segunda-feira, 21 de maio de 2012

A SOCIEDADE DE INFORMAÇÃO


  1. A Liberdade de Expressão e uma das suas dimensões, a Liberdade de Imprensa, integram o amplo conjunto de Direitos consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos.



  1. Devido à grande importância de que se reveste, em sessão de 20 de Dezembro de 1993, a Assembleia Geral das Nações Unidas consagrou o dia 3 de Maio como Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, na sequência da “Declaração de Windhoek” aprovada em 1991, no decurso do Seminário promovido pela UNESCO sobre “Promoção da Independência e do Pluralismo da Imprensa em África”.



  1. Falar em liberdade de imprensa traz, de imediato, à memória os constrangimentos que impedem os profissionais da imprensa de exercerem devidamente as suas funções, tornando-se alvo de perseguições, agressões físicas e morais, prisões e até mesmo assassinatos. As zonas de conflito e as de pós-conflito, são, por norma, as mais perigosas para o exercício do jornalismo. Todavia, o exercício da imprensa tem conhecido, igualmente, sérios obstáculos em situações e em contextos aparentemente mais “normais”, fruto da cultura de intolerância que ainda prevalece.



  1. Alguns países já se tornaram referências negativas quanto ao modo como a imprensa pode ser utilizada para instigar o ódio e a violência, com consequências imprevisíveis e resultados irreparáveis. Falo, concretamente, do Ruanda, Bósnia e Herzegovina, Costa do Marfim. Foi com o recurso à imprensa e sob variadas formas que se incendiaram os ânimos colocando uns contra os outros, terminando em verdadeiros morticínios.



  1. Contudo, a chamada informação participativa, que se socorre, sobretudo, de instrumentos de difusão cada vez mais potentes, também tem servido para alertar o mundo para graves situações de violação dos direitos humanos. Tem sido assim, por exemplo, no Irão, na Rússia e, muito recentemente, na Síria. O êxito da chamada “Primavera Árabe” deve-se, pelo menos em parte, a esse recurso.



  1. O despertar das redes sociais vai provocando certa inquietação em alguma classe política, independentemente da ideologia. Por exemplo, é por demais conhecida a disposição das autoridades chineses para o controlo das redes sociais com o objectivo de melhor conterem os crescentes protestos que se repetem no país. A sua maior vítima tem sido o Twitter. Mas, essas mesmas autoridades socorrem-se também das redes sociais para conhecer a identidade dos dissidentes. Por isso, proibiram o recurso ao anonimato na utilização das redes sociais.



  1. O governo conservador britânico do Primeiro-ministro James Cameroun está a sentir igualmente a tentação para interferir na vida das redes sociais, alegadamente por razões de segurança do Estado. O mesmo se passa com as autoridades norte-americanas e outras.



  1. Mas, se é verdade que as redes sociais podem estimular o recurso a actos de insubordinação e violência, não é menos que verdade que elas podem constituir-se num instrumento útil para os próprios governos perceberem mais fácil e rapidamente o sentimento das pessoas, para, de seguida, poderem promover mais rapidamente políticas públicas benéficas para os cidadãos.



  1. Entre nós, assiste-se ao uso crescente de variados meios de informação participativa. Mesmo que o seu uso não seja sempre feito da melhor maneira, é contudo verdade que essa informação pode também ser muito eficaz para a auscultação de uma parte da opinião pública, tal como sucede nos outros países.



  1. O grande objectivo é, na prática, criarmos aquilo que se convencionou chamar Sociedade de Informação, onde todos os países e todas as pessoas possam ter livre acesso à informação e ao conhecimento, beneficiando quer os governantes, quer os governados.

GUINÉ-BISSAU UM EXEMPLO A NÃO SEGUIR


  1. Tenho estado a acompanhar a evolução da situação política na Guiné-Bissau, e procuro ponderar sobre as razões profundas que poderão estar por detrás da sua incessante instabilidade. Terei descortinado eventuais motivações de carácter étnico – como, por exemplo, o predomínio avassalador dos balantas na estrutura das Forças Armadas; também reminiscência do modo como se erigiu o Estado da Guiné-Bissau – com a manutenção de uma estrutura militar inadequada aos tempos modernos; e, como não podia deixar de ser, as perigosas e persistentes interferências do tráfico de drogas. Será esse o conjunto de factores que condiciona o drama da Guiné-Bissau.



  1. Na semana passada, debrucei-me com relativo pormenor sobre a componente étnica do conflito, associando-a, mesmo que ao de leve, à existência de uma estrutura militar inadequada. Hoje, e para um melhor esclarecimento, opto por destacar as cada vez mais fundamentadas interferências do tráfico de drogas na vida social e política guineense, ao ponto de porem em causa os próprios fundamentos do Estado de Direito. Mas, a abordagem do tráfico de drogas na Guiné-Bissau tem que ser feita tendo como pano de fundo o conjunto da África Ocidental de que, afinal, faz parte.



  1. É ponto assente que o destino final das drogas que passam pelos países da África Ocidental é a Europa. Também é ponto assente que a produção dessas drogas localiza-se na América do Sul, e que o seu trânsito pela África Ocidental se deve ao facto de ser a rota mais segura e mais barata, quer pela fragilidade das instituições estatais, quer pelo estado de pobreza das suas populações. Senegal, Serra Leoa, Nigéria, Libéria, Mali, Guiné-Conacry e Guiné-Bissau, são os países mais atingidos.



  1. A droga que transita pela África Ocidental a caminho da Europa vem de países como a Colômbia, Bolívia, Peru e Venezuela. Não sendo embora país produtor, o Brasil tem sido cada vez mais referenciado como rota privilegiada de passagem da droga que entra em África. São apontados regularmente e de um modo cada vez mais crescente aviões carregados de droga que, do Brasil, entram em África para ser depois comercializada na Europa.



  1. Através do seu Escritório sobre Drogas e Crime, as Nações Unidas têm reportado com alguma frequência não só o volume das apreensões de cocaína no trânsito entre a África Ocidental e a Europa como, igualmente, o crescente e assustador valor desse comércio. Descrevem ainda, e com certa minúcia, os novos métodos utilizados pelos criminosos para escaparem ao controlo que lhes é montado.



  1. Os traficantes de droga recorrem, por exemplo, ao uso de transporte aéreo ou marítimo (neste caso, privilegiam os países insulares como Cabo Verde), dividem a droga em pequenas quantidades e põem ao seu serviço as chamadas “mulas”, gente que serve de veículo de transporte.



  1. Se olharmos para o quadro social e político da região, o quê que vemos? Vemos países geralmente pobres, politicamente instáveis, dotados de frágeis mecanismos de segurança, e com inadequados controlos fronteiriços. Olhando para esse conjunto de questões, a Guiné-Bissau apresenta-se como dos países da região mais permissivo ao tráfico de drogas, muito pelo envolvimento de altos responsáveis militares e políticos nesse tráfico.



  1. Defronte à costa da Guiné-Bissau está o arquipélago de Bijagós, constituído por pequenas ilhas, muitas delas inabitadas. É, pois, aí que aterram ou acostam aeronaves e embarcações de traficantes que se mancomunam com autoridades locais. Por tudo isso, a Guiné-Bissau transformou-se numa das principais placas giratórias do tráfico de drogas para a Europa.



  1.  A acção dos traficantes associada à cumplicidade de sectores militares e políticos corruptos tornou-se num verdadeiro cancro político e social que corrói a sociedade guineense e faz prolongar e aprofundar o seu subdesenvolvimento. Uma população extremamente pobre e a corrupção das próprias instituições do Estado, tornam-na uma presa fácil para todo o tipo de tráficos.



  1.  O Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime passou também a incluir Angola na lista dos países que se estão a constituir em placa giratória para o tráfico de drogas.



  1. Já não dá para estranhar esta inclusão, sobretudo se levarmos a sério as palavras pronunciadas pelo ex-Comandante Provincial da Polícia de Luanda, Joaquim Ribeiro, quando, em julgamento, afirmou que o seu “CALVÁRIO” começou quando iniciou o desmantelamento da rede de tráfico de drogas que se havia instalado no aeroporto e no porto de Luanda. Joaquim Ribeiro disse ainda que “não sabia como o país iria acordar no dia seguinte”, se ele revelasse tudo quanto sabe sobre esse assunto… tais declarações de Joaquim Ribeiro são, de facto, muito fortes e demasiado preocupantes…



  1. Para além da componente étnica e de desestruturação ou inadaptação das suas actuais estruturas militares, a história da Guiné-Bissau deve fazer-nos pensar seriamente nos efeitos a prazo do envolvimento de “gente graúda” no tráfico de drogas e outros tráficos… A Guiné-Bissau é, pois, um exemplo que aconselho Angola a não seguir!

O FIM INGLÓRIO DE SUSANA INGLÊS NA CNE


  1. A decisão do Tribunal Supremo de anular a nomeação de Susana Inglês para o cargo de presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE) criou um facto político que não só fez abalar o quadro político nacional como, também, está a levantar certos questionamentos.



  1. A Dr.ª Susana Inglês dirigiu a CNE em substituição do ex-titular, o Dr. Caetano de Sousa, precisamente porque a lei antes em vigor o impedia de exercer tal cargo. Melhor dizendo, de acordo com essa lei, a CNE não podia ser presidida por um juiz. O presidente da CNE tinha quer ser um advogado. Daí que se tenha procedido à substituição do Dr. Caetano de Sousa pela Dr.ª Susana Inglês que, supostamente, não era juiz. A Dr.ª Susana Inglês é advogada registada na Ordem dos Advogados de Angola e, nessa qualidade, estava até integrada num escritório.



  1. Com a substituição da lei antiga por uma nova, passou a exigir-se ao titular a condição de juiz. Estranhamente, a advogada Dr.ª Susana Inglês passou, como que por artes mágicas, a ser tida como juiz – título a que renunciara voluntariamente.



  1. O concurso público para prover o cargo de presidente da CNE foi organizado pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial que é dirigido pelo presidente do Tribunal Supremo, o Dr. Cristiano André. O Conselho elegeu a Dr.ª Susana Inglês para dirigir a CNE, desencadeando, de imediato, um coro de protestos no seio da classe política na oposição. A eleição de Susana Inglês para dirigir a nova CNE estimulou também tímidos murmúrios entre juristas ligados ao regime.



  1. Face à onda de contestação levantada pelas oposições, a população começou a interessar-se pelo caso, primeiro por curiosidade – dada a relativa complexidade jurídica do problema – mas, depois, com manifesta indignação, suspeitando que, por detrás da manobra se esconderia alguma intenção fraudulenta. Talvez com a intenção de esbater o sentimento de repúdio que se alastrava, ter-se-á engendrado uma suposta doença para indigitada, o que não se confirmou.



  1. Lá surgiu, pois, com aspecto bastante saudável a Dr.ª Susana Inglês a ser recebida pelo PR. Para alguns, a audiência com o PR era o sinal de que o processo terminara por ali e nada mais havia para fazer. Que as autoridades judiciais iriam fazer a leitura de que a “ordem” estava dada e era para cumprir…



  1. Alguns partidos políticos na oposição foram, sucessivamente, esmorecendo o seu protesto e até capitulando. Terão abandonado a luta, conformando-se com o resultado da aparência. O Bloco Democrático (BD) e a UNITA foram os que mais se bateram para a reposição da legalidade. O BD e a UNITA impugnaram a eleição de Susana Inglês junto do Tribunal Supremo.



  1. Grupos de cidadãos desencadearam protestos de rua, de que resultou um atentado contra a integridade física e a vida do Secretário-Geral do BD, o Dr. Filomeno Vieira Lopes.



  1. No dia 17, depois de se ter completado o processo de registo eleitoral, em Acórdão, o Tribunal Supremo decidiu anular o concurso público que levou a Dr.ª Susana Inglês ao cargo de presidente da CNE.



  1. Tinham, pois, razão o Bloco Democrático e a UNITA quando persistiram na denúncia do acto administrativo do Conselho Superior da Magistratura Judicial. Estavam redondamente equivocados todos quantos se opuseram às denúncias feitas por esses dois partidos e, muito mais ainda, aqueles que molestaram os manifestantes pacíficos que mais não fizeram que mostrar na rua a sua indignação. Afinal, mais uma vez, a oposição recorreu a meios pacíficos e legais para fazer vingar a Lei e defender a democracia.



  1. De algum modo, a determinação do Tribunal Supremo vem “lavar” a imagem negativa que a nossa justiça tem carregado, pois, não poucas vezes, se assiste a flagrantes e incongruentes decisões que põem em xeque o próprio Estado de Direito. Daí que os cidadãos sejam muitas vezes estimulados a fazer uma avaliação negativa da nossa Justiça e de muitos dos nossos juízes.



  1. A reprovação da eleição de Susana Inglês pelo Tribunal Supremo tem, seguramente, profundas implicações jurídicas. É urgente esclarecê-las, para se minimizar os danos decorrentes da ilegalidade do seu exercício. Mas tem, igualmente, um forte impacto político sobre o processo eleitoral.



  1. Ao anular o concurso e, consequentemente, a eleição da presidente, voltamos ao ponto de partida. O seja, o cargo que a Dr.ª Susana Inglês ocupou ilegalmente está vago e terá que ser provido por via de um novo concurso público.



  1. E o que fazer com os actos administrativos que foram executados por quem não tinha legitimidade para o fazer? Só há uma solução: invalidá-los, expurgá-los.



  1. Quer então dizer que deixam de fazer fé, por exemplo, as nomeações pela Dr.ª Susana Inglês para o provimento das Comissões Provinciais eleitorais. Também deverão ser anulados os concursos realizados sob sua direcção para a auditoria ao ficheiro do registo eleitoral. Como fere formalmente os preceitos legais, o Memorando que foi entregue ao Presidente da República, autorizando-o a convocar as eleições deve ir para o lixo. E, seguramente, muitas coisas mais haverão para serem questionadas.



  1. Sem querer pôr em causa a honestidade dos juízes que reprovaram a eleição de Susana Inglês, penso que alguém irá retirar substanciais vantagens do impasse em que agora caiu o processo eleitoral. Falo, concretamente, do MPLA.



  1. Com um previsível adiamento das eleições, o MPLA ganhará tempo para “acalmar as suas hostes” que se encontram divididas quanto à escolha da segunda figura na sua lista eleitoral. Com o tempo dilatado, poderá também aproximar-se um pouco mais do cumprimento das anteriores promessas eleitorais. Terá ainda mais um pouco de fôlego para prosseguir a sua política de estímulo à divisão e desagregação de forças políticas na oposição que persiste em querer debilitar.



  1. Há dias, o Presidente da República graduou no posto de General o presidente do Tribunal Supremo, o Dr. Cristiano André, um facto que não me passou desapercebido. Interroguei-me sobre o porquê de uma tal graduação, feita pouco tempo depois de ele ter executado a estranha defesa do exercício do cargo de presidente da CNE pela Dr.ª Susana Inglês. Será que JES já previa o desfecho da contenda a que agora se assistiu e queria, com a graduação, minimizar os danos psicológicos sobre o Dr. Cristiano André? Ou será que queria estimulá-lo para uma mais cerrada obediência aos seus desígnios, lembrando-lhe, por exemplo, da necessidade de obediência ao Comandante-em-Chefe? Ou terá querido empurrar Cristiano André para um pedido de demissão, salvaguardando, por antecipação, a sua posição de General na reforma?



  1. É evidente que, nos próximos tempos, teremos ocasião de desenvolver um pouco mais esta abordagem. Porém, penso que em defesa das leis republicanas e da ética, devem ser dados todos os passos para se desbaratar a verdadeira trama que se criou em torno do processo eleitoral.



  1. Recordo que o processo eleitoral ficou com a credibilidade foi posta em causa não só pelo modo como decorreu o registo eleitoral (realizado sem lei ajustada) mas, igualmente, com a trapalhada que foi a eleição para presidente da CNE de uma advogada que, afinal, também é juíza, dependendo apenas das circunstâncias e dos interesses partidários do momento.



  1. Que tudo isso nos sirva de lição. E que se reconheçam, sobretudo, os muitos erros cometidos!

UMA NOVA PROPOSTA PARA A EUROPA


1.  As recentes eleições presidenciais e eleições legislativas que ocorreram em dois países europeus lançaram algum pânico entre a classe política, e têm animado profundas especulações no seio dos analistas políticos, pois podem estar a marcar o início de um novo ciclo político na Europa.



2.   As eleições presidenciais francesas, que consagraram o candidato do Partido Socialista francês, François Hollande, foram, talvez, as mais mediáticas, muito por causa do peso político e económico que a França detém na União Europeia. Trata-se da segunda economia ao nível da Europa e a quinta ao nível mundial.



3.  Porém, os resultados das eleições legislativas realizadas na Grécia, que cotaram muito positivamente quer a extrema-esquerda, quer a extrema-direita, estão também a causar verdadeiras ondas de choque, lançando densas nuvens de poeira sobre o actual modelo de integração no Velho Continente. Vamos, pois, ver o essencial e as implicações do resultado das presidenciais francesas.



4.  François Hollande, o novo Presidente de França, centrou a sua campanha eleitoral sobre três matérias fundamentalmente económicas. A de maior impacto ao nível europeu é, sem sombra de dúvida, a sua manifesta vontade de empreender uma renegociação do Tratado Orçamental, acordado por 25 dos 27 Estados da União Europeia, o que, a suceder, constituirá uma verdadeira ruptura com o consenso que se havia estabelecido em torno da dupla Ângela Merkel/Nicolas Sarkozy.



5.  Em alternativa à austeridade de Merkel e Sarkozy (com claros efeitos recessivos num número crescente de países), François Hollande propõe também o aumento do orçamento europeu para o período 2014-2020 e, sobretudo, um Programa de Crescimento Económico, com consequente criação de emprego. Na sua visão, a prazo, o crescimento da economia conjugado com o aumento do emprego conduzirão à estabilização macroeconómica, uma ideia que começa a recolher adeptos na Europa, face à actual crise que se repercute e que está a provocar inúmeros estragos económicos, sociais e políticos.



6.  O novo Presidente francês defende ainda um maior protagonismo na economia real por parte do Banco Central Europeu. Propõe que o Banco Central Europeu passe a emprestar dinheiro directamente aos Estados e não aos bancos, como vem fazendo até agora. Com tal mecanismo de empréstimo directo aos Estados, François Hollande pensa reduzir o custo do dinheiro. Mostra-se, igualmente, favorável a que o Banco Europeu de Investimentos dê crédito às empresas.



7.  Outra matéria económica que cria clivagem entre François Hollande e a Sra. Merkel (e, anteriormente, com Nicolas Sarcozy) são os “eurobonds”. Os “eurobonds” serão títulos de dívida representando todos os países europeus, com uma taxa de juro calculada pela média ponderada de cada país. Seria, pois, uma dívida comunitária, partilhada pelo conjunto dos países da Europa.



8.  A possibilidade da criação dos “eurobonds” divide profundamente os protagonistas europeus, pois se há países que ficariam beneficiados, há também aqueles que sairiam prejudicados. Os países mais endividados, como Portugal, Irlanda e Grécia, passariam a ter acesso a dinheiro mais barato, e ainda ganhariam tempo para mais facilmente resolverem os seus problemas estruturais. As economias mais fortes sairiam prejudicadas, uma vez que, para si, o custo do financiamento seria mais elevado.



9.  Já se compreende agora melhor a feroz resistência imposta por Ângela Merkel e Nicolas Sarcozy à questão dos “eurobonds”, matéria que, entre outras coisas, supõe a criação de uma Agência de Dívida Europeia e uma Política Fiscal Comum para o espaço comunitário – o caminho mais curto para o estabelecimento de um verdadeiro governo europeu.



10.      François Hollande mostrou-se adepto do aumento em 60 mil no número de professores, pela melhoria do seu nível salarial (com vista a diminuir o insucesso escolar), e também a uma maior autonomia universitária.



11.      Em matéria de emprego, o recém-eleito Presidente francês pretende estimular o emprego dos jovens e das pessoas com mais de 55 anos de idade, isentando as entidades empregadoras de determinados encargos para com a Segurança Social. Faz força pela penalização dos despedimentos colectivos e mostrou vontade de reduzir a precariedade do emprego.



12.       Por fim, a chamada “Taxa Tobin” sobre determinadas transacções financeiras, um imposto a ser criado com vista a refrear algumas acções especulativas, foi também manchete na campanha eleitoral de François Hollande. Aqui ele não se distinguiu de Nicolas Sarkozy, pois ambos se mostraram adeptos da adopção deste imposto ao nível europeu. Aplicada de um modo unilateral, a “Taxa Tobin” provocaria a deslocalização dos capitais para fora de França.



13.      A ideia da “Taxa Tobin” vai conquistando crescentes apoios na Europa, a começar pelo actual Primeiro-ministro italiano, Mário Monti, outro político que se vem afastando, de alguns dias a esta parte, das propostas de austeridade de Ângela Merkel e Nicolas Sarcozy.



14.      As políticas de austeridade estão a mostrar-se altamente recessivas, têm levado ao empobrecimento de largos sectores da sociedade europeia, ao desemprego, à agressividade contra os estrangeiros e ao sectarismo. Está agora na mesa uma nova abordagem que vem de França e que tem do outro lado, como historicamente tem sucedido, a Alemanha. Felizmente, nesta altura, a Europa possui mecanismos democráticos para resolver pacificamente estes problemas. No passado, não os tinha. Daí que tenham sobrevindo as guerras…

segunda-feira, 7 de maio de 2012

O JOÃO SÁ – MEU AMIGO


  1. Pelo modo como conduzi a minha vida, a sociedade conhece-me mais pela intervenção social que faço, ou como político. Por essa razão, serão poucos os que conseguirão ver-me como o cidadão simples que eu também sou.



  1. Por detrás do activista social e do homem político, está ainda a minha outra face, a outra dimensão da vida que eu muito prezo: o homem de carne e osso como os outros.



  1. Eu tenho a perfeita dimensão da dor, emociono-me e deleito-me com a singeleza e a beleza da vida, sei rir e sei observar, aprecio a boa música e sigo apaixonado o ritmo da dança. Gosto de acompanhar um bom jogo ou outra qualquer competição desportiva, e não consigo conter as lágrimas quando o sofrimento da minha alma se sobrepõe à força da minha razão. Sobretudo, eu não tenho vergonha de chorar quando perco um Bom Amigo.



  1. Aprecio muito a minha condição de ser humano normal, tal como a maioria de vocês que me ouvem ou que me lêem. Para mim, a política e o activismo social têm um forte sentido ético, mas não são tudo na vida. A política e o activismo social são apenas e tão-somente uma simples consequência do firme compromisso que assumi com a história. Sou fiel aos meus afectos, e procuro diariamente apurar todos os meus sentidos.



  1. Ausentei-me do país por poucos dias e recebi, como uma autêntica pedrada, a notícia da morte de um Amigo de uma vida, numa amizade que começámos a construir ainda na nossa infância. Morreu o meu Amigo João Baptista Cirilo de Sá – sim, o João Sá do Bairro Indígena!



  1. Pelo que consegui apreender ao longo da vida, são poucas as amizades que se constroem na infância e que não perduram. Na maioria das vezes, essas amizades são perenes.



  1. A minha amizade com o João Sá venceu as turbulências da vida, sobrepôs-se às intempéries de todo o tipo que foram ocorrendo, transformou numa simples migalha a grandeza do tempo – venceu o tempo e a distância. A nossa amizade foi se edificando a partir da estaca zero, quando ainda éramos simples cidadãos sem bens nem títulos, sem cargos nem funções, quando a amizade assentava na pureza do sentimento. Estudámos juntos, durante um ano lectivo, no Colégio 28 de Maio, o Colégio da Dona Berta.



  1. O João Sá fez toda a instrução primária no Colégio 28 de Maio. Eu frequentei-o durante a preparação para o Exame de Admissão ao ensino secundário, e apenas no período da tarde porque, no período da manha, estudava na escola pública – na Escola 83.



  1. O João Sá entrou precoce para o Liceu Salvador Correia, com cerca de 9 ou 10 anos de idade. Eu era um pouco mais velho que ele e, por isso, assumi instintivamente a missão de o proteger.



  1. Recordo sempre o episódio da nossa primeira aula no Liceu: o João Sá a sair a correr e a chorar da aula de Matemática. Ficou com medo do aspecto duro, do ar carrancudo, e da voz sonora do professor de Matemática, o Glú-Glú.



  1. Ao vê-lo sair da sala e a chorar no corredor, eu também saí, para o acalmar... Disse-lhe que o professor não fazia mal, que agora já não era como no Colégio 28 de Maio, onde o tratamento era personalizado. Ali éramos tratados familiarmente, como se fôssemos filhos dos professores e, sobretudo, filhos da Dona Berta que era como se fosse a mãe de todos nós.



  1. E lá fomos nós estudando e fazendo o que todos os jovens fazem: fomos, em conjunto, descobrindo os segredos e os prazeres da vida. Crescemos unidos. Lá fomos alargando o nosso círculo de amizades: o Gigi e o Tilú Mendonça, o Manuel Jorge, o Juca Romero (amigo de infância e vizinho no Bairro Indígena), o Jaime Faria, o Nandito Pacheco, o Zé Van-Dúnem, o Fernando Graça (o “Capim”), o Raul Neto Fernandes, o Elisiário Vieira Lopes, o Carlitos Alonso Bastos, o Toni Filipe, o Sérgio Azevedo Braz. Tantos amigos e tantas amizades… Pelo meu lado, fui também fazendo outras coisas como, por exemplo, política, com alguns desses e com outros… Não me arrependo nada do que fiz. Talvez até pudesse ter feito mais e melhor.



  1. Estudávamos nos bares, tomando cafés e cariocas, para não dormir. Nos períodos que exigiam maior concentração, estudávamos em casa, ou na minha ou na do João Sá. A casa do João Sá tinha um caramanchão onde estudávamos mais à vontade.



  1. Tal como eu, o João perdeu o pai muito cedo. Recordo-me de ter acompanhado os seus derradeiros dias de vida. Quando o Velho Sá adoeceu, revezámo-nos para que ele tivesse sempre alguma companhia ao seu lado.



  1. Eu, em casa da família Sá, era tratado como um filho. Era o melhor amigo do João Sá. Era o seu companheiro do dia-a-dia e de todos os dias – éramos como se fôssemos irmãos. Talvez por isso, instintivamente, a sua filha mais nova, que foi minha aluna na Universidade, me trata hoje por Tio – o que eu aprecio bastante.



  1. No último ano do Liceu, o João deixou por fazer algumas disciplinas e, por isso, não entrou comigo para a Universidade. Nesse ano, entrei eu, o Manuel Jorge (que foi para Direito, em Coimbra), o Nandito Pacheco (que foi para Agronomia, no Huambo), o Sérgio Braz (para Medicina). O Gigi já lá estava, mais adiantado, assim como o Elisiário e o Raul Neto. O João Sá e o Juca Romero entraram no ano seguinte – foram também para Medicina, por isso, foram meus caloiros. O Toni Filipe, nosso amigo e colega de Liceu, natural de Ndalatando, morreu nesse ano, electrocutado. Sentimos muito a sua morte, pois nem teve tempo de viver a juventude.



  1. Quando regressei do Tarrafal, o João Sá já ia adiantado no Curso e eu mudei de rumo. O João tornou-se médico, militar e fez carreira nessa dupla condição. Atingiu a patente de General. Serviu a Pátria com dedicação e com inteligência – o que não lhe faltava.



  1. Uma das maiores satisfações que tive foi ser, por diversas vezes, visto, medicado e curado pelo meu Amigo João Sá. Graças a ele deixei de ter constantes crises de paludismo.



  1. Quando a sua filha caçula entrou para a Universidade, o meu Amigo João Sá telefonou-me para me pedir conselho sobre o rumo a dar aos estudos da filha. Senti, então, muito profundamente o prazer da nossa longa e sincera amizade. Percebi a mensagem que ele queria passar à filha: Aqui está o Tio Tininho, com quem podes contar para a vida!... O João já estava, então, debilitado pela doença que o acometera e que já o impedia de trabalhar. Era a passagem de um testemunho – o testemunho da Amizade.



  1. Sinto dificuldade em prosseguir o meu relato, pela forte emoção de ter perdido um dos meus mais queridos Amigos. Agradeço a vossa indulgência por terem acompanhado este meu relato, que é pessoal, que a vocês poderá não dizer nada mas que, para mim, diz muito.



  1. Foi esta a forma mais simples, a mais singela que encontrei para homenagear o João Sá, um irmão de uma vida. O Dr. Cirilo, como era, seguramente, mais conhecido.