quinta-feira, 1 de outubro de 2015

O CLARO E INEQUÍVOCO EXEMPLO DA GRÉCIA


1.  O povo grego demonstrou, mais uma vez, que foi, realmente, o berço da democracia, assim como um dos principais responsáveis pela criação da actual civilização ocidental e cultura europeia. Reiterou, agora, este reconhecimento, pelo modo como tem reagido às profundas adversidades decorrentes da turbulência que assola as suas vidas.

 

2.  É inegável, por exemplo, o grande sentido de justiça e de solidariedade dos gregos para com aqueles que demandam o seu território, mesmo que temporariamente, em busca de segurança e de outras oportunidades de vida. Refiro-me, concretamente, ao enorme fluxo de migrantes que vão entrando pelas suas fronteiras, idos do Médio Oriente e do norte de África, mas, também, mesmo que em menor número, idos de outras paragens, onde ainda impera o medo, o terror e a fome.

 

3.  Tem sido por muitas das ilhas gregas no Mar Mediterrâneo que passam vários milhares de migrantes, saídos, sobretudo, da Síria, Afeganistão, Líbano, Paquistão e, inclusive, do Irão. As suas ilhas mais sacrificadas têm sido sempre Kos e Lesbos, dada à sua proximidade e condições portuárias.

 

4.  Mesmo vivendo momentos muito difíceis do ponto de vista económico, social e até político, as autoridades gregas e as populações locais não regateiam apoio aos necessitados, vítimas de múltiplas formas de violação dos seus direitos, nos seus países de origem. Trata-se, porém, de um apoio que se transforma em enorme peso para quem é obrigado a resistir às medidas de austeridade impostas pelos parceiros e credores internacionais.

 

5.  Outra dimensão da grande capacidade democrática e espírito de tolerância dos gregos vê-se no modo como se sujeitaram à necessidade de irem por 3 vezes às urnas, em pouco menos de um ano. Num tão curto período de tempo, o povo grego voltou a dirigir maioritariamente o seu voto para o partido político que antes tinha elegido, e que, na altura da negociação das medidas económicas com os seus parceiros, se viu obrigado a soçobrar perante algumas das drásticas condições impostas, pois, de outro modo, não teriam acesso aos fundos financeiros de que necessitam.

 

6.  De novo nas urnas, os gregos reiteraram confiança no Syriza, um partido de esquerda moderna, uma esquerda do Século XXI, preocupada com os problemas actuais dos seus cidadãos e não virado para soluções do passado. Com isso, o povo grego mostrou vontade e determinação, rejeitando as formas ultrapassadas de governação, que conduziram à actual situação de asfixiante endividamento, disseminação da corrupção, ineficácia económica, penúria e de um verdadeiro caos social. Fizeram-no sem equívocos, sem titubear. Agindo assim, os gregos partiram novamente para a luta contra os interesses coligados das grandes corporações que, na verdade, dominam a economia e a política internacional.

 

7.  Novamente, os gregos não se deixaram seduzir pelos que os atiraram para a actual situação – partidos ditos do centro-direita e do centro-esquerda, a outra alternativa.

 

8.  Os gregos deram um sinal de que algo tem mesmo de mudar, neste mundo de novos problemas e que, por isso, exige novas soluções. Os gregos voltaram a confiar em quem lhes aponta novos caminhos. Assim, os gregos mostraram discernimento e grande capacidade de encaixe, de resistência às adversidades. Têm, agora, outra oportunidade para travarem um diálogo mais construtivo e mais equilibrado com os seus parceiros internacionais.

 

9.  Depois da anterior negociação – que mais parecia uma luta mitológica do tipo “David contra Golias” - é expectável que os credores internacionais da Grécia entendam a necessidade de, finalmente, prevalecer o princípio do realismo aliado ao do pragmatismo. É que a Europa e o mundo estão a mudar, precisando, por isso, de novas soluções e de protagonistas com capacidade para compreenderem as presentes mutações.

 

10.                  A crescente globalização de todos os processos faz com que nenhum país, por si só, seja capaz de encontrar soluções viáveis, abstraindo-se das múltiplas interconexões existentes, sobretudo na economia. Assim o mostram, por exemplo, os recentes impactos da queda do preço do petróleo no mercado mundial, com os países produtores e essencialmente exportadores a perderem receitas, e os outros com as suas contas públicas mais aliviadas. Seja como for, a prazo, todos serão afectados, pois a economia mundial está profundamente interligada…

 

11.                  A Grécia dos nossos dias já não é mais o conjunto de cidades-Estados do passado, com as suas próprias estruturas organizativas, que comercializavam, mas que também se guerreavam entre si. A Grécia de hoje é uma nação única, pertencente a um espaço de integração regional, que se encontra no mais avançado estado de desenvolvimento.

 

12.                  Qualquer erro de avaliação cometido pelos políticos actuais, poderá lançar por terra o sonho dos pais-fundadores da União Europeia, que viam nela não apenas um modo eficaz de promover o desenvolvimento e a competitividade, mas, também, um veículo para travar a verdadeira autofagia em que a Europa se foi envolvendo ao longo dos anos, sempre com destruidoras guerras intestinas.

O MAR MEDITERRÂNEO É O CAMINHO E A EUROPA O DESTINO


1.  Nos últimos tempos, a migração massiva de gente ida de África e do Médio Oriente, em busca de abrigo na Europa – fazendo-o em condições dramáticas – prendeu a atenção da comunidade internacional, quando já repousam nos fundos do Mar Mediterrâneo, os restos mortais de milhares de vítimas dessas travessias horripilantes, feitas de forma precária e demasiado arriscada.

 

2.  Tudo isso tem mexido com a consciência e os sentimentos das pessoas de bem. Insensíveis ao drama dos migrantes ficam tão-somente os de “maus fígados”, os ressabiados e os traumatizados, por norma, gente com histórias pessoais mal resolvidas – que são, felizmente, uma minoria insignificante. Tenho eu a certeza de que, certamente, não é um fruto do contributo deste pequeno grupo que o mundo melhora e a humanidade se torna mais humana.

 

3.  O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) estimou em cerca de 60 milhões, o número de pessoas hoje deslocadas dos seus lugares de origem, vítimas de conflitos armados e de perseguições de todo tipo. De entre eles, 19,5 milhões são considerados refugiados, classificação apenas atribuída a quem busca asilo em outro país.

 

4.  Os países de onde saem mais refugiados para a Europa são a Síria, Iraque, Afeganistão, Somália, Eritreia, Líbia, Nigéria. Mas há também quem saia do Chade, Sudão e Congo, e de outros países. Fogem das guerras. Procuram escapar à pobreza. Tentam evitar outras formas de violência nos seus países de origem.

 

5.  De acordo com o ACNUR, 50% dos refugiados que tentaram, este ano, entrar irregularmente na Europa pelo Mediterrâneo, são sírios, vítimas de um conflito que eclodiu em 2011, quando o país tinha 20 milhões de habitantes. Hoje, a Síria tem já cerca de 7,6 milhões de deslocados internos, e 4 milhões de refugiados em outros países da região, nomeadamente, Turquia, Líbano e Jordânia.

 

6.  O que mais chama a atenção do mundo e o que mais choca a consciência das pessoas é o fluxo dos refugiados sírios, que buscam abrigo na Europa, de preferência na Alemanha e Suécia.

 

7.  O conflito civil sírio, que se seguiu à tentativa de desalojamento do poder do ditador Bashar Al-Assad, criou vários grupos rebeldes, entre os quais o Exército Livre da Síria, a Frente Al-Nusra (ligado à Al-Qaeda) e o mais extremista de todos, o chamado Estado Islâmico, que controla cerca de 50% do território.

 

8.  O Afeganistão é responsável por 13% dos refugiados que tentaram irregularmente chegar à Europa pela rota do Mediterrâneo. Tem 710 mil deslocados internos e mais de 2,5 milhões de refugiados em outros países, maioritariamente no Paquistão (95%) e no Irão. Um fenómeno que vem de longe, de uma sucessão de conflitos, desde a invasão soviética (1978 a 1989), a guerra civil (1992 a 1996), o período do domínio dos Taliban (1996 a 2001), a intervenção militar liderada pelos EUA, na sequência dos “Ataques de 11 de Setembro de 2001”.

 

9.  Presentemente, a Eritreia contribui com aproximadamente 8% dos imigrantes ilegais que tentaram entrar na Europa, atravessando o Mediterrâneo. Para os dados do ACNUR, são 216 mil os refugiados eritreus vivendo em países próximos, como o Sudão e Etiópia. O êxodo da Eritreia não é propriamente o produto de uma guerra mas, sim, do regime ditatorial, altamente repressivo, que se instalou no país desde a sua separação da Etiópia, em 1993. É de tal modo repressivo que a Eritreia é também tida como a “Coreia do Norte de África”.

 

10.           3% dos refugiados que procuraram este ano atravessar irregularmente o Mediterrâneo são somalis, um país que, em 1991, se começou a destroçar, com o fim do regime do ditador Mohammed Siad Barre. Foi a permanente instabilidade política vivida no país que facilitou a instalação de um ramo da Al-Qaeda, a Al-Shabaab, uma milícia radical islâmica. Dados fiáveis apontam para 1,1 milhões de deslocados internos e mais de 1 milhão de somalis refugiados em países vizinhos, como o Quénia, Etiópia e Iémen.

 

11.           O país mais populoso de África e com o maior PIB do continente, a Nigéria, contribuiu com 4% dos refugiados que, durante este ano, buscaram entrar irregularmente na Europa pela via do Mediterrâneo. Causa próxima: a actividade do grupo radical islâmico Boko Haram, gerando, até agora, 1,3 milhões de deslocados internos e 150 mil refugiados em países vizinhos, como Chade, Níger e Camarões.

 

12.           Consideremos ainda os refugiados idos para a Europa a partir do Paquistão (3%), Iraque (3%), Sudão (2%), Gâmbia (1%), Bangladesh (1%). Sem esquecer a Líbia, claro. Ao penetrarem num país da Europa, a tendência de todos os refugiados é procurarem abrigo nos países subscritores do chamado “Espaço Schengen”. Um espaço de livre-trânsito na Europa, sem controlo de fronteiras, integrando 22 países da União Europeia, mais o Liechtenstein, Suíça, Noruega e Islândia, mas ao qual não aderiram o Reino Unido e a Irlanda. A Romênia, Bulgária, Croácia e Chipre aguardam a conclusão do processo de adesão.

 

13.           O comportamento desses países face ao actual fenómeno de migração forçada é não apenas fruto da vontade política de cada Estado mas, igualmente, da sua adesão ou não ao Tratado de Asilo assinado pela maioria dos Estados da União Europeia, e não subscrito pelo Reino Unido, Irlanda e Dinamarca.

 

14.           A França, Itália e Holanda, subscritores do Tratado de Asilo, e receptadores de muitos desses migrantes forçados, mantêm, ainda assim, restrições com base em Leis próprias elaboradas para prevenir eventuais fraudes nos pedidos de asilo.

 

15.           Tem sido crescente o número de países a declarar vontade de acolherem todo esse fluxo crescente de gente que tudo arrisca para encontrar abrigo e novas condições de vida em países estrangeiros. Na sua maioria são países europeus mas, igualmente, de fora da Europa.

 

16.           Alemanha, França, Áustria, Reino Unido (depois de um período de recusa), Espanha, Holanda, Suécia, Islândia, Noruega, Dinamarca, Austrália, Brasil, Venezuela, são declaradamente países de acolhimento. Mas os países do antigo Bloco do Leste, Polónia, República Checa, Eslováquia, Hungria e Roménia, mostram-se renitentes em acolher refugiados, socorrendo-se dos mais diversos argumentos, alguns mesmo recorrendo à discriminação religiosa.

 

17.           Dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) apontam que, em 2014, mais de 700 mil pessoas pediram asilo na Europa, mais 47% que no ano anterior. Segundo a mesma fonte, nos primeiros 8 meses de 2015, já 381 mil pessoas terão cruzado o Mar Mediterrâneo para entrarem na Europa, tendo morrido ou desaparecido na travessia 2,5 mil pessoas.

 

18.           Os dados do Eurostat, Gabinete de Estatística da União Europeia, dizem-nos que, nos primeiros 4 meses de 2015, registaram-se mais de 184 mil pedidos de asilo, dos mais de 340 mil chegados à Europa por meios irregulares. A tendência é para os números ampliarem, pois ainda prevalecem as condições causadoras desse impetuoso fenómeno migratório, já tido como o mais impressionante depois da Segunda Guerra Mundial.

 

19.           O caos instalou-se nalguns países europeus mediterrânicos como a Itália (Lampedusa), destino de 121 mil refugiados desde o início de 2015, e a Grécia (ilhas de Kos e Lesbos), destino de 258 mil refugiados até inícios de Setembro de 2015. Mas, também, na região francesa de Calais, fronteiriça com o Reino Unido, assim como na Hungria, porta de entrada terrestre no espaço da União Europeia.

 

20.           Mas, como é que a Europa tem tentado debelar o problema?

 

i)                   Começou por combater os traficantes de refugiados, gente que, a troco de enormes somas em dinheiro, facilita o trânsito desses desesperados;

ii)                 A Itália tentou reduzir os resgates de refugiados perdidos no Mar Mediterrâneo, com isso, fazendo aumentar o número de mortes no mar;

iii)               Depois do pronunciamento da Chanceler Alemão Angela Merckel e do Presidente francês François Hollande, apelando ao acolhimento dos que demandam a Europa, por motivos humanitários, propondo, inclusive, um sistema de quotas -  em função do estado da economia de cada país - assistiu-se a uma mudança de atitude por parte de alguns países europeus, com excepção dos países do Leste do continente, muito renitentes em acolher os refugiados;

iv)               Inicialmente indisponível, o Reino Unido já flexibilizou a sua posição;

v)                 Porém, outros países europeus mostram-se irredutíveis ao estabelecimento do sistema de quotas proposto pela Alemanha e a França. Preferem, sim, uma modalidade mais “soft”: uma decisão voluntária de cada Estado, e não uma imposição;

vi)               O estabelecimento do sistema de quotas foi secundado pelo Presidente da Comissão Europeia, o luxemburguês Jean Claude Juncker, que englobaria 22 dos 28 Estados integrantes da União Europeia.

vii)             A proposta de Jean Claude Juncker excluiria a Grécia, Itália e Hungria, a braços com o fardo de serem a principal porta de entrada dos refugiados. Excluiria ainda o Reino Unido, Dinamarca e Irlanda, por não integrarem o acordo comum europeu sobre políticas de asilo.

viii)           Do ponto de vista financeiro, a União Europeia promete disponibilizar mil e oitocentos milhões de euros para ajuda aos países africanos para conterem o fluxo de refugiados que buscam abrigo na Europa.

 

21.           Estimativas apontam para cerca de 100 mil refugiados africanos já interceptados no Mar Mediterrâneo, a caminho da Europa. Em 2014 terão sido 400 mil os que cruzaram o mar para se refugiarem na Europa.

 

22.           E como é que África tem reagido a este grave fenómeno que mina profundamente os seus alicerces? Não faz nada? Faz pouco? Tem tido pronunciamentos ambíguos?

 

23.           É evidente que o fenómeno migratório não é puramente africano. Ele é também do Médio Oriente. Inclusive, decorre nesta altura um forte fluxo de refugiados e de emigrantes ilegais em outras partes do Continente Asiático, uns tentando escapar de áreas de conflito, outros em busca de soluções mais favoráveis ao seu desenvolvimento.

 

24.           A migração forçada nestes dois continentes é um fruto da intolerância dos regimes políticos instalados, de conflitos históricos e de outros conflitos mais recentes (sejam de natureza étnica e/ou religiosa), da pobreza profunda em que uma boa parte das suas populações estão mergulhadas.

 

25.           De uma coisa tenho a certeza: nenhum dos países que “exportam” essa gente – e nalguns casos, gente qualificada - ficará mais rico e mais seguro com a saída das populações que buscam, noutras paragens, a paz e a segurança que lhes é negada em casa.

 

26.           Previsivelmente, o presente fenómeno migratório virá a desencadear fenómenos colaterais, de racismo, de xenofobia, de inadequação e rejeição… São povos de diversas culturas e hábitos. São povos, pelo menos alguns deles, com distintas interpretações sobre o modo de se viver em comunidade, muito distintas daquelas que prevalecem na Europa – uma Europa onde se debate, a todos os níveis, as múltiplas nuances do fenómeno da globalização.

 

27.           Nota interessante: Desde que o principal fluxo de refugiados passou a ser de gente ida do Médio Oriente, especialmente da Síria, o “quadro fotográfico” mudou… E, parece que a “consciência” da Europa também mudou… Mas tudo isso pode ter uma explicação.

O PODER DAS AGÊNCIAS DE RATING


1.  As Agências de Notação de Risco de Crédito, também conhecidas por Agências de Rating, continuam a ter um forte poder de influência na economia e na política internacional, mesmo que, num passado mais ou menos recente, algumas tenham sido pouco rigorosas em suas avaliações. É o caso, por exemplo, da Standard & Poor´s (S&P) que, no ano 2008, viu falir o Banco Lehman Brothers, depois de lhe ter dado nota maculando, assim, a sua imagem e credibilidade.

 

2.  A S&P avaliou positivamente a saúde financeira do banco, garantindo, assim, a qualidade dos créditos imobiliários “subprime” que estiveram na origem da enorme crise financeira que abalou a economia norte-americana e que também afectou outras economias no resto do mundo.

 

3.  O impacto do erro da S&P foi tão grande e tão desastroso que levou, em 2013, a Procuradoria Geral norte-americana a intentar uma acção judicial contra a agência, considerando que ela ignorou as fragilidades dos investimentos em produtos financeiros hipotecários. O alto rating atribuído ao banco estimulou a apetência dos investidores que depois se viram defraudados, por terem adquirido produtos financeiros “tóxicos”.

 

4.  Agora a S&P voltou a convocar a atenção internacional, ao baixar o rating da economia brasileira, passando-o de BBB- para BB+, ou seja, fazendo o Brasil perder a condição de “bom pagador” (rating de investimento de qualidade), e atirando-o para a condição de “lixo” (“junk”, em inglês).

 

5.  O rating de “bom pagador” atrai investimentos por parte, por exemplo, dos grandes fundos de pensões, enquanto a condição de “lixo” produz o efeito contrário, estimulando os investidores mais especulativos que, por regra, cobram juros mais elevados nos mercados de capitais.

 

6.  Na altura em que escrevo este artigo, apenas a S&P manifestou dúvidas sobre as possibilidades de o Brasil honrar os seus compromissos. As outras duas agências de notação de risco de crédito, as também famosas Fitch Ratings e Moody´s, ainda têm uma atitude mais comedida, mesmo que emitindo sinais de puderem vir a seguir o mesmo caminho, baixando o rating do país.

 

7.  Caso uma dessas duas agências coloque o Brasil com o perfil de “lixo”, tudo ainda se complicará mais, pois há instituições financeiras cujos estatutos impõem a obrigatoriedade de virar as costas a parceiros desclassificados para “lixo” por, pelo menos, duas agências. A S&P avaliou também negativamente certas empresas brasileiras, como a Petrobras, e mais de uma dezena de instituições financeiras, administrações regionais e cidades.

 

8.  Descida a cotação do país, os fluxos dos empréstimos tendem agora a diminuir, ficam mais onerosos, sobem os juros, a moeda desvaloriza-se, há aplicações financeiras a emigrar em busca de mercados mais seguros, sobe a inflação, a economia perde impulso e aumenta o desemprego. Sopram, pois, ventos muito aziagos sobre o Brasil - a sétima economia do mundo - momento também não muito bom para mais economias emergentes, como a China e a Rússia, por exemplo.

 

9.  O Brasil não tem conseguido implementar políticas mais rigorosas, fruto, em parte, dos compromissos sociais assumidos pela anterior administração e seguidos pela actual, cujo reflexo é o Orçamento do Estado para 2016 com défice primário de 30,5 mil milhões de reais, situação agravada com os sucessivos escândalos de corrupção que minam a credibilidade da classe política e de empresários articulados com ela.

 

10.                   É bom que o mau momento vivido pelo Brasil sirva para reflexão no nosso país e para os nossos governantes. Apesar de tudo, mesmo em crise, o Brasil tem uma porta por onde poderá escapar sem grandes traumas, dado que se trata de uma democracia, não precisando, portanto, de “inventar” inimigos, para depois perseguir ou mesmo reprimir…

AS CRISES QUE SE REPETEM


1.  A economia mundial vive, novamente, sobre o “fio de navalha”, desta vez, fruto do rebentamento da “bolha chinesa”, uma “bolha” que traz à memória a ainda não muito distante “bolha imobiliária” que estoirou nos Estados Unidos da América, no ano de 2008 - desencadeando ondas de choque um pouco por todo mundo – mas, também, a já mais longínqua “bolha japonesa” da década de 1990. Vale, pois, a pena recuarmos um pouco no tempo para percebermos algumas semelhanças entre “o antes” e “o agora”.

 

2.  Foi a “bolha especulativa japonesa”, da década de 1990, que pôs fim ao chamado “milagre económico japonês”. Pela sua expressão e importância, este “milagre económico” marcou uma boa parte da segunda metade do século XX, dado que o Japão saía de uma guerra de enorme devastação, a II Guerra Mundial, em que tinha alinhado ao lado da Alemanha Nazi e a Itália Fascista. Em relativamente pouco tempo, recuperou a sua economia, guindando-se à categoria de grande potência económica mundial. A partir de 1990, porém, sofreu um forte abalo económico, de que falarei de seguida.

 

3.  A “bolha especulativa japonesa” foi, de algum modo, um resultado da perniciosa articulação entre empesas japonesas e o seu sistema bancário. Segundo opinião do economista norte-americano Paul Krugman, “os bancos japoneses concederam créditos ao desbarato, sem atender à qualidade dos devedores”, um facto gerador de “uma bola económica de proporções grotescas”. Na tentativa de controlar a situação (a inflação propagou-se), o Banco Central do Japão optou por aumentar drasticamente as taxas dos empréstimos interbancários, causando a explosão da “bolha”.

 

4.  O mercado acionista japonês ressentiu-se, sofrendo enormes quebras, arrastando consigo os bancos e as companhias de seguros. O governo japonês interveio injectando liquidez no sistema financeiro facilitando os empréstimos aos bancos comerciais e concedendo crédito barato. Não obstante este fluxo financeiro, muitas empresas foram falindo, causando a estagnação do Produto Interno Bruto do país, por cerca de duas décadas. Sobreveio o desemprego e/ou aumentou a precariedade do emprego. Empresas emblemáticas na economia japonesa, como a Toyota ou a Sony, passaram a confrontar-se com a forte concorrência de rivais no Leste Asiático, especialmente da Coreia do Sul.

 

5.   Durante cerca de 12 anos, fruto da estagnação do PIB japonês, a economia recuou face às da França, Reino Unido, Alemanha e Canadá, por exemplo. O PIB per capita também se degradou, bem como a eficiência laboral – até então uma das suas grandes imagens de marca.

 

6.  Face à deflação – queda dos preços - e ao baixo crescimento económico, as autoridades japonesas optaram por estimular a economia, aumentando o défice fiscal e criando uma maior pressão sobre a dívida pública, tornada das maiores do mundo. (A dívida pública japonesa tem a característica particular de ser contraída essencialmente no mercado doméstico e no Banco do Japão). É, também, neste período que a economia japonesa perde terreno face à chinesa - entretanto em rápido crescimento - ascende à posição de segunda economia mundial.

 

7.  A “bolha especulativa norte-americana” inicia com a chamada “crise do subprime”, catalogada por alguns como tendo começado em 2006, e, por outros, em 2007, a altura em que foi, de facto, revelada.

 

8.  A “crise do subprime” decorreu da concessão de empréstimos hipotecários de alto risco que levaram à falência de instituições financeiras, repercutindo-se depois sobre as bolsas de valores de praticamente todo o mundo. Esta crise é hoje tida como a mais perigosa depois da de 1929, o prenúncio da “crise económica de 2008”.

 

9.  O “subprime” consistiu na concessão de crédito a famílias e a indivíduos sem histórico ou com um histórico ruim, também sem emprego ou com rendimento inadequado. Tal sistema funcionou enquanto o valor do imobiliário permaneceu em alta, permitindo aos mutuários renovar os empréstimos, para liquidar os empréstimos anteriores, dando os imóveis como garantia. Com a subida das taxas de juro e a quebra no preço dos imóveis, as famílias e os indivíduos tornaram-se inadimplentes, gerando a insolvência dos bancos. Em consequência, as autoridades norte-americanas tiveram que intervir, injectando liquidez no sistema financeiro e, inclusive, intervencionando algumas empresas em crise – política nada do agrado dos sectores políticos mais conservadores. Porém, os Estados Unidos da América conseguiram sair da crise, com o mundo a respirar de alívio. Um alívio que, pelos vistos, foi de muito curta duração…

 

10.                  A crise está de volta. Desta vez, e novamente, a partir da Ásia, mais precisamente da China, com as autoridades monetárias chinesas a tentarem minorar a crise com medidas idênticas às que já antes haviam sido tomadas, quer pelas autoridades japoneses, quer pelas norte-americanas, na época das suas respectivas crises: injeção de liquidez no sistema, redução das taxas de juro, redução dos níveis das reservas obrigatórias dos bancos. Ainda a desvalorização da moeda nacional, o yuan, como expediente para aumentar a competitividade das exportações e redução das importações.

 

11.                  A economia chinesa esteve sobreaquecida durante muito tempo, em alguma medida devido a factores pouco ortodoxos: um mercado acionista que viveu muito à custa de dinheiro emprestado pelo sistema. Segundo a consultora britânica “Capital Economics”, de Londres, somente 2% das acções no mercado chinês são detidas por estrangeiros. Os restantes 98% estão em posse dos investidores locais, numa autêntica “popularização das acções”. O modelo chinês procurou, pois, assentar numa espécie de “capitalismo popular”, com acesso fácil ao crédito bancário, por parte das empresas e cidadãos. Com a desaceleração da economia, um bom número de investidores locais viu-se, pois, obrigado a desfazer-se das suas acções para pagarem as dívidas contraídas, o que aprofundou ainda mais a crise.

 

12.                  Sendo a China a segunda maior potência económica do mundo, uma grande potência exportadora e, também, uma grande potência importadora de “commodities”, os reflexos da “sua crise” estão já a fazer-se sentir um pouco por todo o lado. E os países exportadores de petróleo, como Angola, por exemplo, de modo algum se verão livres dos seus impactos…

A “DERRAPAGEM” DO ACORDO DE CONVERSÃO MONETÁRIA


1.  Em Setembro de 2014, as autoridades monetárias de Angola (BNA) e da Namíbia (Bank of Namíbia) assinaram um “Acordo de Conversão Monetária”, de carácter limitado, garantindo a conversão das moedas nacionais dos dois países, mediante determinadas condições:

 

i)                   Os angolanos adultos que pretendam entrar na Namíbia por terra - atravessando a fronteira Santa Clara/Oshikango - poderiam converter, na parte namibiana, kwanzas em dólares namibianos, até ao limite máximo de 500.000 kwanzas; para os angolanos menores de 18 anos, o montante a converter teria como barreira 150.000 kwanzas;

ii)                 As pessoas singulares não residentes cambiais, maiores de 18 anos, seriam autorizadas a cambiar um valor não superior a 250.000 kwanzas; por sua vez, pessoas singulares não residentes cambiais, menores de 18 anos, poderiam cambiar até um máximo de 50.000 kwanzas;

iii)               Dos dois lados da fronteira haveria, pois, agentes autorizados - bancos ou casas de câmbio - a realizarem a troca das moedas.

 

2.  O objectivo anunciado pelo Governador do BNA foi o de facilitar as relações comerciais entre os dois países e, também, garantir um mais exitoso contacto entre as suas populações, além de, desse modo, se evitar a intermediação por moedas não emitidas nos dois países.

 

3.  Recordo que, geralmente, os cidadãos angolanos ou cambiavam no lado de cá da nossa fronteira, recorrendo a cambistas informais, ou então, transportavam consigo dólares norte-americanos depois aceites no território namibiano. Na Namíbia circula livremente que o dólar namibiano, quer o rand sul-africano.

 

4.  Creio eu que, com a nova medida, as autoridades monetárias angolanas pensavam ser possível barrar ou, no mínimo, reduzir o impacto do mercado informal de moeda instalado nas redondezas da nossa fronteira.

 

5.  Mas, a nova medida não tomou em devida conta o sentido do fluxo comercial entre os dois países e, muito em especial, naquela área geográfica.

 

6.  De um modo geral, o comércio corre no sentido Namíbia – Angola, e não contrário, devido ao facto de ser maior a oferta mercantil no país nosso vizinho. São os angolanos que vão fazer compras na Namíbia, onde podem efectuar pagamentos quer em dólares namibianos, quer em rands sul-africano.

 

7.  Tudo parecia estar devidamente preparado e encaminhado, com os dois bancos centrais envolvidos na operação a criarem as prévias condições técnicas e operacionais, realizando, inclusive, seminários em todas as instituições bancárias e outros interesses. De seguida, publicitou-se a entrada em vigor do Acordo, com toda a pompa e circunstância…

 

8.  Não passou muito tempo, e, inesperadamente, o Governador do BNA declarou, em Benguela, que o processo recentemente iniciado havia perdido o “controlo”, ou seja, havia “descarrilado”, passando a responsabilidade pelo “fiasco” à parte namibiana. Disse haver excesso de moeda angolana a circular do outro lado da fronteira.

 

9.  O excesso de kwanzas acumulado do outro lado, só pode ter duas razões: i) ou são muitos os angolanos que atravessam a fronteira, levando as quantidades estabelecidas no Acordo, fazendo normalmente as suas transações; ii) ou há angolanos que atravessam a fronteira com mais moeda nacional do que a permitida, transacionando-a do outro lado, fora dos parâmetros definidos. Só que se atravessam a fronteira com excesso de kwanzas, então, fazem-no com conivência do nosso lado.

 

10.                  Uma consequência natural desse fluxo vertiginoso de kwanzas para a Namíbia tem sido a carestia de kwanzas nas instituições bancárias de Ondjiva e Santa Clara, com repercussões negativas sobre quem aí vive.

 

11.                  Não me parece, pois, muito justo passar o ônus completo da actual situação à parte namibiana, mesmo que ela admita ter convertido kwanzas em montantes superiores ao acordado. Seria possível controlar esse câmbio, quando há demasiados agentes autorizados a fazê-lo?

 

12.                  Vejamos ainda o seguinte: caso um mesmo cidadão angolano faça múltiplas travessias na fronteira, ele pode levar para o território namibiano avultados valores em kwanzas e, naturalmente, realizar a sua troca. Com tal “esquema” até conseguirá escapar à dificuldade que toda gente hoje sente para obter outras divisas como, por exemplo, dólares norte-americanos.