sexta-feira, 29 de abril de 2011

OS EQUÍVOCOS DO PRESIDENTE DO MPLA

  1. O presidente do MPLA discursou perante o seu Comité Central, na reunião preparatória do próximo Congresso e fez declarações que não podem ser deixadas sem resposta, pelas repercussões que tiveram sobre a nossa sociedade. Neste texto, vou debruçar-me somente sobre algumas questões, sobretudo as que têm um carácter mais político. Para uma melhor compreensão, e sempre que possível, socorrer-me-ei da apresentação das suas palavras e, depois, passarei a comentá-las.
  2. Sobre os primórdios da constituição dos novos Estados em África, José Eduardo dos Santos assinalou o facto de, em vários países, os processos revolucionários terem culminado com “a organização de Estados ou sistemas políticos de partido único, em que a base do sistema económico era o capitalismo de Estado erigido na base de um conjunto de empresas do Estado”. E prosseguiu: “Nalguns casos, como foi o nosso, o processo revolucionário teve carácter de classe e levou à tentativa de configuração de uma ditadura democrático-revolucionária, com um sistema de governo socialista baseado no plano económico único e na direcção centralizada da economia”. De seguida, reconheceu que qualquer um dos modelos falhou, pois “não foram capazes proporcionar o exercício das liberdades e garantias fundamentais e o advento da prosperidade económica e social”.
  3. É bom que, finalmente, JES tenha reconhecido que, durante quase duas dezenas de anos, dirigiu uma “ditadura”, embora a tenha ornamentado com a expressão “democrático-revolucionária”. Na realidade, o regime que JES herdou de Agostinho Neto, e que depois dirigiu entusiasticamente, foi somente uma ditadura, pois suprimiu todas as vozes políticas dissonantes e não deixou sequer espaço para a organização da sociedade civil. As únicas organizações aceites eram aquilo a que, pomposamente, chamavam de “as correias de transmissão do partido”, diga-se, do MPLA.
  4. É bom, também, que JES tenha reconhecido o falhanço do seu e do outro modelo que refere, e, sobretudo, que tenha dito agora, publicamente, que eles aprisionaram “o exercício das liberdades e garantias fundamentais”. Em consequência, tornaram-se num obstáculo ao desenvolvimento económico e social. Assim, e apenas por este facto, está pois declarado que a causa do nosso actual subdesenvolvimento tem que ser partilhada pelo passado colonial, pela guerra civil e pelas opções políticas erradas daqueles que nos governaram. Logo, por JES que nos governa já lá vão 32 anos.
  5. Faz também alusão a uma suposta “revolução pela democracia representativa e a economia de mercado em quase todo o continente africano”. Intriga-me esta constatação quando é sabido que, no caso de Angola, a passagem à democracia representativa foi sempre apresentada como tendo sido uma verdadeira “doação” do MPLA e não como o fruto da conjugação de esforços de forças opositoras com a pressão da sociedade civil emergente. Nunca me pareceu que o MPLA tenha conduzido uma qualquer “revolução”, dado que os protagonistas do partido único e da ditadura foram, afinal, os mesmos que, depois, vestiram as vestes “democráticas”.
  6. De um dia para o outro, os arautos do partido único alteraram o seu discurso teórico. De um dia para o outro, os mesmos de antes passaram a defender o que antes condenavam com enorme veemência (e até reprimiam com acentuada violência) e, de seguida, iniciaram uma frenética cavalgada para se colocarem na vanguarda do capitalismo que diziam odiar… Mas, infelizmente, já tinham provocado o descalabro da nossa economia e desarticulado o alicerces da nossa sociedade…
  7. JES fala ainda numa “alternância democrática” promovida nos novos regimes instalados em África. É suposto que não estaria a falar em Angola. É suposto que não estaria a referir-se a países onde os presidentes e os seus partidos políticos ganham eleições com mais de 80% dos votos e se eternizam no poder por dezenas de anos. Isso não é típico das democracias, mas, sim, do modelo soviético de triste memória…
  8. Para haver alternância democrática tem que haver uma verdadeira democracia e não as mascaradas democráticas que se foram consolidando nos últimos anos. Por norma, em África, as forças políticas no poder procuram, sim, manter uma aparência democrática, torpedeando todas as regras de jogo que permitem que haja alternância democrática. São poucos os países africanos em que a regra não seja essa. De tal modo que a nossa organização continental, a União Africana, já se transformou num espaço em que, há dezenas de anos, se reúnem amigos de velha data…
  9. É verdade, como diz JES, “Hoje há uma certa confusão em África”. Mas, já não é verdade que haja quem queira “trazer essa confusão para Angola”.
  10. Talvez ele não tenha percebido, mas eu esclareço: A confusão que existe em África não está a pôr em causa regimes democráticos nem presidentes genuinamente democratas. A confusão que se instalou em alguns países africanos resulta, sim, do facto de haver quem pense que o poder lhe foi outorgado como se fosse um dote pessoal e transmissível para os seus descendentes, ou para quem lhes interesse. É assim em África, é assim também no Médio Oriente. Se ainda subsistirem dúvidas, procuremos então no mapa o país democrático que esteja, neste momento, a ser objecto de uma revolução democrática. São as ditaduras que estão ser questionadas e, por isso, quem por elas nutrir simpatias é porque a carapuça lhe serviu…
  11. Dizer que os lutadores pela democracia nesses países são “os oportunistas, os intriguistas e os demagogos” e que, afinal, eles “querem enganar aqueles que não têm o conhecimento da verdade” não é justo. E torna-se espantoso vindo da boca de quem se apresenta como dirigente de um país democrático. O correcto seria ouvirmos da boca de JES manifestações de solidariedade para com os democratas desses países e, porque não, também, para com os do seu próprio país.
  12. Pelo que percebi, JES mostrou alguma incomodidade perante a expansão das redes sociais e pelas manifestações públicas que não sejam de louvor e/ou bajulação. Na realidade, as chamadas redes sociais são um fenómeno da nossa época e que tanto podem ser usadas para o bem como para a prática de actos inconvenientes. Porém, é um erro transformá-las no inimigo a abater. O que temos de abater é o silêncio imposto pelo medo e pela chamada “lei da rolha”. O que temos de abater é o desrespeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos, entre os quais está, claramente, o direito à informação e à manifestação.
  13. O direito à manifestação está consagrado na Constituição da República e a lei ordinária que lhe é dedicada não obriga a sua autorização. Não pode, por isso, o presidente do MPLA transformar-se no porta-voz dos poucos angolanos que julgam que a manifestação de sinal contrário deve ser reprimida.
  14. Agora já entendo porquê que os Governadores Provinciais abusam do direito de impedir toda a manifestação que não tenha como objectivo louvar e/ou bajular.
Sinto que não me resta espaço para comentar as outras matérias que o presidente do MPLA abordou no seu discurso. Talvez seja possível fazê-lo numa próxima ocasião.

O DISCURSO DE JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS

  1. No dia 14 deste mês, na reunião do Comité Central do MPLA, o presidente José Eduardo dos Santos proferiu um discurso que suscitou desapontamento em certos sectores da nossa sociedade. Houve mesmo quem o tenha considerado um verdadeiro insulto à sua inteligência.

  1. Neste espaço não me é possível analisar a totalidade da intervenção de José Eduardo dos Santos, pelo que vou apenas limitar-me a uma das questões económicas, e que é também eminentemente social, que me pareceu ser a mais sensível: a problemática da pobreza em Angola.

  1. Sobre esta matéria, foram, pois, as seguintes as palavras do presidente do MPLA: “Dizem, por exemplo, que há pobreza no país. Nunca ninguém disse que não há e esta situação não é recente. Quando eu nasci e mesmo quando os meus falecidos pais nasceram já havia muita pobreza na periferia das cidades, nos musseques, no campo, e nas áreas rurais.

Agostinho Neto falou nos seus versos da miséria extrema dos musseques, das casas de lata sem água nem luz eléctrica. António Jacinto, outro poeta proeminente, falou do contratado, cujo pagamento era fuba e peixe seco e ‘porrada’ quando se refilava.

Foi no musseque e no campo, nesse mundo de pobreza, que a maior parte de nós nasceu, cresceu e forjou a sua personalidade.

Conhecemos a origem da pobreza em Angola. Não foi o MPLA nem o seu Governo que a criou. Esta é uma pesada herança do colonialismo e uma das causas que levou o MPLA a conduzir a nossa luta pela liberdade e para criar o ambiente político necessário para resolver esse grave problema.

Infelizmente, as guerras que assolaram o país agravaram a situação, mas se consultarmos as estatísticas veremos que, com a conquista da paz em 2002 e graças ao trabalho do nosso Governo, os índices de pobreza que estavam em cerca de 70 por cento em 2002, baixaram oito anos depois, em 2010, para cerca de 37 por cento, quase metade!

Temos um programa de luta contra a pobreza e, se continuarmos com esse ritmo de redução, esse problema deixará de existir dentro de alguns anos.”

  1. Estou de acordo com o presidente do MPLA quando ele diz que no período colonial já havia pobreza em Angola e que tal pobreza era bem visível nos musseques e nas áreas rurais. Estou também em sintonia com o discurso de José Eduardo dos Santos quando ele invoca os testemunhos inseridos nos versos de dois dos mais consagrados poetas angolanos: Agostinho Neto e António Jacinto. O primeiro referia-se poeticamente às casas de lata sem água e sem energia eléctrica, e o segundo ao trabalho contratado cujo pagamento, por vezes, era feito com fuba podre e peixe pobre, e até mesmo “porrada” se refilassem…

  1. Para alguns, foi esse estado de coisas que os motivou a aderirem ao projecto da luta de libertação nacional. Para outros terá sido, talvez, mais a consciência de que a relação colonial era uma aberração e, por isso, não se adequava aos novos tempos. Houve mesmo quem tenha participado na luta com o objectivo de criar um país novo, livre da opressão colonial, mas, onde também viesse a imperar a justiça social e em que as liberdades civis, políticas e económicas não passassem de retórica ou de meras intenções.

  1. Enfim, cada um de nós teve as suas motivações particulares e foi no conjunto dessas motivações particulares que conseguimos a proeza de libertar o nosso país do jugo colonial. Mas, depois, revelaram-se as personalidades de cada um e, sobretudo, as ambições subjacentes.

  1. Infelizmente, o presidente do MPLA não teve a coragem de assumir a sua quota-parte de responsabilidade no processo de empobrecimento do nosso país. Ele limitou-se a recuar à miséria que os angolanos herdaram do período colonial – que ninguém, em sã consciência, pode negar – assim como ao contributo da guerra civil para o aprofundamento dessa miséria. Mas o presidente do MPLA equivocou-se redondamente quando retirou de cima do seu partido o peso da responsabilidade pela persistência da pobreza em Angola.

  1. É bom recordar que, em 1975, todos foram culpados pela guerra que sobreveio, já que não foram capazes de criar uma plataforma de entendimento que nos permitisse ascender à independência unidos na nossa diversidade. No fervor das opções políticas e convicções ideológicas de cada um, os protagonistas angolanos socorreram-se dos seus aliados para mais facilmente chegarem ao poder e, se possível, usufruírem dele sozinhos. Foi assim que arrastaram o povo angolano para uma guerra civil que durou décadas.

  1. A guerra civil angolana de modo algum pode ser apenas atribuída às potências externas que nela intervieram. Nós, os angolanos, fomos parte activa e consciente. Nós, os angolanos, não funcionámos como meros autómatos, como alguns agora preferem fazer parecer.

  1. Se é verdade que a guerra civil contribuiu para tornar muitos angolanos ainda mais pobres do que já eram no tempo colonial, como disse o presidente do MPLA, deixar de reconhecer que as opções políticas que se fizeram, e a que José Eduardo dos Santos aderiu entusiasticamente e até aprofundou, são hoje a principal causa da persistente pobreza que o povo angolano conhece.

  1. O modelo de economia por que o MPLA optou, logo depois da independência, desgraçou, por exemplo, a vida de muita gente. Para o MPLA, o Estado seria, tendencialmente, o único proprietário, e a propriedade privada seria um mal a ser extirpado.

  1. Hoje, o presidente do MPLA utiliza como bandeira dados estatísticos que foram obtidos por metodologias diferentes, logo não comparáveis, para se vangloriar dos méritos da acção do seu governo no combate à pobreza. Disse, por exemplo, que depois do final da guerra os índices de pobreza se reduziram substancialmente de cerca de 70% para perto de 37%. Já o mesmo tinha sido afirmado não há muito tempo pelo Coordenador Residente das Nações Unidas em Angola, Koen Vanormelingen, em conferência de imprensa realizada em Luanda, fazendo, contudo, referência ao facto de essa avaliação ter sido feita com base nas receitas monetárias.

  1. Na altura, o Coordenador Residente das Nações Unidas atribuiu a responsabilidade de tais avanços ao facto de sermos um país que exerce uma forte atracção para o investimento estrangeiro, estarmos em fase de reabilitação das infra-estruturas económicas e sociais, haver um sensível recuo nos níveis de mortalidade materna e infantil, por estarmos a aumentar de forma significativa a taxa de escolarização primária e a expandir a nossa rede sanitária, e por se verificar um crescente número de quadros técnicos.

  1. Porém, o Coordenador Residente das Nações Unidas em Angola fez ainda referência ao facto de prevalecerem entre os angolanos grandes disparidades que, no médio e no longo prazo, podem pôr em causa o próprio desenvolvimento económico e social. E ilustrou o seu pessimismo com a existência de 7 milhões de angolanos a viverem com menos de 1.75 usd, cerca de 1 milhão de crianças fora do sistema nacional de ensino primário, e milhões de pessoas sem acesso a serviços de saneamento adequados.

  1. É bom dizer que, modernamente, o rendimento monetário não é argumento suficiente para exprimir devidamente o estado de pobreza. Uma concepção moderna da pobreza tem de atender ainda a outros aspectos para além do rendimento monetário. Por exemplo, à dificuldade de acesso aos bens e a determinados serviços básicos, como água, luz, saúde, educação e habitação, o que dá uma ideia multifacetada da condição de vida dos pobres.

  1. No caso de Angola, a lógica do rendimento monetário falece imediatamente, se tivermos em linha de conta o valor do dinheiro e o nosso custo de vida – que é um dos mais caros do mundo. O que são, afinal, 2 usd/dia numa sociedade em que até um pequeno balde de água custa os olhos da cara?

  1. O economista do Bangladesh e Prémio Nobel da Paz 2006, Muhammad Yunus, vai ainda mais longe quando diz que pobre é “quem está inseguro quanto ao futuro e sem previsão dos rendimentos que terá para sobreviver”.

O presidente do MPLA ignorou estas abordagens mais realistas, apegando-se apenas a números que não espelham bem a realidade do nosso país, e, muito em especial, dos musseques e das nossas áreas rurais.

PODERÃO ATÉ MORRER DA CURA…

  1. A realização do VI Congresso do Partido Comunista Cubano foi dos acontecimentos mais simbólicos da última semana, pelos resultados inovadores que produziu e, também, pela saída de cena de Fidel Castro. Vou, pois, discorrer sobre algumas das decisões que foram tomadas nesse histórico Congresso.

  1. No domínio económico, em especial, os comunistas cubanos decidiram cortar a porção mensal de alimentos que eram distribuídos à população, optaram por estimular a iniciativa privada, e prometeram reduzir substancialmente o quadro do funcionalismo público.

  1. No plano estritamente político, para além da passagem a reforma do seu dirigente histórico, Fidel Castro, os comunistas cubanos estão também em vias de limitar para cinco anos os mandatos dos futuros líderes, incluindo o do presidente da República, podendo, contudo, repetir-se os mandatos por mais cinco anos.

  1. Desde que se deu a desvinculação militar cubana do processo político angolano, aquele país latino-americano deixou de ser um parceiro estratégico de Angola, porque, entretanto, se reduziram as restantes áreas de intervenção. Contudo, o que se passa hoje nesse país é, entre nós, seguramente, objecto de grande atenção, pois os dois países forjaram laços históricos que não serão facilmente esquecidos – independentemente da avaliação que cada um faça do carácter de tais laços.

  1. Era perceptível que o subsídio aos alimentos instituído em Cuba visava garantir uma subsistência mínima a cada cidadão. Mas, ao longo do tempo, tal prática assistencial terá, seguramente, criado vícios e até mergulhado os cubanos numa cultura de crónica dependência face ao Estado.

  1. Durante dezenas de anos os cidadãos cubanos foram mentalizados de que essa seria uma das mais importantes funções do Estado. E mais, que se tratava de uma das vias pela qual o Estado estabelecia a justiça social. Para o regime comunista cubano garantir a subsistência mínima evidenciava, pois, a autoproclamada superioridade moral do seu Estado.

  1. O subsídio aos alimentos e outras responsabilidades sociais e económicas do Estado oneraram demasiado a despesa pública, colocando-o às portas da falência técnica, como publicamente admitiu o actual dirigente máximo do país, Raul Castro.

  1. Um Estado falido não pode continuar a manter esses e até outros compromissos. Um Estado falido perde competitividade face a terceiros, num mundo cada vez mais globalizado.

  1. Em si, a vertente assistencial do Estado não é um erro, mas torna-se insuportável quando ultrapassa determinados limites, a partir dos quais o Estado se manieta e, a prazo, fica incapaz de realizar cabalmente as restantes funções que são de sua obrigação.

  1. O Estado cubano está, sim, falido e a sua classe política começou a fazer uma inversão de marcha de que ainda não se sabe onde parará.

  1. Ao longo destes anos, o Estado cubano poderá ter gerado homens e mulheres incapazes de sobreviver sem que alguém os ampare e aconchegue. Adivinham-se, pois, momentos muito difíceis que podem ser o presságio de ondas de contestação de resultados incalculáveis.

  1. Para que uma sociedade se desenvolva, para além da acção do Estado, há também que atender ao papel do sector privado da economia. Ao Estado competirá ocupar-se apenas de algumas áreas económicas. E no que diz respeito ao apoio social, o seu cuidado deverá preferencialmente ser dedicado aos mais débeis, aos que, temporária, ou definitivamente, perderam capacidade para subsistir pelos seus próprios meios.

  1. Em Cuba, o Estado tomou conta de tudo, fez desaparecer a iniciativa individual e transformou o indivíduo numa peça da vasta engrenagem controlada, por controlo remoto, pela máquina do Partido Comunista. É essa, talvez, a principal razão do seu actual subdesenvolvimento, mesmo que se orgulhem de possuir um sistema de saúde e um sistema de educação abrangendo toda a sociedade. Contudo, até agora, os cubanos apenas referiam os danos causados pelo bloqueio norte-americano, esquecendo-se dos erros do próprio sistema. Pelo menos, publicamente.

  1. A riqueza das sociedades democráticas advém precisamente do facto de elas darem mais espaço ao indivíduo, permitindo que ele se exprima, que manifeste a sua capacidade e que evidencie a sua criatividade. Sendo responsável pelo seu próprio destino, o indivíduo cuida melhor de si e também do seu património. A transferência de toda a riqueza e de todo o património para a esfera do Estado desestimula o indivíduo, limitando o entusiasmo da sua participação.

  1. São, sobretudo, esses contributos individuais que fazem das sociedades democráticas mais ricas e mais competitivas. Um ser livre cria coisas novas que também beneficiam os outros, pelas relações de compra e venda. As sociedades democráticas são, assim, mais dinâmicas, porque há muita gente a criar.

  1. A busca do lucro também não é um mal, como se ensinou, durante muitos anos, aos cidadãos cubanos. O lucro só é um mal quando é obtido injustamente e quando se torna leonino. Ao Estado compete, então, intervir, para garantir ajustes e equilíbrios, utilizando para tal o processo de redistribuição da riqueza e do rendimento nacional.

  1. Outro erro capital de sociedades como a cubana é a ideia de que existem pessoas mais adequadas do que outras para salvaguardar o interesse nacional. Foi essa prática que provocou o imobilismo em que a sociedade cubana caiu, já que, cada vez mais, as sociedades têm que se renovar, mesmo até do ponto de vista geracional.

  1. Os chamados “guardiões da revolução” tornam-se mesmo um obstáculo ao desenvolvimento social, pois deixaram de ser capazes de entender o sentido da história e não conseguem sobreviver a uma verdadeira competição política. Foi isso que fez com que, até a pouco tempo, as prisões cubanas estivessem cheias, e por isso também milhares e milhares de cubanos optaram pelo exílio, indo contribuir para o enriquecimento de outros países, em especial, os EUA.

  1. É pena que os dirigentes cubanos tenham resistido tantos anos aos desafios da modernidade e se tenham tornado tão adversos aos valores que balizam as sociedades livres e democráticas. Agora, eles vão, seguramente, deixar como herança uma multidão de cidadãos impreparados para a competição internacional. Tal como aqui, será do seio da classe governante que emergirão os novos-ricos, feitos empreendedores por via administrativa e à custa do erário público. Emergirão, inevitavelmente, massas enormes de descontentes e inadaptados que se tornarão um factor de permanente instabilidade. Serão esses revoltados que irão apontar o dedo acusatório aos gerontocratas que, mesmo assim, ainda teimam em governá-los.

  1. Seria bom que tivessem entendido tudo isso muito mais cedo, e, assim, os danos até seriam menores. Seria bom que tivessem feito atempadamente a leitura do que se passava na China, que iniciou as suas reformas económicas em 1978, ou mesmo no Vietname, que as implementou a partir de 1986.

Cuba perdeu dezenas de preciosos anos. Agora, nem sei mesmo se até não morrerá da cura…