregularidades, havendo suspeitas de terem sido introduzidos elementos estranhos na componente técnica do processo de avaliação das candidaturas. Foi, por exemplo, por meio deste expediente que se fez gorar as legítimas expectativas de alguns partidos políticos, entre os quais o Bloco Democrático.

 

  1. Na selecção das listas candidatas ficou por demais evidente o favorecimento de alguns concorrentes, partidos e coligações, sem história, sem qualquer reputação política, encaixados tão-somente para preencher espaço, confundir as mentes e descredibilizar as verdadeiras oposições. O papel destinado a tais formações políticas era o de dividir o eleitorado, o que veio a ser confirmado durante o período de campanha eleitoral, na qual as marionetas jamais esboçaram qualquer crítica ao poder. Essas falsas oposições vão agora, durante alguns anos, repousar num qualquer limbo. Dormirão um longo e profundo sono político para reaparecerem, talvez em 2017, com outras designações, repetindo, então, o papel ridículo que lhes será reservado.

 

  1. Contudo, as eleições de 2012 apresentam uma particularidade que vale a pena destacar: foram marcadas por um elevadíssimo nível de abstenção, contrariando a história das eleições anteriores, a de 1992 e a de 2008.

 

  1. Em 1992, a taxa de participação do eleitorado foi muito grande. Isso terá sido devido ao facto de termos saído de um regime de partido único e as pessoas terem, então, uma grande avidez de votar, uma enorme ansiedade de expressar a sua vontade de escolha do partido e do candidato presidencial da sua preferência. A afluência às urnas em 1992 foi imensa, dando a ideia de que a democracia representativa iria trilhar os melhores caminhos. Porém, foram frustradas as legítimas expectativas dos cidadãos com o emergir de uma nova guerra que dizimou inúmeras vidas e empobreceu o país até ao limite.

 

  1. Em 2008, mesmo com todos os obstáculos e manobras intimidadoras, o povo afluiu de novo às urnas numa percentagem bastante elevada, perto de 90%. Viu, porém, contrariadas as suas expectativas pelo modo fraudulento como foram subtraídos os seus votos. Por isso, o processo de 2008 criou frustrações e lançou o descrédito sobre os méritos da democracia. Houve, pois, quem se tenha aproveitado dele para aprisionar as liberdades democráticas.

 

  1. Verdadeiramente, o que agora marcará as eleições de 2012 é a grandeza da abstenção, situada em perto de 4 milhões de eleitores, número quase idêntico ao dos votos atribuídos ao MPLA.

 

  1. A análise do quadro eleitoral de 2012 perde interesse se deixarmos de dar o devido valor à abstenção. Os números da abstenção equiparam-se ao “score” do partido declarado vencedor.

 

  1. O MPLA faz gala de afirmar que possui acima de 5 milhões de militantes. Se isso é verdade, como, então, se explica que somente tenha tido cerca de 4 milhões de votos? O que foi feito aos mais de 1 milhão dos seus militantes que deixaram de votar em si? E será que todos quantos votaram no MPLA são militantes?

 

  1. Para onde terá ido parar o voto desse mais de 1 milhão de militantes? Ter-se-ão alguns deles passado para a UNITA, que quase dobrou a sua votação relativamente ao ano de 2008? Terão outros aderido ao discurso da CASA-CE, que açambarcou perto de 350.000 votos? Se o destino que tiveram foi esse, então o MPLA terá que repensar a sua estratégia, pois os votos que, em princípio, eram seus, passaram-se para outras mãos. Sobretudo, porque passaram para mãos tidas como inconvenientes.

 

  1. Estarão também entre os mais de 200.000 eleitores que optaram por colocar o boletim de voto na urna sem o preencher? Terá parte desses militantes/eleitores ficado em casa, preferindo nem votar no partido do seu “coração”? Essa questão não pode, pois, ser negligenciada pelo MPLA, pois significa que o “Partido do Coração” está a perder fôlego, deixou de “apaixonar os corações” de muitos dos seus militantes. E, como sabemos, quando a paixão perde força, o amor fenece. Um partido como o MPLA, que faz questão de repetir que se confunde com o povo, deverá preocupar-se com esta perda bastante significativa de parte do “seu povo”.

 

  1. E o que foi feito dos restantes cerca de 3 milhões de eleitores que não votaram? O que sucedeu com eles? Foram impedidos de votar? Que eu saiba, houve quem tenha visto a sua vida baralhada por causa da inaptidão da CNE. Esta instituição saiu-se bastante mal, pois misturou alhos com bugalhos… Na realidade, bem vistas as coisas, portou-se como um verdadeiro agente partidário.

 

  1. Penso que a questão da abstenção deve ser cuidadosamente analisada, em todas as suas dimensões e implicações, uma vez que ela pode ter por detrás razões de ordem técnica, mas pode, igualmente, ter uma forte componente política não negligenciável. Julgo, por exemplo, que muitos dos que optaram por ficar em casa, fizeram-no porque não se revêem nos partidos concorrentes. Alguns deles, talvez se revissem no Bloco Democrático e este, como sabem, foi pura e simplesmente barrado.

 

  1. É que, para ser dinâmica e atractiva, a democracia requer espaços de identificação. Na falta dessas referências, há sempre alguém que prefere ficar em casa… É assim, afinal, que se mata a democracia!

SERÁ QUE SOMOS MESMO ESPECIAIS?


  1. Em 2009, o então Presidente da Tunísia, Zine Al-Abdine Ben Ali, foi declarado vencedor das eleições com cerca de 90% dos votos válidos - o que lhe dava o direito a permanecer no poder durante mais cinco anos que, somados aos 22 anos que já levava, lhe dariam a “bonita” cifra de 27 anos. Ele ascendeu ao poder em 1987, quando substituiu o primeiro Presidente do país, Habib Bourguiba Jr.

 

  1. Habib Bourguida Jr. dirigiu a Tunísia desde 1956 (durante este ano, apenas como Primeiro-ministro) altura em que resgatara a independência do país à potência colonial, a França.

 

  1. Deve-se a Habib Bourguiba a secularização do Estado, assim como a promoção dos direitos das mulheres. De certa forma, também, deve-se também a ele a adopção de um modelo ocidentalizado para o país sem, porém, o fazer perder as suas características muçulmanas e islâmicas. Habib Bourguiba foi vítima de uma crise económica que gerou conflitos internos e que levou a que o seu Primeiro-ministro, Zine Al-Abdine Ben Ali, o depusesse, com o apoio do Exército. Contava, então, 84 anos de idade. Entre outras coisas, ele não percebeu bem que tudo tem o seu tempo…

 

  1. Recordo-me que a substituição de Habib Bourguiba por Zine Al-Abdine Ben Ali gerou alguma esperança de uma futura introdução de reformas democráticas no país – o que não aconteceu. À semelhança da generalidade dos regimes árabes, o Presidente Ben Ali resistiu à introdução de verdadeiras reformas democráticas.

 

  1. A 14 de Janeiro de 2011, e após um mês de protestos de rua contra o seu governo, o Presidente Zine Al-Abdine Ben Ali viu-se forçado a renunciar ao cargo e refugiou-se com a mulher, Leila, na Arábia Saudita. O governo de Ben Ali, derrubado por uma revolta popular, era bastante corrupto, repressivo, conhecido por cercear as liberdades civis.

 

  1. O rastilho para a onda de violência que se espalhou pelo país foi a auto imolação, na cidade de Sidi Bouzid, de Mohamed Bouazizi, um jovem de 26 anos de idade, que fora maltratado pela polícia quando procedia à venda de frutas e legumes na sua barraca de rua. Um acto de desespero que estimulou o surgimento de passeatas por toda a região, chegando, depois, à capital. A população aproveitou bem o pretexto também para se indignar publicamente contra a subida dos preços e contra o desemprego. Passou a exigir o fim do regime despótico.

 

  1. Embora tenham sucumbido mais de 100 pessoas, a revolução na Tunísia ficou para a história com a designação de “Revolução de Jasmim”, a flor que é símbolo nacional. A mola motora da revolução foi a juventude. O papel das jovens mulheres tunisinas foi determinante. Afinal, ao promover os direitos da mulheres, Habib Bourguiba Jr. lançara para a terra uma semente que germinou e que veio a  dar os seus frutos…

 

  1. A Tunísia é tida como um país árabe com características peculiares que o aproximam dos países europeus. Possui uma classe média significativa, com uma cultura liberal. O seu rendimento per capita é relativamente elevado.

 

  1. Os resultados eleitorais de 2009, que deram uma expressiva vitória a Zine Al-Abdine Ben Ali, eram apenas uma ilusão de óptica... Ficou provado que, quando a glória é falsa, inevitavelmente, advém uma catástrofe.

 

  1. Os seguidores de Ben Ali, “o resto da matilha”, como diz o povo, “está em processo de reciclagem dentro das diversas formações políticas”. Seguramente, espreitam outra oportunidade para fazerem das suas… Foi o Egipto que seguiu o exemplo da Tunísia.

 

  1. Onze dias depois da queda de Zine Al-Abdine Ben Ali, no dia 25 de Janeiro de 2011, inicia-se também uma revolta popular no Egipto que culmina com a renúncia do ditador Hosni Mubarak, a 11 de Fevereiro, após 18 dias de protestos.

 

  1. Tal como com Zine Al-Abdine Ben Ali (mas em 2005), Hosni Mubarak fora igualmente reeleito com cerca de 90% dos votos validados, numa votação em que somente 25% dos eleitores realmente participaram. Posteriormente, após a sua queda, veio a saber-se que o “score” de 90% nem correspondia a 50%. Fora uma farsa eleitoral, numa cópia que é muito querida aos ditadores. Por norma, os ditadores fazem-se eleger com percentagens astronómicas, manipuladas e enganadoras.

 

  1. O substituto de Hosni Mubarak, Mohamed Mursi, candidato da Irmandade Muçulmana, na segunda volta das presidenciais de 2012, derrotou Ahmed Shafik (antigo Primeiro-ministro de Hosni Mubarak) com 51,73% dos votos, em eleições tidas como amplamente participadas.

 

  1. Mesmo que inicialmente contestadas, as recentes eleições no Egipto já apresentam semelhanças com as suas congéneres nos países democráticos.

 

  1. Quando, em regimes ditatoriais ou autocráticos, os resultados eleitorais se apresentam tão empolados, há que desconfiar deles. Alguma coisa de errado se está a passar e, depois, tudo pode acontecer… Um maior cuidado ainda deve haver, quando os níveis da abstenção são elevados.

 

  1. A tendência dos poderes instalados em regimes não democráticos é de olharem apenas para o percentual eleitoral que lhes é atribuído. Até se vangloriam se as oposições ficam quilometricamente distanciadas.

 

  1. É o nível atingido pela abstenção que indicia o grau de satisfação política do povo, o modo como ele avalia o sistema e o regime político. Por precaução, se a abstenção é demasiado grande, devemos fazer disparar os sinais de alarme…

 

  1. Por exemplo, em Angola, tivemos, no dia 31 de Agosto, eleições para preencher os lugares dos deputados no Parlamento e eleger, indirectamente, o Presidente e o Vice-Presidente da República. Os resultados apurados dão uma vitória ao partido do governo – o MPLA – de cerca de 72%; contra pouco mais de 18% para o segundo classificado, a UNITA; e 6% para a CASA-CE, o terceiro melhor colocado.

 

  1. Vamos partir do princípio que aceitamos os dados apresentados pelo Censo Eleitoral exibidos no “site” da CNE, que aponta para uma cifra de 9.757.671 eleitores. Tendo em conta que o MPLA terá recebido pouco mais de 4 milhões de votos, então é fácil concluir que o grande vencedor do acto eleitoral de 31 de Agosto foi, realmente, alguém a quem se poderia chamar “Partido da Abstenção”. Para este “Partido” deveriam contabilizar-se não apenas os eleitores que não foram votar, bem como os que, tendo mesmo ido às Assembleias de Voto, optaram por colocar o seu boletim dentro da urna sem assinalar alguma preferência.

 

  1. O acto de não ir votar pode ser interpretado de várias maneiras. Algumas delas podem ser chamadas de “razões técnicas”. Mas, se as “razões técnicas” são assim tão grandes, podemos, pois, concluir que tinham razão os que apelaram publicamente para que a eleição fosse adiada por alguns dias, para se corrigirem as falhas da CNE. Não foram ouvidos, e julgo mesmo que foram muito mal interpretados. O resultado está agora aqui e bem espelhado.

 

  1. Mas, se os dados do Censo Eleitoral em posse da CNE não estão correctos, se estão empolados, é lógico tem que se deve dar razão aos que, na devida altura, questionaram a qualidade do FICRE. Quer dizer que o FICRE não só não serviu de instrumento de orientação eleitoral (para a definição das Listas) bem como, em momento anterior, serviu para definir quem realmente estava em condições de concorrer às eleições. Poderemos, pois, concluir que o processo de selecção dos partidos e coligações concorrentes não passou de uma farsa.

 

  1. Há ainda que fazer uma análise da própria abstenção, desagregando-a por Províncias. Quem pode, por exemplo, em consciência, cantar vitória e assumir legitimidade democrática, quando na principal praça eleitoral do país, Luanda, o nível da abstenção atingiu a astronómica percentagem de 41,7%? E na segunda praça eleitoral, a Huíla, 42%?

 

  1. Eu sei que, tecnicamente, o “voto em branco” não é considerado abstenção. Mas, na prática, o significado é o mesmo, uma vez que quem vai ao local do voto e coloca o seu boletim de voto em branco, está a querer passar a mensagem de que não escolheu nenhuma das listas candidatas presentes. Votou mas não escolheu. Disse que não confia em ninguém aí presente. É, afinal, uma forma mais requintada de protesto.

 
Gostaria ainda que me explicassem uma coisa simples: Como se explica que alguém que diz ter mais de 5 milhões de militantes obteve apenas 4 milhões de votos. E os outros votos, para onde foram? Para outros partidos? Para o “lixo” do “Partido da Abstenção? E mais ainda: Será que os 4 milhões de votos são todos de militantes? Se são todos de militantes, então é preciso repensar o conceito de “militante”. É que, nas democracias há, geralmente, poucos militantes e muitos mais votantes. A não ser que aqui seja diferente porque, como alguém já disse, “nós somos especiais”…