terça-feira, 28 de julho de 2009

NOBRE DIAS - DIGNIDADE, LHANEZA DE CARÁCTER

1. Lá se foi mais uma das minhas referências: Nobre Ferreira Pereira Dias. Até Sexta-Feira, dia 17 de Julho, mantinha-se vivo. Era um dos sobreviventes de entre os pouco mais de 100 angolanos que passaram pelo Campo de Concentração do Tarrafal. Agora, já somos menos um, pois está a ser cumprido o sentido inexorável da vida: a morte.

2. Estamos todos de passagem pela vida, mesmo que a vivamos com uma maior ou menor intensidade; mesmo que emprestemos à nossa existência uma cadência mais rápida ou um ritmo mais compassado; mesmo que nos tenhamos tornado actores de grandes feitos ou simples e obscuros figurantes. Estamos sempre em transição a caminho de algo que desconhecemos…

3. Quando cheguei ao Tarrafal, para cumprir pena de prisão, o Nobre Dias tinha saído pouco tempo antes. Os meus dados dão-no como tendo sido libertado no dia 19 de Novembro de 1969. Saíra de Cabo Verde com destino a Benguela.

4. A sua viagem para o Tarrafal foi épica. Com os seus companheiros de caminhada foram instalados em tendas, na Ilha do Sal, enquanto aguardavam o embarque para o Tarrafal. Entrou no Campo a 26 de Fevereiro de 1962. Escutei da sua boca, e também de outros sobreviventes, os pormenores desta narrativa, aquando do Simpósio Internacional sobre o Tarrafal, que decorreu entre finais de Abril e início de Maio deste ano.

5. Nessa altura, convivi de perto com o Nobre Dias, mesmo que já soubesse do seu percurso. Foram o Luandino Vieira, António Jacinto, António Cardoso que me ilustraram sobre o homem que depois vim a conhecer. Eles falavam do Nobre Dias com carinho e admiração. O seu carácter, sobretudo, a sua bondade, o seu espírito apaziguador de conflitos… E assim eu coloquei o Nobre Dias no meu “panteão”, o local da memória onde eu acolho os que contribuíram para a formação do meu carácter, para a criação dos alicerces da minha personalidade. Não muitos, mas são o número bastante para eu sentir que sou um fruto de várias confluências.

6. Quando regressei do Simpósio do Tarrafal – ainda não se completaram 3 meses – eu escrevi um texto onde expus claramente o respeito que nutro por todos os tarrafalistas, o meu carinho e saudade por todos quantos foram para ali mandados como uma sanção pelas suas acções e, sobretudo, pelas suas convicções. Hoje, fazem parte do meu ser e deram sentido à minha existência. Uns foram meus companheiros de tempo, outros meus companheiros sem tempo. Mas fomos todos, mesmo que de várias gerações, actores de um drama que durou, para alguns pelo menos, uma eternidade...

7. Nesse texto, a dado passo, eu dizia: “No Simpósio Internacional sobre o Tarrafal, ainda foi possível conviverem sobreviventes das cinco gerações de tarrafalistas, de diversas adesões políticas, actores plenos do processo de libertação nacional. O grupo que chegou em 1962, aquele que motivou o ataque às prisões de Luanda, em 1961, já tem poucos sobreviventes, muitos deles com enormes debilidades físicas, demasiado vergados pelos longos anos. Mas, foi bom vê-los, recordando o espírito da sua época, as suas epopeias que a história deve registar: João Fialho da Costa, João Lopes Teixeira, Nobre Dias, Manuel Lisboa Santos, Beto Van-Dúnem. Também o eterno jovem Amadeu Amorim, pleno de saúde, prenhe de lembranças dos anos passados entre grades. Revivemos histórias de circunstância… Também o Luandino Vieira, com mais algumas dezenas de anos em cima, mas tão lúcido e bem-humorado como o conheci no Tarrafal”.

8. Nobre Dias foi Pastor evangélico, professor, nacionalista convicto e homem com princípios. Nutria um grande amor pelo nosso povo. Tive a felicidade de conversar com ele, assim como com alguns dos que ainda sobram das cinco gerações de tarrafalistas que se engajaram na nossa luta de libertação nacional. Sinto que o Tarrafal nos uniu de um modo indestrutível. O Tarrafal forjou uma aliança que vence o tempo e derruba todas as barreiras. O Tarrafal foi o espaço da partilha do sonho, de onde não se sabia se, algum dia, sairíamos.

9. O espírito de unidade e solidariedade que prevaleceu no Tarrafal faz-nos hoje, e com enorme facilidade, desvalorizar as origens, remeter para plano secundário as diferenças de pensamento, transforma as filiações partidárias em coisas de somenos importância. Por isso, nós, os tarrafalistas, reconhecemo-nos bem na nossa diversidade. E aceitámo-la com elegância e espírito de irmandade.

10. Em casa, no seio familiar, ouvi falar de muitos desses homens de boa têmpera que hoje fazem o percurso descendente da vida – esses homens que já fenecem a um ritmo que me causa melancolia. Alguns que conheci pessoalmente, eram amigos de casa, eram gente da nossa intimidade, faziam parte da nossa plêiade. Faziam o seu percurso de oposição a Salazar e ao regime colonial. Deles, em parte, herdei o espírito rebelde e a vontade de lutar pelas causas em que acredito. Depois, tomei em mãos as suas referências. Espero não os ter desapontado.

Das duas vezes que tomou a palavra em público – uma dentro da sala do Colóquio, outra num jantar oferecido pela nossa Ministra da Cultura, Rosa Cruz e Silva – o Nobre Dias foi um verdadeiro “nobre”. Falou sempre com moderação e sapiência. Evidenciou regras, valores e princípios. Em África, aos homens assim, chamamos Um Mais-Velho. Tinha, pois, razão Mário Pinto de Andrade quando disse: “Em África, o Mais-Velho é uma autoridade”. O Nobre Dias era, sim, um símbolo de dignidade, lhaneza de carácter. Era uma autoridade…

quarta-feira, 22 de julho de 2009

JORNALISTAS DE INVESTIGAÇÃO

1. Eis aqui mais uma notícia tremendamente chocante: “Activista russa assassinada no Cáucaso”. Coube agora a vez a Natália Estemirova, jornalista r activista dos direitos humanos, engajada numa profunda investigação sobre centenas de casos de raptos, torturas e execuções extrajudiciais levados a cabo contra civis, por militares russos e forças paramilitares na Tchetchénia. Foi raptada junto de sua casa; depois, foi executada. O seu corpo apareceu, com tiros na cabeça e no peito, numa das repúblicas vizinhas, a Ingushétia.

2. Natália Estemirova trabalhava para a ONG “Memorial”. Por diversas vezes, fora distinguida com prémios internacionais, pelo seu labor em favor dos direitos humanos. Recebera, por exemplo, o “Prémio Robert Schuman dos direitos humanos”, atribuído, em 2007, pelo Parlamento Europeu; em 2004, merece o “Prémio Nobel Alternativo”, criado pelo Parlamento Sueco; também o “Prémio Anna Politkovskaia”, criado pelas mulheres laureadas com Prémios Nobel, atribuído a activistas de direitos humanos em áreas de conflito. Natália Estemirova era, pois, uma defensora de causas nobres, era alguém que se preocupava com a existência de um mundo mais justo, mais equilibrado, mais humanizado.

3. Com ela, repetiu-se assim, três anos depois, o destino dado à Ana Politkovzkaia, também jornalista russa, assassinada em 2006, em Moscovo, quando investigava crimes cometidos por militares na Tchetchénia. Natália e Anna trabalharam juntas. Tiveram o mesmo destino que outros seus colegas de investigação, o prestigiado advogado russo Stanislav Markelov e a jornalista Anastácia Barbulova, igualmente abatidos quando saíam de uma conferência de imprensa onde aquele acabara de criticar a libertação de um coronel do Exército russo acusado da violação e morte por estrangulamento de uma jovem tchethena de 18 anos de idade. A jovem jornalista, Anastácia Barbulova, de apenas 25 anos de idade, trabalhava para a mesma publicação de Anna Politkovzkaia, a Novskaya Gazeta, muito crítica em relação a Vladimir Putin e Dmitry Medvedev.

4. Estes são relatos que nos mostram o quão difícil é a profissão de jornalista (e de advogado), sobretudo, quando se investigam casos que põe em causa a imagem e a credibilidade dos poderosos. É assim na Rússia. Mas, será também em outras partes do mundo, lá onde não mora a cultura e a tradição democrática, lá onde os poderes políticos, militares e económicos ainda assentam sobre os alicerces de um passado totalitário e intolerante. Todos estes crimes tiveram um denominador comum: fazia-se investigação jornalística sobre a actuação das tropas russas e paramilitares em território tchetcheno.

5. Natália Estemirova morreu aos 50 anos de idade – foi barbaramente assassinada. O seu caso, e os dos seus colegas, fazem-me agora recuar no tempo, 35 anos na história, quando, a 8 de Agosto de 1974, o então presidente norte-americano, o republicano Richard Nixon, foi obrigado a renunciar ao cargo, vítima daquele que ficou para a história como “O Caso Watergate”.

6. Os protagonistas foram os jornalistas norte-americanos Bob Woodward e Carl Bernstein, ambos do jornal Washington Post. Foram eles que denunciaram as escutas ilegais mandadas fazer por Richard Nixon à sede de campanha do Partido Democrata, o Edifício Watergate, em Washington. A investigação levou-os aos cinco ex-membros da CIA, encarregues de realizar espionagem electrónica para descobrir informações sobre a campanha democrata. Para tal, beneficiaram da colaboração de um agente do FBI, Mark Felt, que ficou para sempre conhecido como o “Garganta Funda”. Mark Felt revelou o seu segredo mais de 30 anos depois.

7. Bob Woodward e Carl Bernstein foram distinguidos com o “Prémio Pulitzer”, pelo contributo relevante que deram ao jornalismo. Hoje, Bob Woodward tem 66 anos de idade e continua a fazer jornalismo investigativo. Escreveu livros sobre os bastidores das guerras do Iraque e Afeganistão. Carl Bernstein, com 65 anos de idade, continua no activo, e foi Professor da Universidade de Nova Iorque. O agente do FBI que ajudou a deslindar o “Caso Watergate”, Mark Felt, “O Garganta Funda” viveu até aos 95 anos. Morreu em Dezembro de 2008.

8. Nenhum dos três americanos foi assassinado. Sê-lo-iam, seguramente, se o destino os tivesse feito russos. Teriam merecido a sorte de Anna Politkovzkaia, Stanislav Markelov, Anastácia Barbulova e, agora, de Natália Estemirova, equivalentes russos do nosso Ricardo Melo e também do moçambicano Carlos Cardoso… Também silenciados por saberem demais. Assassinados com uma clara e inequívoca precisão cirúrgica…

quarta-feira, 15 de julho de 2009

O ÚLTIMO SUSPIRO DO G8

1. A reunião do G8 – o grupo dos 7 países mais industrializados do mundo, mais a Rússia – causou uma enorme expectativa, pois que se esperavam resultados positivos sobre determinados problemas que afligem a actualidade internacional. Ela foi antecedida, em Moscovo, de um encontro bilateral entre o presidente norte-americano, Barack Obama, e o seu homólogo russo, Dmitri Medvedev, no qual acordaram eliminar cerca de 1 milhar de ogivas do actual arsenal nuclear. Os dois estadistas remeteram, porém, para discussões futuras, a questão da instalação, ou não, de um escudo anti-míssil norte-americano na Polónia e na República Checa. Os norte-americanos alegam a necessidade de prevenir um eventual ataque vindo do Irão ou da Coreia do Norte.

2. A reunião do G8 valeu por tudo, mas muito em especial porque Angola esteve presente, como convidada, na pessoa do presidente Eduardo dos Santos. A figura dos convidados é uma prática de há alguns anos a esta parte, e muitos dos convidados são-no já com certa regularidade.

3. Essa cúpula de países realiza-se desde 1975, quando o antigo presidente francês, Valéry Giscard d’Estaing, decidiu reunir em Rambouillet, perto de Paris, os chefes de Estado e de governo da Alemanha, EUA, Japão, Itália e Reino Unido. Ele queria, pois, proporcionar uma discussão franca, aberta e sem protocolos, das principais questões mundiais. O Canadá juntou-se ao grupo em 1976. No ano de 1998, foi a vez da Rússia adquirir o estatuto de membro de pleno direito, muito embora já frequentasse o conclave com a qualidade de observador, desde o início da década de 1990. Com esta entrada nasceu, pois, o G8, um grupo cada vez mais posto em causa, por uma denunciada falta de legitimidade para tomar decisões sobre determinadas questões de interesse internacional.

4. Ainda há dias, Celso Amorim, Ministro das Relações Exteriores do Brasil, afirmou taxativamente, no Instituto de Estudos Políticos de Paris, por ocasião da comemoração dos dez anos do Mercosul, que o G8 não representa mais nada, e que o seu enterro poderia ocorrer lentamente. Tal como outras individualidades internacionais já o tenham feito, Celso Amorim apontou as economias da China, Brasil e Índia como tendo presentemente um impacto sobre a economia mundial maior do que certos Estados integrantes do G8. Por isso, defendeu que faz mais sentido um G20 do que o clube restrito do G8.

5. Recordo que, ao apercebe-se da profundidade da actual crise económica e financeira mundial, o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, reuniu em Londres um amplo leque de países para, em conjunto, congregarem esforços capazes de a debelar. Compareceram os supostamente mais potentes do mundo, mas também as denominadas economias emergentes, e outros actores de importância regional. Não se tratou, pois, de um encontro das 20 economias mais desenvolvidas do mundo – como erradamente se poderá pensar. Era, sim, uma “poole” de Estados capazes de discutir com propriedade temas de amplo espectro, como o relançamento do crescimento económico, o comércio mundial no quadro da OMC (Organização Mundial de Comércio), a reconfiguração das instituições financeiras multilaterais – Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional –, a luta contra a pobreza e o apoio aos países mais débeis, a emigração ilegal, a matriz energética, as alterações climáticas e o risco que representam para a sobrevivência do nosso planeta, etc.

6. O G20 integra países como o Brasil, Índia, China, África do Sul, México; Coreia do Sul, Argentina, Austrália, Indonésia, Arábia Saudita, Turquia, União Europeia; EUA, Canadá, Japão, Alemanha, Reino Unido, Itália, França e a Rússia. São, portanto, 19 Estados mais uma entidade supra-estatal, a União Europeia. Os cinco primeiros Estados constituem o hoje denominado G5. Alguns destes 5 países são já actores globais e têm participado como convidados nas reuniões do G8, reivindicando mesmo, um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.

7. Tinha razão Celso Amorim quando disse que o G8 tinha os seus dias contados, pois, nesta reunião agora terminada tomou-se a decisão do seu alargamento a mais 6 Estados, os do G5 mais o Egipto.

8. A iniciativa do convite ao presidente da República de Angola, Eduardo dos Santos, para estar presente no encontro do G8, em L’Aquila, partiu do primeiro-ministro italiano, Sílvio Berlusconi. Elaborar a lista dos convidados é uma prerrogativa do país que preside o grupo e que é a sede da reunião. A ele também compete a definição da agenda de trabalhos.

9. A reunião de L’Aquila, a 35ª da história, tem a particularidade de contar com um número recorde de Estados africanos. Julgo que por razões perfeitamente compreensíveis: i) há toda a urgência em estimular o desenvolvimento destes países; ii) tem que se buscar uma fórmula adequada para frenar a crescente emigração ilegal de africanos para a Europa; iii) urge lutar contra a pobreza e as grandes endemias, em especial o HIV, Malária e Tuberculose; iv) uma maior coordenação de esforços para a resolução dos vários conflitos internos nos nossos países, alguns deles com sérias implicações regionais; v) o peso crescente dos Estados africanos no fornecimento mundial de petróleo.

10. O conclave permitiu chegar-se a consenso em matérias como: i) redução das emissões de dióxido de carbono em 80% até ao ano 2050, para os países do G8; ii) redução da temperatura média planetária em dois graus centígrados – o que terá profundas implicações na negociação do acordo que irá substituir o Protocolo de Quioto, que expira em 2012; iii) reforço da ajuda aos países mais pobres, para o combate à fome e garantir a segurança alimentar; iv) esforço conjunto para garantir o acesso à água e à higiene nos países africanos; v) combate ao narcotráfico e à pirataria em África; vi) desenvolvimento dos sistemas de saúde no nosso continente; etc.

11. Não se chegou, porém, a acordo em matérias como: i) definição de uma estratégia global para a saída da crise económica, dadas as posições discordantes entre o modelo americano (adepto da continuação da injecção de fundos públicos para reanimar a economia), e o modelo defendido pela chanceler alemã, Angela Merckel, mais propensa para a defesa de um maior rigor orçamental; ii) posição sobre o Irão, dadas as reticências da Rússia; iii) participação das economias emergentes na redução das emissões de dióxido de carbono; etc.

12. Mesmo em fim de ciclo, é caso para se dizer que valeu a pena a cúpula de L’Aquila, pois fez nascer o G14, a partir de
2011.

MORREU UM ÍCONE: MICHAEL JACKSON


Quem tem mais que 50 anos de idade, certamente guarda na memória a imagem dos cinco irmãos norte-americanos, negros, ainda crianças, mas que já maravilhavam o mundo com as suas interpretações musicais. Decorria a segunda metade da década de 1960. Depois, foram crescendo e aumentando ainda mais o número dos seus admiradores, entre os quais eu.

Tive, pois, a possibilidade de acompanhar o início da carreira dos irmãos Jackson: Tito, Jermaine, Marlon, Jackie e, naturalmente, Michael, o mais novo dos cinco, seguramente, o mais talentoso. Todos usavam penteado no estilo afro. Tinham tez escura, não havendo qualquer confusão quanto à sua raça. O seu grupo musical, os “Jackson Five”, foi lançado pela gravadora Motown Records, com sede em Detroit, ela que se tornou também responsável pela mediatização de grande parte dos artistas negros do “soul” norte-americano. Soube depois que o pequeno Michael Jackson enveredara por uma trajectória a solo, apoiado ainda pela Motown Records.

Em 1984, em Paris, apercebi-me do enorme prestígio de Michael Jackson, ao ver nos Campos Elísios – a enorme e emblemática avenida parisiense – grupos de jovens, geralmente negros, exibirem os seus dotes, imitando os passos de dança criados por Michael Jackson e exibidos à exaustão no seu famoso álbum Thriller, de 1982. Este álbum é ainda hoje considerado o mais vendido de todos os tempos, com uma produção que se diz acima dos 120 milhões de exemplares.

Não acredito que haja alguém que tenha ficado indiferente à magia contagiante da sua coreografia. Eu já não tinha idade, nem postura, para andar a retorcer-me na rua, mas seentia a carga emotiva que Michael Jackson produzia sobre os jovens de então. Tornei-me seu fã, embora tivesse uma enorme admiração por Lionel Richie ou mesmo o britânico Billy Ocean, menos espectaculares mas, para mim, mais evoluídos musicalmente. Pelo menos, era assim que eu pensava.

Thriller ficou gravado na história fonográfica como um importante marco no processo de democratização e de luta contra a discriminação racial do espaço musical norte-americano. Com essa maravilha que se chama “Billie Jean”, Michael Jackson tornou-se uma referência na MTV. As técnicas de dança criadas por Michael Jackson, “robot” e “moonwalk” ultrapassaram todas as fronteiras e são a sua imagem de marca. “Moonwalk” faz lembrar as excentricidades de Fred Astaire, o indiscutível mago da dança.

Michael Jackson deixa uma herança musical que permanecerá para sempre, tal como Elvis Presley. Ao todo, os seus álbuns venderam acima de 750 milhões de cópias, e agora que nos resta apenas a sua memória, seguramente ultrapassará todos os recordes de vendas póstumas. Mas, Michael não foi apenas felicidade. Michael viveu episódios tristes, teve uma vida demasiado complicada para uma só pessoa e ainda por cima frágil como era… Por exemplo, uma doença de pele transformou-o ironicamente no “negro mais branco do mundo” – como se foi dizendo. O vitiligo, doença que retira o pigmento da pele, descaracterizou-o, tornando-o alvo de chacota.

Foi sempre muito fácil acusar Michael Jackson de querer intencionalmente embranquecer a pele para esconder a sua condição de negro. Eu penso que os seus detractores tinham uma intenção bem clara: subtilmente, passar a ideia de que o negro, quando famoso, deseja a todo o custo ser branco, para assim completar o ramalhete… Até as operações que fez ao nariz foram sistematicamente apresentadas dentro do mesmo objectivo: ser branco, mesmo que fosse apenas na aparência... Sabe-se, porém, que foi durante um ensaio que Michael Jackson caiu e quebrou o nariz. A primeira operação cirúrgica criou-lhe complicações respiratórias que o forçaram a mais uma ou duas novas intervenções cirúrgicas. E assim ele foi ficando com aquele aspecto atípico, quase de uma múmia egípcia ressuscitada… O seu couro cabeludo foi também queimado por fogo de artifício, durante a gravação de um comercial para a televisão, com propaganda para a Pepsi Cola. Há imagens desse momento dramático. Mas não importa: neste nosso mundo o que é mau espalha-se de forma célere, sobretudo, quando alguém é famoso… Muita gente soube de tudo isso. Porém, era mais fácil e atractivo destratá-lo, acusá-lo das mais mesquinhas e humilhantes tentações. É essa a tendência dos que não sabem conviver bem com o êxito, sobretudo, quando os vencedores são estranhos ao seu meio…

Michael Jackson não foi apenas cantor, compositor e dançarino, ele foi também um grande amante de causas de beneficência, apoiou várias obras de caridade. Recordo, por exemplo, o seu empenho, juntamente com outros artistas, na criação e comercialização de uma música para ajuda às crianças desvalidas em África, em especial na Etiópia. Michael Jackson escreveu a letra e Lionel Richie musicou-a ao piano. Quem não se lembra da célebre canção que ainda hoje se canta, “We are de World” – uma singela manifestação de solidariedade para com os pobres do nosso continente!!!

É verdade que Michael teve uma vida plena de sucessos. Mas, não lhe faltaram situações menos boas. Por exemplo, a acusação – nunca comprovada em tribunal – de abuso sexual de menor. Também os seus casamentos falhados. Seja como for, Michael Jackson foi genial, solidário e controverso. Para todo o sempre, foi o “Rei da Música Pop”. A minha geração e a dos mais velhos que eu tivemos também o Elvis Presley, o “Rei do Rock”. Ambos morreram relativamente novos, quando ainda podiam continuar a espalhar o seu talento.

Na arte – o espaço privilegiado dos que são extraordinariamente dotados – ter-se um Rei de modo algum é antidemocrático. Aí, Rei é aquele a quem se reconhece o mérito de ter contribuído mais do que os outros para que o nosso mundo seja um recanto bonito e harmonioso. Agora, o trono está vago e os nossos corações estão profundamente feridos!

quarta-feira, 8 de julho de 2009

A PROPÓSITO DO REGRESSO DA TAAG AO ESPAÇO EUROPEU

1. O esperado levantamento, mesmo que parcial, da interdição colocada à TAAG de voar para o espaço comunitário europeu, será uma boa notícia. Será o culminar dos esforços de adaptação que a nossa companhia de bandeira teve que fazer, para se ajustar às normas internacionais de navegação aérea. Seguramente, teremos já uma TAAG mais eficaz, prestadora de um serviço mais ajustado às expectativas e também aos direitos de todos quantos procuram os seus serviços. Seremos, pois, melhor servidos – e não tenho dúvidas – sentir-nos-emos mais seguros no ar, também mais orgulhosos, sempre que estivermos dentro dos aviões que ostentam nas suas paredes exteriores a palanca negra gigante, um antílope infelizmente em vias de extinção.

2. Terminou, finalmente, o período em que tínhamos a percepção de estar a ser tratados de um modo impróprio, mais parecido com os préstimos do mercado informal. Muitas vezes, parecia-me estar a viajar de candongueiro, tais eram as falhas, os improvisos, e também as desconsiderações.

3. Ficou demonstrado que, quer a nossa companhia aérea, a TAAG, quer o INAVIC – a instituição nacional que regula a actividade aérea angolana – não estavam com razão quando alinharam num quase coro nacional que contestava, com veemência, a colocação da TAAG na “lista negra” das companhias interditas pela União Europeia. Realmente, havia inconformidades a superar – o que ficou provado. Querendo reganhar credibilidade, tivemos que as ultrapassar, para sermos respeitados pelas instituições de supervisão aérea internacional. Que nos sirva, pois, de exemplo. Que percamos, em definitivo, o espírito que nos foi sendo incutido de que somos os melhores, “especiais”… só que não compreendidos pelos outros. Por vezes, até invejados…

4. Voltar a voar no espaço aéreo europeu ajudará também a rentabilizar os recursos financeiros e materiais que foram desenvolvidos nos últimos anos. A solução encontrada de buscar outras rotas alternativas, menos exigentes, só pode ter sido um expediente passageiro. A via correcta é, seguramente, estarmos em condições de voar para qualquer sítio, por mais rigoroso que ele seja. No desporto, quando se quer ser competitivo, deve-se escolher os melhores jogadores, os melhores treinadores – jogar também nos campeonatos mais disputados. É uma regra que se ajusta igualmente à economia.

5. Mesmo assim, a actividade de transporte aéreo está sempre envolvida em incertezas. Por vezes até, ela mergulha em situações dramáticas. Não é por acaso que, volta e meia, somos surpreendidos com notícias de desastres aéreos que nos eriçam os pêlos…

6. Todos os anos contabilizam-se inúmeros acidentes, quase todos com consequências aterradoras. Por vezes, são aviões de grande porte, transportando centenas de pessoas, que depois desaparecem dos radares; outras vezes, são pequenas aeronaves que se despenham. Os relatos sobre os ocupantes dessas aeronaves aumentam o drama: os números começam a ganhar contornos humanos, passam a ter nomes, idade, profissão, relevância social, impacto mediático. Morrem executivos, cientistas, actores, desportistas. A maioria, porém, são cidadãos comuns que só merecem a atenção da comunicação social porque tiveram o azar de estar no sítio errado nesse momento azarado…

7. A título de exemplo, vale a pena recordar alguns dos acidentes aéreos registados neste ano de 2009 e que nos mostram a dimensão dos dramas: i) Em Fevereiro, em Buffalo, no estado de Nova Iorque, caiu sobre uma residência um avião do tipo Bombardier, de fabrico canadiano, tendo perecido 49 pessoas – pertencia à Colgan Air; ii) Em 23 de Março, um mono motor de marca Pilatos PC – 12, despenhou-se em Montana, também nos Estados Unidos, vitimando 18 pessoas, sobretudo, crianças em excursão; iii) Em 19 de Maio, um avião militar de marca Hércules C – 130 matou 100 pessoas, depois de se despenhar sobre um arrozal, na Ilha de Java, Indonésia; v) Em 1 de Junho, dá-se o mais mediático e emocionante de todos os desastres aéreos creditados ao ano de 2009: o voo 447 da Air France, um Airbus saído do Recife, Brasil, não chega a Paris, o seu destino final – desaparece dos ares com 228 pessoas a bordo, sobre as águas do arquipélago de Fernando Noronha, três horas após ter descolado; vi) No dia 30, também de Junho, um Airbus da companhia Yemenia Airlines tomba no Oceano Índico, no arquipélago das Comores, com 153 passageiros a bordo – salva-se apenas uma rapariga de 14 anos de idade, de nome Bakari Bahia.

8. A 22 de Junho, um Airbus A-330, da companhia australiana Qantas, quase se despenhou no mar, depois de uma enorme turbulência que lançou o pânico entre os seus ocupantes. Três dias antes, a 19 de Junho, quando sobrevoava o Golfo da Guiné, um voo da TAP teve uma situação idêntica a esta que aconteceu perto da Austrália. Eu estava nesse voo que poderia ter terminado no mar. Eu poderia, então, ficar transformado num número. Ou seja: seria um entre os mais de 100 desaparecidos nas águas do Oceano Atlântico… Ou, talvez não: poderia ter direito a nome, rosto. Creio que poderia merecer algumas tímidas referências de pesar, por parte daqueles que não simpatizam com a minha forma de estar na vida – aqueles para quem eu sou incómodo, ou mesmo inconveniente…

9. Não há um denominador comum nestes desastres aéreos. São companhias diferentes; uns caem sobre o mar, outros sobre a terra; uns são de grande dimensão, outros menores; de fabricantes europeus, americanos, etc. De facto, entre os acidentes ou quase acidentes, os Airbus são os mais reincidentes, o que tem levantado a suspeição de que terão, possivelmente, algum defeito. Mas, ainda estamos ao nível da pura especulação…

10. Existem também outras hipóteses explicativas para o acidente do voo 447 da Air France que reportei: “Ventos derivados de diferentes direcções que podem ter estraçalhado o avião”. Houve também quem tenha colocado a possibilidade de uma outra causa: “Como não há registo de chamadas SOS, significa que tudo sucedeu muito rapidamente, não dando hipótese de a tripulação ter reagido. Foi rápido e brutal. Portanto, ou bomba, ou turbulência muito forte que danificou o avião, colocando-o em queda livre. Ou mesmo uma trovoada com queda de um raio sobre o tanque de combustível…”. Hoje consolida-se cada vez mais a ideia de que não houve bomba.

11. Agora, no meio de tantos desastres e dramas, aqui vai uma notícia interessante: Cientistas da Universidade de Illinois, Estados Unidos, descobriram um material sintético que muda de cor quando está prestes a deformar-se ou a cair. Poderá servir de alerta, em caso de queda de aviões ou pontes. Os cientistas incorporaram moléculas mecanicamente sensíveis, chamadas “mecanóforos”, num polímero, mediante pressão ou tracção forte, desencadeando uma reacção química, tornando-se vermelha ou roxa. A ser verdade, poderemos estar, pela primeira vez, perante uma capacidade real de previsão que permitirá evitar os dramas que, volta e meia, enchem as páginas da comunicação social, e que nos comovem ao máximo!