sexta-feira, 16 de maio de 2014

TESOUROS SUBAQUÁTICOS


  1. A notícia da provável descoberta daquilo que ainda resta da embarcação que levou, acidentalmente, Cristóvão Colombo ao continente americano, a Santa Maria é, do ponto de vista arqueológico, um fenómeno maravilhoso, pois que se trata de uma embarcação de madeira, desaparecida há mais de cinco séculos (1492), e a respeito da qual se teceram várias lendas, mais ou menos engenhosas. Contudo, sempre se disse que a nau se teria afundado no Mar das Caraíbas, na Ilha Hispaniola, junto à costa norte do Haiti.


  1. Pelos dados históricos, e a ser verdadeiro o achado reclamado agora pela equipa de investigadores norte-americanos chefiados por Barry Clifford, não será expectável encontrar-se entre os escombros da Santa Maria peças arqueológicas importantes. É que o naufrágio teve lugar num banco de areia, dando assim tempo bastante para o resgate – feito com apoio de indígenas – de grande parte da carga que o navio transportava, assim como dos tripulantes, passando tudo isso para outra nau da frota de Cristóvão Colombo, a Niña. Segundo agora se sabe, nos últimos anos, algumas das peças que restavam dentro da nau foram retiradas por piratas.


  1. Portanto, tudo o que, eventualmente, venha a ser recuperado terá simples valor simbólico e histórico, mas nunca verdadeiro valor comercial, como aconteceria se, dentro dos escombros da nau, se achassem, como em outros casos, tesouros vendáveis. Porém, para o Haiti será sempre uma mais valia, caso o que restar da nau possa ser exposto num museu dentro do seu território, constituindo-se, assim, em pólo de atracção turística.

 
  1. Ao longo da actividade marítima, sempre se afundaram navios, de maior ou de menor dimensão, uns em que se notaram mais as perdas humanas, mas outros em que o maior destaque foi dado aos valores materiais transportados e submergidos. É, sobretudo, a busca destes últimos valores que tem estimulado a pesquisa subaquática levada a cabo por empresas privadas especializadas que se vêem, assim, recompensadas do seu esforço e do investimento feito.


  1. Muitos desses empreendimentos têm, por vezes, como aliados, instituições de carácter científico muito interessadas na pesquisa e na descoberta da verdade histórica. Afinal, tudo isso contribui para que se vão desvendando espaços subaquáticos adormecidos nas profundezas dos mares, oceanos, e até de rios, guardando segredos de dezenas, centenas ou mesmo milhares de anos.


  1. Ainda há pouco tempo foi noticiada a descoberto em Arles – uma vila romana situada no sul de França – um busto do Imperador Júlio César, esculpido em mármore. A vila foi fundada pelo Imperador romano menos de um século antes de Cristo. Esse busto de Júlio César teria, eventualmente, sido lançado para o rio após o seu assassínio, e constitui a mais antiga representação do Imperador até hoje conhecida. Apresenta-o calvo e com traços envelhecidos.


  1. São também, frequentemente, descobertos navios afundados durante a Segunda Guerra Mundial, muitos deles tendo no seu interior verdadeiros tesouros, alguns dos quais transportados de um modo pirata, durante as acções de saque a que os nazis se dedicaram um pouco por toda parte onde passaram e que dominaram.


  1. Pela certa, também teremos próximo das nossas costas marítimas uma riqueza subaquática não desprezível, já porque, quer na rota marítima para as Índias, quer de e para as Américas se terão afundado navios com o seu bojo cheio de bens de grande valor.


  1. Vem-me, por acaso, agora à memória uma parte da epopeia vivida pela esquadra de Salvador Correia de Sá e Benevides, quando se dirigiu para Angola com a intenção de expulsar o ocupante holandês. Muito resumidamente, a história pode ser contada nos seguintes termos.


  1. Saído do Rio de Janeiro em Maio de 1648, Salvador Correia de Sá e Benevides rumou para Angola, num total de 12 navios e 1.200 homens. Dois meses depois, chegou ao Quicombo, no kwanza Sul, onde enfrentou uma tempestade marítima que lhe dizimou parte da sua Armada, assim como 3 centenas de homens. O Navio Almirante da Armada, tripulado por Baltazar da Costa de Abreu, afundou com o seu comandante.


  1. Já se diz que o que verdadeiramente sucedeu foi um maremoto que se transformou no que hoje comummente se denomina de Tsunami. Tal Tsunami terá arrasdo parte dos navios do Almirante Salvador Correia de Sá e Benevides. Mesmo assim, ele rumou para Luanda, onde propôs aos holandeses que deixassem a cidade que haviam ocupado há já 7 anos.


  1. Na ausência de parte da frota – afinal, perdida nos mares do Kwanza Sul – os holandeses pediram um período de 8 dias para reflectirem sobre a proposta de rendição do Almirante luso-brasileiro. Esse apenas tolerou 3 dias, ao fim dos quais desencadeou um forte ataque aos ocupantes entrincheirados na Fortaleza de São Miguel.

 
  1. A sobreavaliação das forças atacantes feita pelos holandeses foi-lhes fatal. Daí que tenham perdido as suas posições em Luanda, seguindo-se Benguela, Porto Amboim (chamada Benguela-a-Velha), o porto de Pinda, e até mesmo, São Tomé.


  1. Do ponto de vista da história da reconquista de Angola aos holandeses – vista pelos portugueses – é mais destacado o facto de Salvador Correia de Sá e Benevides tê-los desalojado, desvalorizando-se, porém, a intervenção da Rainha Ginga nessa empreitada ao lado dos holandeses, numa procura de equilíbrios possíveis, conforme era sua prática. Esta dimensão da história, sem querer forjar uma história à medida, deve ser mais da nossa responsabilidade, enquanto parte interessada.


  1. Porém, do ponto de vista de eventuais interesses arqueológicos, não seria também muito estimulante debruçarmo-nos sobre o que estaria no bojo do Navio Almirante da Armada de Salvador Correia de Sá, quando se afundou defronte do Quicombo? Sempre que passo por aquela zona do nosso país, penso nisso, com enorme curiosidade…


  1. Consta ainda que, para além dos 1.200 soldados e marinheiros, Salvador Correia de Sá e Benevides fazia-se igualmente acompanhar por um bom número de índios, muitos dos quais estavam em terra, quando ocorreu o maremoto, seguido de tsunami. Nunca mais foram vistos – e nunca se fala deles… Possivelmente, ter-se-ão embrenhado no Planalto e, depois, misturado com as populações locais, emprestando alguma mistura étnica aos povos locais, de que se terá perdido a origem, nas brumas do longo tempo passado…

quinta-feira, 8 de maio de 2014

UMA NOVA ESPIRAL COMPETITIVA


  1. Há dias, escrevi um texto no qual destaquei a importância, para os Estados Unidos da América, da recente exploração do gás de xisto e do xisto betuminoso, na definição da política externa e, também, para o aumento da sua competitividade económica face à China, à Europa e a outras economias emergentes.

 

  1. No que diz respeito à política externa norte-americana, escolhi, deliberadamente, a ainda quente questão da Ucrânia, onde os EUA mostram, claramente, ter menos constrangimentos na aplicação de sanções económicas à Rússia, tida como potência agressora e, por esse facto, merecedora de punição. O mesmo não sucede com a União Europeia muito dependente dos fornecimentos do gás natural idos da Rússia e que, por razões geográficas, têm que transitar, em grande parte, pelo território ucraniano.

 

  1. Entre a União Europeia e a Rússia está, pois, estabelecido um verdadeiro “linkage”, condicionando as duas partes: a Rússia depende de muitos países da União Europeia, de quem recebe os pagamentos decorrentes da venda do gás natural; e a União Europeia, que não pode, pelo menos por enquanto, desvalorizar o fornecimento desse combustível vindo da Rússia. Até que possam diversificar mais as suas parceria, vão se, pois, tratando como adversários na polémica da Ucrânia, mas sempre com redobrados cuidados. Não vá a corda rebentar… Pois, se rebentar, estatelam-se os dois ao comprido…

 

  1. É evidente que a exploração do gás de xisto e do xisto betuminoso constitui a mais recente revolução na actual matriz energética mundial, interferindo de um modo bastante acentuado, já no volume e nos preços do gás natural, mas, a prazo, irá também implicar nos níveis de fornecimento e nos preços do petróleo. Este é um debate claramente económico, que tem a ver com quantidades e com valores. Mas está também em curso um outro debate que vai condicionar a acção dos decisores políticos – onde entram em cheio os ambientalistas.

 

  1. As repercussões ambientais da exploração do gás de xisto são a matéria mais estimulante, dado que o mundo actual tem como centro de debate a necessidade de redução dos níveis de consumo do combustíveis fósseis, pelos impactos negativos que eles têm na qualidade de vida de todos nós. Quer o gás de xisto, quer o xisto betuminoso são tão ou mais inimigos do ambiente como os tradicionais combustíveis fósseis – gás natural convencional, petróleo convencional, carvão.

 

  1. O gás de xisto encontra-se preso dentro de formações metamórficas do chamado xisto argiloso. O clássico gás natural acha-se em grandes depósitos. Por sua vez, do chamado xisto betuminoso, quando submetido a altas temperaturas, pode-se extrair um óleo de composição semelhante ao petróleo, do qual se podem retirar derivados como óleo diesel, gasolina, nafta, etc.

 

  1. O processo por que passa o xisto argiloso para a obtenção dos gás natural, desencadeou reacções de enorme preocupação por parte de ambientalistas – e os seus questionamentos são cada vez mais suportados por estudos de cientistas. Eles têm chamando a atenção para os seus impactos, pela emissão de gases causadores do chamado efeito de estufa (em especial, o gás metano, muito mais pernicioso que o dióxido de carbono). Têm também alertado para o aumento na frequência dos tremores de terra e, inclusive, na contaminação dos lençóis freáticos.

 

  1. A produção desses efeitos decorre do fraturamento hidráulico da rocha xistosa – o “fracking” – que mais não é que a injecção no subsolo, sob grande pressão, de água misturada com areia e produtos químicos. De cujas rachaduras escapa, então, o gás e o petróleo. O recurso a esse método e a procura desenfreada que se assiste agora de tais produtos é, para os ambientalistas, um retorno histórico na procura de um ambiente mais saudável.

 

  1. A Agência de Protecção Ambiental dos Estados Unidos tem referido até agora como não preocupante a taxa de emissão de metano pelo “fracking”. Contudo, foi contrariada por um estudo recente que aponta para a libertação para a atmosfera de taxas de metano entre 100 a 1000 vezes superiores às declaradas pelo Agência de Protecção Ambiental norte-americana.

 

  1.  Torna-se cada vez mais preocupante a ideia de que o actual aumento das perturbações sísmicas resulta precisamente da injecção de água no subsolo, com vista ao fraturamento da rocha argilosa, com o consequente deslocamento das camadas tectónicas, que são, como sabemos parte dos responsáveis pelos tremores de terra.

 

  1. Estamos, pois, perante um novo desafio para a humanidade: a busca de novas e mais rentáveis fontes de energia que, por sua vez, acarretarão malefícios ambientais capazes de perigar a própria existência da Terra.

 

  1. Até agora, os EUA levam vantagem sobre os outros concorrentes no desenvolvimento dessa nova tecnologia, e detêm enormes reservas conhecidas de xisto. Sabe-se que também a Rússia, China, Brasil e Argentina.

 

  1. Os EUA estão a levar a cabo uma exploração acelerada desse recurso, o que lhes permitiu reduzir grandemente a sua dependência face ao exterior e aumentar a competitividade perante os mais directos concorrentes. É já uma verdadeira vertigem e uma espiral competitiva capaz de vir a degradar ainda mais a já difícil condição ambiental do nosso Planeta.

 

  1. O modo como a China desenvolveu a sua economia – em especial, a sua indústria – tornou quase insuportáveis as condições de sanidade ambiental das suas cidades, com fortes implicações na qualidade de vida dos seus habitantes.

 

  1. Para alguns, a via escolhida pela China pode parecer, mesmo assim, a mais atractiva. Mas não restam dúvidas de que ela acarreta inaceitáveis custos sociais e humanos de longo prazo. E é, sobretudo, no longo prazo que a humanidade deve direccionar o seu pensamento e a sua acção.

terça-feira, 6 de maio de 2014

INTERESSES DIFERENCIADOS


1.  A visita a Angola do Secretário de Estado norte-americano, John Kerry, antecedida da ida do Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, a Paris, motiva vários questionamentos, uns fazendo certo sentido, mesmo que outros sejam menos compagináveis. Os menos compagináveis são aqueles que, naturalmente, decorrem de uma bem perceptível megalomania de que enfermam determinados analistas da nossa praça.


2.  Vejo o crescente interesse francês por Angola, a decorrer do aumento da importância do nosso país como fornecedor de petróleo de que a França é muito carente; também da influência que o nosso país vai tendo nos recorrentes conflitos que têm despoletado na parte central de África, onde a França vai sendo chamada a intervir com alguma frequência, deslocando, inclusive, forças militares de combate.


3.  Aos franceses interessa manter, e até mesmo aumentar o fluxo de petróleo angolano para as suas companhias, sendo, como sabemos, que algum do petróleo proveniente de outras origens se torna cada vez mais problemático, por força da instabilidade que se vive nessas regiões, nomeadamente, no norte de África e Médio Oriente.

 
4.  Também interessará aos franceses reduzir o seu envolvimento militar directo nas áreas de conflito em África. E Angola poderá contribuir para a redução desse envolvimento directo, deslocando, eventualmente, homens e meios militares, dentro de um enquadramento internacional e, em especial, africano, mesmo que tal venha a traduzir-se numa relativa redução da tradicional influência francesa.

 
5.  Por sua vez, aos Estados Unidos da América assistem motivações que terão ainda a ver com os recursos de que somos detentores – em especial, o petróleo – mas também o contrapeso que poderão fazer à crescente influência chinesa no nosso continente, com repercussões de médio e de longo prazo. Por outro lado ainda, o facto de Angola ser um país com ainda muito fraca influência islâmica – factor tido como positivo no combate global que os Estados Unidos da América travam para reduzir a sua expansão.


6.  O peso específico do gás e do petróleo na estratégia norte-americana não é negligenciável, se bem que, nos últimos anos, eles se venham a tornar mais auto-suficientes, fruto do crescente desenvolvimento da extracção quer do gás de xisto, quer do chamado xisto betuminoso.


7.  Quer o gás de xisto, quer o xisto betuminoso, graças aos quais os EUA se vão posicionando como grandes produtores, não só têm aumentado a sua competitividade face à Europa, como também face à indústria chinesa. E como isso, determinaram uma sensível alteração estratégica na política mundial. O Médio Oriente, e penso que também a África, serão os grandes laboratórios dessa alteração estratégica.

 
8.  Hoje o gás de xisto já representa acima de 40% no fornecimento de gás natural nos EUA. A sua entrada em força no mercado do gás fez baixar substancialmente os preços, aumentando assim a competitividade dos EUA face à Europa, muito dependente do gás natural de proveniência de áreas de conflito ou de grande instabilidade política – como é o caso da Rússia que faz passar o seu gás para a Europa pelo território da Ucrânia. O gás natural consumido na Ásia é também muito mais caro do que o gás consumido nos EUA.

 
9.  Por sua vez, o xisto betuminoso, de onde se extrai petróleo nos EUA – e ainda em outras áreas – tem tido igualmente um crescimento muito acentuado – acima de 58% desde 2008 – um aumento superior ao do petróleo convencional do conjunto dos oito países integrantes das OPEP. Com esse “input”, de acordo com dados da Agência Internacional de Energia, os EUA ultrapassarão, dentro em breve, os níveis de produção de petróleo da Arábia Saudita e da Rússia, passando a ser os maiores produtores mundiais de crude.


10.                    Quando se pensou no Projecto de Gás Natural Liquefeito (LNG) a ser produzido em Angola, tinha-se como um dos principais destinos o território norte-americano. Tal não se veio a verificar, pois os EUA tornaram-se, entretanto, auto-suficientes nesta matéria, passando até à condição de exportadores, inclusive, para a Europa, fazendo, assim, concorrência quer à Rússia, quer à Noruega.


11.                    O projecto Angola LNG resulta de uma parceria da estatal angolana Sonangol com as multinacionais Chevron, Total, ENI e BP, sendo a norte-americana Chevron a accionista maioritária (36,4%), seguida da Sonangol (22,8%), e as restantes com 13,6% cada.

 
12.                    O primeiro carregamento do nosso LNG dirigiu-se para o Brasil, mas hoje tem-se o mercado asiático como potencial deste produto, dada a diferença competitiva.

 
13.                     Até há pouco tempo, apenas 2 blocos exploravam gás para exportação: o bloco 17, operado pela Total, e o bloco 31, operado pela britânica BP. Contudo, o objectivo é que todos os operadores forneçam gás para o Projecto Angola LNG.

 
14.                     Mesmo que os EUA sejam auto-suficientes em gás natural – muito por causa da exploração do gás de xisto – e quase auto-suficientes em petróleo, por causa do xisto betuminoso, o peso da participação das companhias norte-americanas na exploração de petróleo e gás em Angola, leva a que os políticos norte-americanos não negligenciem os seus interesses, quando abordam as autoridades políticas e económicas angolanas.