quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

NÃO TEMOS MOTIVOS PARA EMBANDEIRAR EM ARCO…


  1. A Organização Não Governamental Transparência Internacional fez sair o seu habitual Relatório Anual sobre o “Índice de Percepção da Corrupção” e, de imediato, entidades dos países pior colocados no ranking fizeram ouvir as suas vozes de protesto, com o objectivo de desvalorizarem os resultados produzidos.

 

  1. Houve, também, aqui entre nós, quem tenha manifestado contentamento, ao ver melhorada, na sua perspectiva, a imagem pública do nosso país, no que à transparência nos negócios diz respeito. Foi o que fez, por exemplo, o nosso único diário, o Jornal de Angola, ao traduzir o facto em notícia, nos seguintes termos: “Angola com êxito na transparência”. Se eu me tivesse limitado a esta notícia, teria, pela certa, perdido a visão do conjunto e a verdadeira essência do problema. Por isso, retomo aqui o assunto, por que vale a pena um melhor esclarecimento.

 

  1. O chamado “Índice de Percepção da Corrupção” não mede objectivamente a corrupção mas, sim, o modo como a sociedade percebe subjectivamente a corrupção em cada país. Para tal, a Transparência Internacional socorre-se dos depoimentos de empresários e analistas que são convidados a depor sobre o grau de corrupção em cada país.

 

  1. A Transparência Internacional recolhe tais informações a partir de agências internacionais especializadas, como o Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, Banco Asiático e Banco Africano de Desenvolvimento, entre outros. Quem presta tais informações são, pois, os próprios nacionais de cada país. É a sua visão sobre a corrupção nos seus próprios países. Na ausência de um termo mais adequado, diria que é uma “endo-visão”.

 

  1. Outra questão que reputo importante. Não é correcto comparar directamente o resultado actual com os dos anos anteriores, dado que, nos anos anteriores, a nota final de cada país era obtida pela combinação dos resultados obtidos em outros rankings internacionais de corrupção, posteriormente ponderada em função dos desempenhos do país em cada ranking comparados aos dos outros países avaliados. Neste ano de 2012, com a adopção de uma nova metodologia, a etapa de ponderação foi eliminada, e as notas do Índice são calculadas apenas a partir dos dados do ano corrente. Consegue-se, assim, pois, uma melhor imagem das transformações operadas em cada país na luta contra a corrupção. No futuro, facilitará, de uma forma mais clara e directa, comparações anuais.

 

  1. Até 2011, o “Índice de Percepção da Corrupção” estabelecia notas (pontuações) que iam de 0 a 10. A partir deste ano de 2012, o Índice pontua de 0 a 100, sendo que ao nível mínimo corresponde a corrupção mais elevada, corrupção generalizada, e o nível máximo define os países mais limpos de corrupção, ou seja, os menos penalizados por esse fenómeno social.

 

  1. Na presente avaliação da Transparência Internacional, que envolveu 176 países, Angola colocou-se num nada cómodo centésimo quinquagésimo sétimo lugar (157º). Ou seja, o nosso país ficou entre os cerca de 20 países pior colocados.

 

  1. Não existe unanimidade quanto à consistência do “Índice de Percepção da Corrupção”:

 

a)     Há quem o critique pela influência que a corrupção passada exerce sobre os depoentes;

b)    Há também quem o critique pelo destaque que a imprensa geralmente dá a casos isolados de corrupção – condicionando, psicologicamente, os depoentes;

c)     E, igualmente, há quem o critique pelo método de cálculo utilizado que dificulta a sua projecção em séries estatísticas.

 

Mesmo assim, e em termos gerais, é consensual a ideia segundo a qual o “Índice de Percepção da Corrupção” permite retirar informação útil sobre o nível de transparência ou opacidade prevalecente nos diversos países.

 

  1. A experiência recente de avaliações extremamente favoráveis que algumas agências de avaliação do risco de crédito fizeram a determinados bancos que – depois, se verificou serem verdadeiros “gigantes com pés de barro” e que vieram mesmo a falir – de certo modo relativiza o valor desse e de outros indicadores. Contudo, mesmo assim, é sempre possível extrair conclusões interessantes a partir do posicionamento dos países integrantes do ranking.

 

  1. Por exemplo, desde há alguns anos a esta parte, a Somália – país extremamente instável e sem uma governação sólida – repete-se no lugar menos honroso da classificação (corrupção generalizada), e a Nova Zelândia vai tendo lugar cativo nas melhores posições do ranking (ausência de corrupção), juntamente com outros países nórdicos como a Dinamarca, Suécia, Finlândia e Noruega, países que têm como parceiro muito próximo Cingapura.

 

  1. Nos últimos lugares da lista é frequente aparecerem Estados com estruturas governativas frágeis e instáveis, onde se desenvolvem, ou desenvolveram, guerras ou conflitos internos, tais como o Afeganistão, Mianmar, Sudão ou Iraque. A Coreia do Norte acompanha-os na cauda da tabela. Para debelar os seus desses países, a Transparência Internacional vai apontando como solução:

 

a)     O reforço das instituições dos Estados frágeis e instáveis;

b)    Uma maior eficácia e independência dos órgãos judiciais;

c)     A criação de órgãos apropriados para combater a corrupção;

d)    A aplicação vigorosa da lei e uma utilização transparente dos orçamentos públicos;

e)     A independência dos órgãos de comunicação, bem como o reforço da sociedade civil.

 

  1. Depois de África, a América Latina é a região do mundo onde se percebem os maiores índices de corrupção. A Venezuela (165º) é tida como o país mais corrupto de América Latina, ombreando com o Haiti.

 

  1. O Brasil (69º) foi cotado como terceiro melhor da América Latina (tendo apenas a sua frente o Chile e o Uruguai) e o menos corrupto entre os BRIC’s, os países emergentes que mais crescem no mundo: Brasil, Rússia (133º), Índia (94º), China (80º) e África do Sul (69º). O Brasil partilha tal posição com a África do Sul.

 

  1. A actual melhor imagem do Brasil será, seguramente, e em grande medida, devida ao julgamento do chamado “Mensalão”, que pôs nas barras do Tribunal político importantes e empresários, assim como às recentemente aprovadas “Lei da Ficha Limpa” e “Lei de Acesso à Informação”.

 

  1. O Botsuana (30º) lidera os países africanos, países, por regra colocados nos lugares derradeiros da Tabela.

 

  1. Do conjunto dos países lusófonos, Portugal (33º) é tido como o menos corrupto, perseguido muito de perto por Cabo Verde (39º). Seguem-se São Tomé e Príncipe (72º), Timor-Leste (113º), Moçambique (123º) Guiné-Bissau (150º). Angola (157º) é o país lusófono onde se percebe melhor a corrupção.

 

  1. Repito, a lista da Transparência Internacional inclui 176 países e nós somos o 157º. Não temos, pois, ainda, os angolanos motivos sérios para embandeirar em arco, como fez o nosso único jornal diário… Nem será por efeito de mera propaganda que deixaremos para outros o lugar incómodo em que hoje nos situamos. Será, sim, por acções concretas e pelo respeito das leis aprovadas, que até já existem.