quarta-feira, 7 de julho de 2010

O DESPORTO COMO ARMA DE COMBATE POLÍTICO

1. Nunca alimentei a ilusão de ver todas, ou quase todas as selecções africanas chegarem à segunda fase do Mundial da África do Sul. Seria utópico criar uma tal expectativa, já porque se trata de selecções colocadas em posições mais ou menos medianas no ranking internacional da FIFA. Todavia, sou de opinião que, pelo menos em termos médios, os resultados desportivos de um qualquer país podem, no mínimo, ser o reflexo de duas situações: ou de alguma aptidão natural de um povo para determinada modalidade desportiva, ou do nível e da qualidade de organização do país.

2. Um dos exemplos mais claros de aptidão natural de um povo para a prática de uma modalidade desportiva pode ser achado no atletismo, onde os atletas originários do Quénia e da Etiópia se afirmam como os melhores nas corridas de longa distância. Porém, a espaços, eles são perturbados por atletas de Marrocos, e pouco mais. Vê-se ali, pois, um especial realce na compleição física do atleta, nas suas características morfológicas.

3. O mesmo se pode dizer das corridas de curta distância, onde de há muito a esta parte se evidenciam as performances dos atletas negros americanos, ultimamente muito envolvidos em disputa pela liderança mundial com atletas negros originários da Jamaica, quer em masculinos, quer em femininos.

4. O raciocínio que acabo de fazer torna-se extensivo ao salto em altura e ao salto com vara, em que quase sempre prevalecem atletas brancos. Também não é possível colocar em dúvida a relativa hegemonia dos atletas negros norte-americanos na prática do basquetebol, se tivermos como referência a qualidade e a competitividade da NBA. Ou então, o caso de atletas brancos e eslavos no halterofilismo.

5. Na minha perspectiva, a história dos povos tem também influência na prática de certas modalidades desportivas, o que é bem visível no rugby e no cricket, desportos amplamente praticados pelos povos que estiveram sob domínio britânico. Por sua vez, o futebol americano e o basebol são quase um privilégio dos povos americanos, mesmo até de não anglófonos.

6. Inventado pelos britânicos, podemos, contudo, dizer que o futebol tem uma expressão mais universal. Ele deixou de ser património de alguém, e já é indubitável o despontar de novos dominadores, sem que se possa falar, porém, de uma nova hegemonia.

7. Para mim, o nível de desenvolvimento e, sobretudo, de organização dos países, tem uma enorme influência nos resultados desportivos. Será que alguém duvida do crescente protagonismo da China em determinadas modalidades desportivas, algumas delas consideradas de elite? Para tirarmos as dúvidas, vejamos, por exemplo, quantas medalhas internacionais são já, hoje, obtidas por desportistas chineses, quer homens, quer mulheres. Quem também hegemoniza a natação de alta competição? São quase todos eles atletas provenientes de países desenvolvidos. Excepcionalmente, porém, vêem-se, também, atletas provenientes de Estados emergentes. Por norma, os países subdesenvolvidos não inscrevem atletas nesta modalidade. E na patinagem artística? E na ginástica? E no ténis de mesa? E no golfe?

8. Enfim, poderíamos continuar o raciocínio por mais algum tempo. Mas, o que nos interessava era apenas mostrar que os resultados desportivos não podem ser vistos como um fruto do acaso. E muito menos são o produto de uma qualquer inspiração momentânea.

9. Do acaso, ou de inspiração do momento, é talvez o que pensará o novo Presidente da Nigéria, Goodluck Jonathan. Por isso, ele resolveu suspender a Federação de Futebol do seu país, depois do fraco desempenho da selecção nigeriana no Mundial da África do Sul. Goodluck Jonathan proibiu também, por dois anos, a sua selecção de participar em qualquer competição internacional. Mais ou menos paralelamente, no Parlamento francês discutiu-se o comportamento da selecção francesa durante o Mundial e, como consequência, o seu resultado.

10. Ambas as atitudes podem ser vistas como intromissões do poder político no futebol. Todavia, elas não assumem a mesma gravidade.

11. No caso francês, saltou para a comunicação social o estado de tensão instalado no seio da selecção francesa, de que resultou a retirada do jogador Nicolas Anelka, depois de se ter insubordinado contra o treinador, Raimond Domenech. O “caso Anelka” funcionou como um rastilho: solidários com o colega, os jogadores franceses recusaram treinar, tendo perdido o jogo decisivo contra a África do Sul.

12. A França entrou em comoção nacional, e o poder político não conseguiu guardar a devida distância. Os políticos pediram explicações e prometeram tomar medidas correctivas. Houve mesmo quem tivesse acusado os jogadores franceses de falta de patriotismo: que não se terão empenhado devidamente, disseram uns; que não sentiram a camisola, disseram outros.

13. Ouvindo isso, recordei-me da exaltação do “espírito patriótico manifestado pelos jogadores franceses”, sem excepção, quando ganharam o Mundial de 1998. Nessa altura, sectores da sociedade francesa gritaram até: “Thuram a Presidente!”

14. Lilian Thuram é o jogador francês que mais jogos fez pela selecção. Originário do Guadalupe, possessão francesa, Lilian Thuram reagiu ao comportamento da selecção francesa na África do Sul, dizendo, por exemplo, que o actual capitão da equipe, Patrice Evra, não deveria voltar a envergar a camisola do país.

15. Lilian Thuram falou como analista desportivo, e não como político. Porque ele não é político. Sendo Patrice Evra de origem senegalesa, e tão negro quanto Thuram, ninguém pode, pois, retirar daí ilações de carácter rácico. É que, ao contrário do que algumas pessoas possam pensar, nem sempre a raça determina o pensamento e o comportamento das pessoas… Há outras razões que se sobrepõem a factores de agregação primária, mesmo que esses sejam indiscutíveis.

16. O Presidente nigeriano não pediu explicações a ninguém. Ele tomou a medida arbitrária de suspender um órgão que, em princípio, não é nomeado por si. Ordenou a paragem, por dois anos, de participação da selecção em competições internacionais. E mandou as forças policiais invadirem as instalações da Federação Nigeriana de Futebol. Felizmente, e por pressão da FIFA, já voltou atrás. Mas, de qualquer modo, ele já deixou marcadas as suas impressões digitais.

17. O que é relevante, afinal, é que o Presidente nigeriano não terá então percebido que o estado do futebol nigeriano reflecte o estado da própria Nigéria: um país rico em petróleo – e nada mais. Quase tudo o resto é desordem, traficância, corrupção. A sua imagem externa é deplorável. Por isso, não é um país para se aconselhar qualquer amigo a passar férias. Muito menos onde alguém possa andar descansado numa rua, sem temer ser roubado, sem temer ser trucidado por um motorista desvairado. Como, aliás, nós aqui em Luanda, mesmo que numa dimensão ainda mais reduzida.

18. A FIFA advertiu os dois países, França e Nigéria, dizendo que não toleraria ingerências do poder político no futebol. E fê-lo bem, prontamente, sem hesitações nem tibiezas. Quem contestar a posição da FIFA, está noutro planeta…

19. Com a exclusão do Brasil da prova mundial, nos quartos-de-final, frente à Holanda, poderá, eventualmente, estar em gestação um novo conflito. Será que certos políticos brasileiros tentarão também meter a colher onde não são chamados? Espero que não façam. Afinal, para o bem do futebol...

2 comentários:

  1. Calcinhas de Luanda7 de julho de 2010 às 03:41

    Há aspectos morfológicos que é necessário levar em conta e que têm a ver com a forma e tipo de células musculares e sua densidade. Nos EUA (e não só, mas este exemplo é um caso onde há gente de todas as cores de pele) os atletas de 100 e 200 m planos são maioritariamente negros, enquanto na natação os atletas, e aqui em em todos os estilos e durações de provas, são essencialmente brancos. Porquê?
    Bom, os brancos são de um modo geral menos densos que os negros e por isso nadam mais junto à superfície, logo a força de arrasto é menor, pois a viscosidade do ar é inferior à da água. Isso também se vê no atletismo, no salto em altura e no salto à vara, onde a menor densidade faz a diferença. Já no triplo salto e no salto em comprimento os músculos mais adequados dos negros, parra correrem muito, levam vantagem. E nas provas de corrida também é o que se sabe. Isto não está necessariamente ligado só à cor da pele , que é uma questão de melanina (Etíopes e Eritreus, são ligeiramente mais claros), mas tem a ver com alterações morfológicas subtis que se desenvolveram em certas regiões do globo.
    Até porque os brancos são o resultado de mutações genéticas de negros que do Corno de África se lançaram à 70.000 anos à aventura. À medida que avançavam para latitudes mais elevadas os que tinham peles ligeiramente mais claras processavam mais e melhor vitamina D, enquanto que os de pele mais escuras passaram a ter problemas de raquitismo por falta dessa vitamina. Daí terem passado a dominar os de pele mais clara os quais foram evoluindo até aos brancos, amarelos e vermelhos.
    Não há, do ponto de vista intelectual diferenças, elas são apenas morfológicas e têm a ver com adaptações peculiares. Depois, há sim, questões culturais e tecnológicas que se desenvolveram ao longo da história, por muitas e complexas razões que agora não vêm para o caso. Mas mesmo aí os negros não deviam ter complexos, o desenvolvimento da zona Mediterrânica que levou, ao fim de alguns milhares de anos à civilização que temos hoje, começou no Egipto, isto é partiu tudo de África.
    Em suma, o que é preciso é planeamento, organização e educação. Os países onde por razões históricas existem pessoas de várias origens étnicas já aprenderam que, além dos gostos pessoais dessas pessoas, existem razões morfológicas que as possam levar a serem melhor sucedidas num ou noutro tipo de desporto. E em termos de alta competição, esta aproximação pode ser cínica, mas também é muito pragmática. E há desportos onde estas vantagens contam muito pouco, golfe, automobilismo, bilhar,etc. Aqui são questões culturais e sociais, ou seja, apesar de tudo as questões políticas, culturais e educacionais, serão as que poderão de facto fazer a diferença.
    Mas com a classe dirigente que há em Angola...

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  2. É muito interessante e não deixa de ser real esta analogia entre o desporto e a politica. Pois esta última poderá ser encarada de forma desportiva, sem deixar de ser isenta e séria.

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