terça-feira, 23 de junho de 2009

JUSTIÇA HISTÓRICA E DIREITOS DO HOMEM


Há duas semanas, comentei neste espaço a essência do discurso do Presidente norte-americano, Barack Obama, quando, no Cairo, se dirigiu ao mundo árabe-muçulmano, numa tentativa de apaziguar tensões e desconfianças que subsistem para com o chamado mundo cristão. Nesse histórico discurso, Obama destacou algumas matérias de política internacional: o projecto nuclear do Irão, a luta contra o terrorismo, o conflito israelo-palestiniano. Duas dessas questões transformaram-se já em autênticos testes para as promessas eleitorais do Presidente norte-americano: a questão iraniana e o conflito israelo-palestiniano.

Nos últimos dias, o Irão surgiu nas primeiras páginas dos órgãos de informação por causa do conflito pós-eleitoral, com os apoiantes do candidato presidencial, o reformista Mir Hossein Moussavi, ex-Primeiro-Ministro – e também os outros dois concorrentes – a reclamar contra uma alegada fraude eleitoral que teria favorecido o actual Presidente da República Islâmica, Mahmud Ahmadinedjad. Não sendo embora o projecto nuclear do Irão que despertou a atenção do mundo, eu não tenho a menor dúvida de que uma solução negociada para tal projecto seria mais facilmente alcançada, caso o resultado da disputa eleitoral tivesse sido outro que não o oficialmente anunciado. Mir Hossein Moussavi parece estar mais interessado em negociar e modernizar o país do que Mahmud Ahmadinedjad, o homem que, volta e meia, inquieta o mundo com discursos e ameaças que só fazem lembrar o diabo…

O modo como Barack Obama se tem mantido – relativamente distante desta disputa, embora, claro, muito atento – vem mostrar a sua vontade de ser fiel ao que deste início enunciou: “Os povos têm o direito de escolher livre e democratimente os seus líderes, mesmo que eles não correspondam àquilo que os dirigentes norte-americanos eventualmente mais desejem”. E, sobre o Irão, ele disse, concretamente: “Os Estados Unidos devem manter-se relativamente distantes deste conflito, para que não nos transformemos no problema dos iranianos...”. Com esta postura, Barack Obama voltou a não defraudar as expectativas optimistas que despertou, mantendo-se novamente dentro da linha traçada na sua campanha eleitoral.

Mesmo assim, a problemática israelo-palestiniana também vai suscitando a atenção da comunidade internacional, pelas múltiplas conexões possui. Benjamim Nethanyau, o Primeiro-Ministro de Israel, deu há dias uma primeira resposta ao discurso de Barack Obama, assim como à posição por este assumida em Washington, ao dizer que: i) Aceita a criação de um Estado Palestiniano Independente, desde que desmilitarizado; ii) Exige, porém, dos palestinianos o reconhecimento de Israel como um Estado Judeu; iii) Jerusalém terá de ser a capital do Estado Judaico; iv) Continua relutante quanto ao desmanrtelamento dos colonatos judeus instalados na Cisjordánia; v) Mantém a posição de recusa ao regresso dos refugiados palestinianos que vivem na diáspora. Estas são, pois, cinco matérias suficientemente sensíveis para desmerecerem o meu cuidado, eu que ando sempre atento a este processo que iniciou precisamente no ano em que nasci. Por isso, permito-me fazer algumas reflexões:

a) A existência de um Estado Palestiniano desmilitarizado significa quase a negação desse mesmo Estado, embora, de per si, a capacidade militar não defina, necessariamente, a possibilidade, ou não, da sua sobrevivência. Porém, a experiência histórica tem demonstrado que um Estado militarmente desprotegido é, seguramente, um alvo muito mais fácil, face aos apetites expansionistas dos seus vizinhos, se carentes de espaço vital, ou seja, de território.

b) Reconhecer Israel como um Estado Judaico é esquecer os direitos de cerca de 20% dos seus actuais habitantes, que não são judeus e a quem se retiraria, automaticamente, os direitos de cidadania. É, no fundo, fazer o mesmo que os Ayatollahs do Irão, que definiram o seu como um Estado Islâmico, ou como alguns fundamentalistas europeus que pretendem também denominar a Europa como “um espaço cristão”, negando, afinal, a interculturalidade, um produto da sua história secular, ou mesmo milenar.

c) Cá entre nós, pelo menos a espaços, também se divisam algumas tentações reducionistas dos direitos dos angolanos, com certos indivíduos a acharem-se mais autênticos que os outros, e, por isso, com mais direitos. Esquecem-se, pois, por exemplo, da história anterior à chegada dos Bantu ao nosso território, e, igualmente, do longo processo histórico colonial, produtor de várias confluências. Este fundamentalismo local é, para mim, tão grave como o daqueles que definem o Estado a partir da religião. Compete agora a todos nós lutar corajosamente contra os nossos candidatos a “Ayatollahs”, “Hitler’s” encapuzados…

d) A soberania sobre Jerusalém é das questões mais intrincadas no conflito israelo-palestiniano, uma cidade com um enorme simbolismo histórico e religioso. Israel ocupou, na guerra de 1967, a parte oriental da cidade, onde os palestinianos querem estabelecer a capital do seu Estado. Nessa guerra, conhecida como a Guerra dos Seis Dias, Israel conquistou ainda outros territórios: as Colinas de Golã, a Cisjordânia, a Faixa de Gaza, o Monte Sinai, territórios então pertencentes à Síria, Jordânia, e Egipto.

e) Os colonatos judeus edificados na Cisjordânia são outro dos actuais pomos da discórdia, um dos mais intrincados problemas a ser resolvido, no âmbito de uma eventual retoma do processo de paz israelo-palestiniano. É já consenso internacional que a ereção e o alastramento dos colonatos viola flagrantemente as convenções internacionais que regem o comportamento das potências ocupantes, nomeadamente a Quarta Convenção de Genebra e a Convenção de Haia. Correspondendo a cerca de 40% de todo o território da Cisjordânia, os colonatos judeus inviabilizam a criação de um território verdadeiramente independente, com enormes bolsas estrangeiras no seu interior.

f) Em 1948, altura em que se criou o Estado de Israel, saíram do território muitos milhares de palestinianos que se espalharam por quase todo o Médio Oriente. Muitos deles viveram (ou ainda vivem) em campos de refugiados, sem terem tido a possibilidade de refazer as suas vidas, pelo menos, com a dignidade merecida. Passados tantos anos, é evidente que a esmagadora maioria dos palestinianos que saíram já desapareceram. Mas, hoje existem os seus descendentes, que possuem direitos inalienáveis, porém conflituantes com os muitos israelitas, alguns deles provenientes de outras paragens. Não estamos, pois, apenas, perante um problema de justiça histórica, estamos, sobretudo, e também, perante um elementar problema de direitos do homem.

terça-feira, 9 de junho de 2009

O GÉRMEN DA ESPERANÇA

  1. Ficou bem claro nas palavras que Barack Obama pronunciou na Universidade do Cairo, diante de mais de 3.000 pessoas – e com os ouvidos do mundo bem atentos – que a confrontação entre culturas não é o melhor caminho a seguir. A via da hostilização e do confronto só teve o condão de acirrar ódios, dando espaço e motivação aos extremistas de todos os lados. Em nome da América, Barack Obama sublinhou a necessidade do seu povo e do mundo muçulmano estabelecerem relações justas, assentes nos interesses comuns. “É necessário romper com uma era de desconfiança e discórdia”, acrescentou.

 

  1. O discurso proferido pelo Presidente norte-americano constitui a rotura com o velho estereótipo sobre a superioridade moral e ética do Ocidente face a todos os restantes povos. Esse tem sido um discurso e uma prática reiterado. Porém, Barack Obama recordou a dívida que o mundo tem para com a civilização islâmica, ela que possibilitou a Renascença europeia, devendo-se também a si o mérito do domínio, por exemplo, da Álgebra. Apelou, então, aos muçulmanos para que tenham uma mesma percepção para com a América, vendo o seu contributo para os avanços da humanidade em todos os domínios.

 

  1. Os discursos mais radicais daqueles que assumem o Ocidente como o único modelo perfeito esquecem que hoje já não há civilizações puras. O Presidente americano lembrou que o Islão também tem lugar na América, onde vivem cerca de 7 milhões de muçulmanos. Esses milhões de muçulmanos da América praticam o seu culto religioso em todos os Estados da União, num total de 200 mesquitas. Hoje estamos todos ligados e a globalização aprofundou ainda mais a interdependência, uma interdependência que se manifesta de variadas formas e em todos os domínios.

 

  1. Corajosamente, lembrou a tradição do Islão quanto à liberdade religiosa, recuando aos tempos em que na Andaluzia muçulmana da Idade Média, conviviam cristãos, judeus, muçulmanos.

 

  1. São, pois, os extremistas que querem impor outras regras, fomentar a divisão e o ódio religioso. São também esses extremistas que pretendem diminuir os direitos das mulheres. A este respeito, o Presidente norte-americano pronunciou uma frase lapidar: “Não acredito que uma mulher que use véu não seja igual, mas acredito que uma mulher a quem é negada educação não é igual”. A limitação à educação das mulheres não é uma prática generalizada no mundo muçulmano, ela é, sim, uma imposição dos extremistas.

 

 

  1. Esse foi o discurso que o mundo precisava de ouvir. Ele foi pronunciado pela pessoa certa: um americano que tem nas suas veias sangue negro do Quénia, sangue europeu da Irlanda e vivência asiática na Indonésia. Quando ainda era candidato presidencial, Obama disse que o seu modo de ver o mundo resultava de todas essas confluências. Por vezes, os almoços de fim-de-semana em sua casa mais pareciam uma reunião das Nações Unidas: todas as raças representadas na sua família, negros, brancos, asiáticos, mas também cristãos, muçulmanos e gente de outras confissões religiosas.

 

  1. A democracia não pode ser imposta a alguém, ela deve, sim, ser assumida livremente. Contudo, Obama reafirmou o seu compromisso e solidariedade para com aqueles que escolhem livremente os seus líderes. A democracia não se pode também resumir apenas aos actos eleitorais, ela deve materializar-se no respeito pela lei, pela liberdade de expressão, pela liberdade individual, pela transparência governativa. Esta parte do discurso deveria servir de material de estudo para os nossos neo-democratas, sempre muito empenhados em resumir a democracia à simples gincana eleitoral. No dia seguinte ao acto eleitoral, empenham-se logo em matá-la, coarctando a liberdade de expressão, governando de uma forma opaca e quase monárquica.

 

  1. Em matéria de política internacional, esperava-se de Obama a abordagem das questões quentes da actualidade, como o projecto nuclear do Irão, a luta contra o terrorismo, o conflito israelo-palestiniano. Ele não defraudou as expectativas em nenhuma destas matérias. Manteve-se dentro da linha que traçou durante a campanha eleitoral.

 

  1. Aparentemente, depois de viagem de Benjamim Nethanyau à Washington, a questão palestiniana parecia ter caído num impasse, dada a recusa do governo de Israel em aceitar um Estado Palestiniano independente, lado a lado com o Estado de Israel. Todavia, logo após o discurso de Obama, o porta-voz israelita pronunciou-se dizendo que Israel também espera uma reconciliação com o mundo árabe-muçulmano, desde que garantida a sua segurança.

 

  1. Após a turbulência vivida durante a Administração de George W. Bush, parece agora que a navegação pode começar a ser feita em águas menos alterosas. Tudo graças à visão quase messiânica de um homem que parece trazer dentro de si o gérmen da esperança.

JUSTINO PINTO DE ANDRADE (09/06/09)

sexta-feira, 5 de junho de 2009

ANGOLA: O DESNORTE DO GOVERNO PERANTE A CRISE

Um dia alguém muito conceituado como economista disse-me que os economistas sabem interpretar muito bem o passado mas que não conseguem predizer o futuro.
Hoje ao ouvirmos Prémios Nobel em Economia, e outras entidades reconhecidas mundialmente, sobre as causas e as possíveis consequências da crise económica em que o mundo se encontra actualmente mergulhado, ainda não se ouviu ninguém com credibilidade bastante, assegurar que as medidas que estão a ser tomadas para a saída da crise, principalmente pelos países responsáveis por ela, conduzirão irreversivelmente ao relançamento da economia mundial.
Não existem receitas únicas, a serem aplicadas simultaneamente por todos os países, para a saída da crise. Há bons exemplos da história económica mais recente: Quem não se recorda i) da chamada “crise da tequila” no México, em 1994, cujo Governo perante a drenagem das sua reservas optou por desvalorizar o peso o que, ao invés de obter os mesmos efeitos que tivera a Grã-Bretanha em 1992, causou o pânico aos investidores estrangeiros, acabando por abandonar a fixação da taxa de câmbio e desvalorizar o peso em mais de 50%; ii) da crise financeira Argentina, em 1995, cujas causas estão associadas à crise do México; iii) da deterioração da economia do Japão, a partir de 1990; da recessão económica vivida em 1997, como resultado do aumento dos impostos, tendo em vista a redução do défice orçamental; e da fixação das taxas de juros ao nível de 0%, sem que fosse suficiente para reactivar a economia; iv) do crash asiático que teve o seu epicentro na Tailândia em 1997, como consequência da desvalorização do bath (moeda tailandesa), propagando a crise às economias da Malásia, Indonésia e Coreia do Sul.
Existem casos em que países com crises económicas idênticas utilizaram os mesmos instrumentos económicos para as combater, ainda que não obtivessem os mesmos resultados conseguiram ultrapassá-las com base na experiência retirada do combate à crise da Grande Depressão, tendo mesmo o Prémio Nobel da Economia Robert Lucas (2003) afirmado que com a experiência retirada chegara o momento de seguir em diante uma vez que o problema fulcral da prevenção da depressão fora resolvido em todos os seus aspectos práticos (Krugman, 2009). Lucas foi secundado por Ben Bernanke no seu discurso “A Grande Moderação” em que defendia que a política macroeconómica moderna resolvera o problema do ciclo económico (Krugman, 2009).
A verdade é que a “crise do subprime” veio impor uma realidade à economia mundial, há muito esquecida, que os governos de vários países procuram contornar através de políticas económicas a nível nacional e da conjugação de esforços para a criação de um novo sistema financeiro a nível internacional.
Angola cuja economia possui elementos caracterizadores muito peculiares, entre os quais uma economia fortemente dependente do exterior e assente principalmente na exportação de dois produtos, petróleo e diamante; um sector agro-pecuário e industrial incipiente; carência de capital humano nacional; inexistência de uma classe empresarial nacional com capacidade criativa e inovadora; empresas estatais falidas; falta de eficiência económica e de equidade na distribuição dos rendimentos; etc., a par do seu grande potencial económico em recursos naturais (o que por si só não faz de Angola um país rico) e do interesse que nele vêm manifestando os investidores estrangeiros.
Perante os parcos elementos a que recorro, o que oferece o Governo como garante da consolidação e preservação de algumas conquistas económicas já alcançadas, nomeadamente da estabilização macroeconómica e do desenvolvimento das infra-estruturas tão necessárias à criação de condições de vida, principalmente no interior do País? Existe de facto uma estratégia económica para o País? Haverá algum plano anti-crise a ela subordinada? Há capacidade de absorção e de gestão do investimento público? A estratégia da luta contra a pobreza prevê investimentos defensivos das populações expostas aos efeitos das variações climáticas? E muito mais questões se poderiam colocar!
Na verdade, não me parece que exista uma boa estratégia económica para o país (se é que ela exista), pois, sem articulação económica não há desenvolvimento que garanta sustentabilidade na preservação dos recursos e do meio ambiente. Como pode haver uma boa estratégia quando a economia visa o bem-estar social e não se tem uma percepção da dinâmica da população (o último censo geral da população foi efectuado em 1970)? Na realidade os “per capitas” construídos com base em indicadores económicos mensuráveis; a estrutura etária da população; a sua distribuição geográfica; o nível de desemprego; etc., não terão qualquer leitura económica credível, nem servirão de base à formulação de qualquer estratégia económica, se não se souber qual a população de Angola (não basta dizer que a população cresce a uma taxa de 2,9%, como há já alguns anos o FNUAP vinha publicando com base em projecções). Na verdade, neste particular, a existir uma estratégia será mais em consonância com a aliança de interesses entre os investidores nacionais e os estrangeiros, a qual nem sempre representa os interesses do País.
O desnorte do Governo em termos estratégicos reflecte-se igualmente na definição de políticas (arbitrárias) face à crise. A perceptibilidade do desnorte reinante é devido ao posicionamento de alguns dos nossos governantes e entidades afectas ao regime, tido como credível em matéria económica, vejamos:
i) O ex - Ministro das Finanças Aguinaldo Jaime, que não é economista, excluiu Angola do mundo globalizado ao afirmar que País estaria imune a crise.
ii) O Ministro da Economia Manuel Júnior viria corroborar tal afirmação ao anunciar que o PIB cresceria a um taxa superior à taxa média do crescimento da população (atirou o número de 3%) mantendo posteriormente, o respeitável economista, a sua convicção política de que Angola não entraria em recessão.
iii) O Ministro das Finanças Severim de Morais depois dos ajustamentos efectuados ao OGE com a redução das despesas públicas, em cerca de onze mil milhões de dólares, garantiu que a economia angolana continuará a crescer com estabilidade. Anunciou também uma nova política de subsídios a preços nomeadamente dos combustíveis, água e energia.
iv) Outros conceituados economistas, e fazedores de opinião, têm vindo a cultivar as virtudes da economia angolana face à crise, embora com um optimismo cada vez mais decrescente.
Porém, Instituições como o Banco Mundial, a OCDE e outras reconhecidas internacionalmente não têm vindo a partilhar do mesmo optimismo, ao considerarem que a economia angolana será uma das mais afectadas pela crise entre as economias dos países em desenvolvimento. A OCDE no seu relatório anual “African Economic Outlook”, diz que a economia angolana em 2009 contrairá 7,2% em termos reais em relação ao PIB registado em 2008, atribuindo porém crescimento significativo aos sectores agrícola, construção e serviços.

Por outro lado, a redução das despesas anunciadas por Severim de Morais são bem o corolário da crise que o País já vive.
v) Em entrevista ao jornal Expansão o Vice-Ministro das Finanças Manuel da Cruz Neto afasta a intervenção do Governo na desvalorização do Kwanza, ao afirmar que a taxa de câmbio é flexível, admitindo porém uma intervenção caso exista uma procura anormal de divisas com objectivos especulativos.
Os agentes económicos são racionais! Sabem que o Governo interveio durante muitos anos em defesa da fixação da taxa de câmbio do Kwanza em relação ao dólar. Sabem que o Governo deixou de intervir para travar a drenagem das reservas em divisas. Sabem também que o argumento da desvalorização do Kwanza por uma procura anormal de divisas com objectivos especulativos não faz qualquer sentido.
A utilização de políticas com base em instrumentos económicos – taxas de juro, taxas de reservas bancárias, emissão de obrigações de tesouro, acesso ao crédito, a desvalorização da moeda, etc., – com vista à estabilização macro económica têm, como é óbvio, implicações no comportamento dos agentes económicos, seja nos negócios, como no consumo. Por exemplo, um aumento da taxa de reservas bancárias junto do Banco Central poderá restringir o crédito à economia, induzir a um aumento da taxa de juro e como consequência assistir-se a uma diminuição do investimento privado e do consumo. Uma desvalorização da moeda nacional poderá criar sérios problemas a empresas que tenham dívidas tituladas em moeda estrangeira, gerar uma onda inflacionista e a consequente erosão do poder de compra ou fomentar as exportações. A emissão de obrigações do tesouro para financiar a economia só terá os efeitos desejados se forem vendidas, evitando-se desse modo a emissão de mais moeda.
Em tempo de crise, mais importante que o efeito dessas medidas sobre a economia é a credibilidade de que os governos gozam junto dos agentes económicos. Se a credibilidade do governo for suspeita poderá causar o pânico junto dos investidores e estes virem a retirar os seus activos do País hóspede, no caso Angola. Por exemplo:
1) A dificuldade que o governo angolano tem em vender obrigações de tesouro a longo prazo poderá decorrer já da sua falta de credibilidade junto dos investidores, o que poderá vir a constituir elevadas dívidas de curto prazo e a necessidade de vir a pagar taxas de juro elevadas sobre essa dívida, com a agravante se ela estiver indexada ao dólar;
2) A desvalorização da moeda pode provocar o receio de novas desvalorizações e desmotivar os investidores, levando-os a retirar os seus activos ou a trocá-los por dólares, ocasionando dessa forma uma nova desvalorização da moeda, maior que a primeira.
As crises económicas são em grande medida crises de confiança nos governos, aliás, foi a falta de confiança no governo da Argentina que fez com que a “crise da tequila” contaminasse a sua economia. Foi igualmente a falta de confiança nos países do crash asiático que fez com que a crise na Tailândia se alastrasse para os países da região.
vi) O Ministério do Planeamento e o Primeiro-Ministro nada têm a dizer?
Com a actual crise está posta à prova a credibilidade do Governo Angolano para a gerir!

Luanda, 25 de Maio de 2009
*José Dias Amaral (Economista)

quinta-feira, 4 de junho de 2009

UMA QUESTÃO DE CREDIBILIDADE


A última reunião da Organização dos Países Exportadores de Petróleo, OPEP, criou muita expectativa, dada a persistente importância do petróleo na economia mundial. Houve quem esperasse que dela saísse um acordo para a redução da actual quota de produção do cartel, situada em 24,84 milhões de barris/dia, como forma de se elevar o preço do produto no mercado internacional. Essa era, seguramente, a expectativa de um grande número de países exportadores de petróleo, sobretudo os mais dependentes das receitas de exportação dessa matéria-prima. Porém, sucedeu que a OPEP optou por manter inalterável a quota definida em Março, alegadamente porque aquela ainda nem foi cumprida, com alguns países a desrespeitarem a decisão assumida. Soubemos agora que, embora estejamos a assumir a direcção rotativa do cartel, o nosso país foi um dos que desrespeitou a quota a si estabelecida, estando neste momento a exportar na ordem dos 1,8 milhões de barris/dia, portanto, acima dos 1,6 milhões de barris/dia, então acordados.

A tentação para a violação das quotas resulta de se pensar que, assim, se consegue arrecadar mais receitas, criando mais facilmente as condições para a realização dos projectos orçamentados pelo Estado. Porém, se todos cumprissem as quotas, seguramente que se reduziria a oferta do petróleo, com a consequente elevação do seu preço, e talvez se obtivesse o mesmo resultado financeiro, com um ganho acrescido: o prolongamento das reservas por mais algum tempo. É tudo, pois, uma questão de opção: ou buscamos resultados económicos imediatos, ou preferimos estender no tempo a exploração de um recurso que, tendo embora um futuro muito incerto, todavia, ainda não se possa dizer que tenha já o seu funeral anunciado.

A importância da OPEP decorre do facto de o cartel participar com 40% na circulação mundial do petróleo. Com o esforço de contenção, mais facilmente se poderia alcançar um preço internacional próximo dos 70 usd / barril. Nas circunstâncias actuais, esse é considerado o verdadeiro preço de equilíbrio, um preço que mais justamente satisfaria as expectativas quer dos vendedores, quer dos compradores, como nos ensinam as regras mais elementares de funcionamento do mercado. Um preço muito acima deste patamar causará grande sobrecarga nos custos, transformando-se em factor inibidor do processo de recuperação económica que o mundo hoje aspira.

Ao desrespeitar a quota que nos foi atribuída, o nosso país colocou-se, pois, em contra-mão, entrando no leque dos incumpridores, mesmo que o justifique com a premência de obter recursos financeiros para a realização dos alguns programas e projectos. Podemos também retirar mais outra conclusão: quando Angola decidiu aderir ao cartel do petróleo, não terá sopesado bem todos os prós e todos os contras. Está agora na incómoda situação de ser considerado mais um dos países relapsos, com um défice de reputação para circunstâncias futuras.

O que se passou tem, afinal, uma explicação já consagrada em economia: caso todos os países cumprissem as suas quotas de produção, a oferta mundial do produto reduzir-se-ia – então, os seus preços internacionais tenderiam a subir, para um nosso maior conforto, em termos de receitas fiscais; caso todos os países violassem o acordo de produção, aumentava a oferta do produto – com a consequente redução do preço praticado, e implicações negativas sobre as receitas; porém, se algum, ou alguns dos parceiros violassem o acordo, como afinal veio a suceder, todos teriam a tentação de o violar. (Todos esses resultados só serão válidos se não houver uma alteração muito sensível do lado da procura, como parece estar a suceder nos tempos que correm).

O comportamento relapso de alguns dos parceiros no cartel coloca, pois, uma questão de credibilidade e de confiança, e não se vislumbra, por enquanto, quais serão as suas consequências no médio e no longo prazos. É que, nas relações de mercado, ou mesmo em outras relações da vida, o comportamento estratégico dos jogadores e, sobretudo, o seu grau de credibilidade são relevantes para a tomada de decisões e os seus resultados finais, em especial, quando a interacção estratégica se realiza repetidas vezes. No fundo, no fundo, o que é importante é cada um decidir: ou se visam apenas os resultados imediatos; ou interessa mais a soma dos resultados ao longo do tempo. A actual interacção estratégica vai prosseguir em próximos actos. Teremos, então, a oportunidade de avaliar se realmente valeu a pena violar as regras, ou se a credibilidade e a confiança nos negócios não passam, afinal, de simples loucuras dos economistas.
A última reunião da Organização dos Países Exportadores de Petróleo, OPEP, criou muita expectativa, dada a persistente importância do petróleo na economia mundial. Houve quem esperasse que dela saísse um acordo para a redução da actual quota de produção do cartel, situada em 24,84 milhões de barris/dia, como forma de se elevar o preço do produto no mercado internacional. Essa era, seguramente, a expectativa de um grande número de países exportadores de petróleo, sobretudo os mais dependentes das receitas de exportação dessa matéria-prima. Porém, sucedeu que a OPEP optou por manter inalterável a quota definida em Março, alegadamente porque aquela ainda nem foi cumprida, com alguns países a desrespeitarem a decisão assumida. Soubemos agora que, embora estejamos a assumir a direcção rotativa do cartel, o nosso país foi um dos que desrespeitou a quota a si estabelecida, estando neste momento a exportar na ordem dos 1,8 milhões de barris/dia, portanto, acima dos 1,6 milhões de barris/dia, então acordados.

A tentação para a violação das quotas resulta de se pensar que, assim, se consegue arrecadar mais receitas, criando mais facilmente as condições para a realização dos projectos orçamentados pelo Estado. Porém, se todos cumprissem as quotas, seguramente que se reduziria a oferta do petróleo, com a consequente elevação do seu preço, e talvez se obtivesse o mesmo resultado financeiro, com um ganho acrescido: o prolongamento das reservas por mais algum tempo. É tudo, pois, uma questão de opção: ou buscamos resultados económicos imediatos, ou preferimos estender no tempo a exploração de um recurso que, tendo embora um futuro muito incerto, todavia, ainda não se possa dizer que tenha já o seu funeral anunciado.

A importância da OPEP decorre do facto de o cartel participar com 40% na circulação mundial do petróleo. Com o esforço de contenção, mais facilmente se poderia alcançar um preço internacional próximo dos 70 usd / barril. Nas circunstâncias actuais, esse é considerado o verdadeiro preço de equilíbrio, um preço que mais justamente satisfaria as expectativas quer dos vendedores, quer dos compradores, como nos ensinam as regras mais elementares de funcionamento do mercado. Um preço muito acima deste patamar causará grande sobrecarga nos custos, transformando-se em factor inibidor do processo de recuperação económica que o mundo hoje aspira.

Ao desrespeitar a quota que nos foi atribuída, o nosso país colocou-se, pois, em contra-mão, entrando no leque dos incumpridores, mesmo que o justifique com a premência de obter recursos financeiros para a realização dos alguns programas e projectos. Podemos também retirar mais outra conclusão: quando Angola decidiu aderir ao cartel do petróleo, não terá sopesado bem todos os prós e todos os contras. Está agora na incómoda situação de ser considerado mais um dos países relapsos, com um défice de reputação para circunstâncias futuras.

O que se passou tem, afinal, uma explicação já consagrada em economia: caso todos os países cumprissem as suas quotas de produção, a oferta mundial do produto reduzir-se-ia – então, os seus preços internacionais tenderiam a subir, para um nosso maior conforto, em termos de receitas fiscais; caso todos os países violassem o acordo de produção, aumentava a oferta do produto – com a consequente redução do preço praticado, e implicações negativas sobre as receitas; porém, se algum, ou alguns dos parceiros violassem o acordo, como afinal veio a suceder, todos teriam a tentação de o violar. (Todos esses resultados só serão válidos se não houver uma alteração muito sensível do lado da procura, como parece estar a suceder nos tempos que correm).

O comportamento relapso de alguns dos parceiros no cartel coloca, pois, uma questão de credibilidade e de confiança, e não se vislumbra, por enquanto, quais serão as suas consequências no médio e no longo prazos. É que, nas relações de mercado, ou mesmo em outras relações da vida, o comportamento estratégico dos jogadores e, sobretudo, o seu grau de credibilidade são relevantes para a tomada de decisões e os seus resultados finais, em especial, quando a interacção estratégica se realiza repetidas vezes. No fundo, no fundo, o que é importante é cada um decidir: ou se visam apenas os resultados imediatos; ou interessa mais a soma dos resultados ao longo do tempo. A actual interacção estratégica vai prosseguir em próximos actos. Teremos, então, a oportunidade de avaliar se realmente valeu a pena violar as regras, ou se a credibilidade e a confiança nos negócios não passam, afinal, de simples loucuras dos economistas.