quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O FORTE RUGIDO DO DRAGÃO

1. Nos últimos dias, tenho sido insistentemente abordado por alunos que se mostram espantados com as recentes notícias sobre o desempenho da economia chinesa. Muitos desses estudantes vêm mesmo de outras universidades, na esperança de receberem de mim uma explicação que satisfaça a sua curiosidade.

2. Sempre que tenho disponibilidade, e na medida do possível, eu procuro ajudar os jovens. Por norma, utilizo o princípio de que tudo, afinal, possui um fio condutor, muito em especial, os fenómenos sociais, quer eles sejam económicos, quer políticos, quer outros. Esta minha visão é o fruto de uma longa observação que, depois, se constituiu em experiência de vida.

3. O último estudante que me abordou, por sinal, vindo da universidade pública, pediu-me que alargasse o leque dos que me podem ouvir a justificar tal fenómeno. Pediu-me que transformasse aquilo que eu lhe disse em privado numa das minhas crónicas. Faço-o agora, com prazer, mas com o prévio cuidado de avisar que a minha visão é, seguramente e apenas a minha visão pessoal sobre o assunto. Estou, pois, aberto a ouvir outras explicações que a possam contrariar ou, então, reforçar.

4. Os meus jovens amigos perguntam-me sobre o porquê de um tão vertiginoso crescimento da economia chinesa, mesmo até quando outras economias mais consolidadas vivem momentos de apoquento que, depois, se traduz em desconforto para as vidas dos seus cidadãos.

5. Por exemplo, na última semana, fomos confrontados com a bombástica notícia de que a economia chinesa é já a segunda classificada no ranking internacional, tendo desalojado a do Japão. O anúncio foi feito pelas autoridades chinesas e antecipou em seis meses a previsão antes feita pelo Fundo Monetário Internacional. As principais agências internacionais falam agora na perspectiva de a economia chinesa vir até a ultrapassar a americana, dentro de 15 anos.

6. É que os sinais dessa caminhada galopante dos chineses foram dados nos últimos anos através das persistentes taxas de crescimento anual do seu PIB, sempre muito próximas dos 10% ao ano.

7. A situação tornou-se ainda mais evidente quando, em Março de 2009, a ONUDI (Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial) declarou que a China havia ultrapassado o Japão como produtor industrial, colocando-se apenas atrás dos Estados Unidos da América. Antes, a China já relegara para posições mais recuadas países altamente industrializados como a França, Reino Unido e Alemanha.

8. No ano passado, a participação do produto industrial chinês no produto industrial mundial foi de 15,6%, contra os 15,4% do Japão e os 19% dos EUA. Em conjunto, o produto industrial dos três países correspondeu a metade da produção industrial mundial.

9. Não obstante o actual desempenho industrial da China, o Japão continua a ser o país mais industrializado do planeta, “em termos de valor agregado industrial per capita”. É bom não perder de vista esta perspectiva. Uma coisa é a produção industrial global do país, outra é a repartição média dessa produção por cada habitante. Esta repartição média por habitante serve de indicador para avaliar o bem-estar da população.

10. A dinâmica da produção industrial da China face ao seu rival asiático acentuou-se ainda mais após a crise financeira internacional que afectou o mundo, uma crise que teve um impacto mais evidente sobre os países mais ricos. Por isso mesmo, houve economias emergentes, como o Brasil e a Índia, que ganharam posições de mais destaque na pauta industrial mundial. No auge da crise, a Índia tornou-se a quinta classificada em termos de produção industrial e o Brasil colocou-se no décimo posto. Refeito o mundo do abalo, diz-se que o Brasil já ocupa a nona posição.

11. Na competição económica internacional, o produto industrial joga um papel de enorme destaque, porque ele potencia os restantes ramos da economia. Senão, vejamos. Ainda corria o ano de 2007, e já a China se posicionava como o primeiro parceiro comercial do Japão, desalojando os EUA. Esse era mais um sinal, que depois veio a ser confirmado nos sucessivos ganhos de posição em outras dimensões.

12. É evidente que não basta olharmos apenas para o valor dos indicadores globais. Devemos ter também o cuidado de observar outros indicadores, sobretudo rácios, como, por exemplo, o que toma em conta o valor do produto por cada habitante. O PIB por cada chinês é ainda de cerca de usd 3.600, um valor extremamente baixo, se comparado com o do Japão e, claro, com o dos americanos. O PIB per capita chinês é 3 vezes inferior ao do Brasil, 10 vezes inferior ao do Japão, e 13 vezes menor que o dos EUA.

13. Quer então dizer que o padrão de vida dos chineses é ainda extremamente muito baixo, mesmo com todos os avanços realizados. Mas, se recuarmos no tempo e nos lembrarmos do que era China há 30 ou 40 anos, ficamos impressionados com o verdadeiro salto de gigante que ela deu. Num relativamente período curto de tempo, os chineses conseguiram transportar para a modernidade cerca de 500 milhões dos seus habitantes. Em qualquer parte do mundo, é um esforço descomunal…

14. Há cerca de 4 anos, eu fiz uma palestra na qual referi que o investimento em capital humano, e, sobretudo, o esforço em investigação e desenvolvimento são cruciais para um país crescer de modo sustentado. Na altura, apontei dados relativos ao investimento em investigação e desenvolvimento (I&D) em alguns países. Referir ainda o panorama sombrio que vivem os países africanos, com uma honrosa excepção: a África do Sul, dos poucos países africanos que dispensa uma parte do seu pacote orçamental para acções de investigação e desenvolvimento.

15. De então a essa parte, a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) vai afirmando que a China já se transformou no segundo maior investidor mundial em Inovação e Desenvolvimento, desalojando novamente o Japão. Mas o estudo de 2006 da OCDE também dizia que a China ainda se preocupava muito em alterar os produtos estrangeiros para os adequar ao seu mercado.

16. Um novo fenómeno está agora a suceder no gigante asiático. Fruto da corrida acelerada das principais empresas multinacionais para o território chinês, começa-se a assistir a uma transferência para aí de muitas das actividades de investigação e desenvolvimento. Isto só é possível, porque as universidades chinesas estão a lançar para o mercado um número crescente de cientistas, muitos dos quais se dedicam à inovação de base e não apenas à cópia ou transformação dos produtos criados no estrangeiro.

17. Para não ser cansativo. O futuro prepara-se com muita antecedência, e as acções têm que ser bem direccionadas. O gigante asiático emergiu agora, mas o seu rugido já se faz ouvir na floresta há muito tempo. Só não percebeu quem esteve desatento – não lhe detectou os sinais…

1 comentário:

  1. bom dia professor

    Segue site sobre IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA - http://www.ibge.gov.br/home/
    ou http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1708&id_pagina=1

    Como o senhor é economista, pensei que talvez o interessasse. Não trabalho no IBGE, mas no Brasil está a se realizar o CENSO 2010.

    Há outro sítio interessante: IPEA - Instituto de Pesquisa Aplicada, e seu presidente é Marcio Pochmann: http://www.ipea.gov.br/portal/

    Prazer em conhece-lo...achei seu blog no sítio da BBC BRASIL que traz reportagem sobre Angola.

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