sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A MORTE E A PENA DE MORTE

1. Ainda não tinha enxugado totalmente a emoção pela execução, nos Estados Unidos, de Troy Davis, e logo surgiu a notícia do falecimento do primeiro Presidente da República de Cabo Verde, Aristides Pereira. Recebi, pois, e de uma assentada, uma tremenda carga emocional, um exagero para um único dia e em tão poucas horas. Reconheço que os meus alicerces psicológicos abalaram.

2. Seguramente que esses dois homens nunca se cruzaram. Troy Davis não terá nunca pronunciado o nome de Aristides Pereira, mesmo que este tenha sido Presidente da República de Cabo Verde. Nem sei mesmo se alguma vez Troy Davis conseguiria localizar no mapa-mundo o arquipélago de Cabo Verde. Suspeito ainda que Aristides Pereira nunca soube quem era Troy Davis, nem tomara conhecimento do seu prolongado combate para evitar que lhe fosse executada a pena capital.

3. Afinal, a única coincidência é que ambos morreram no mesmo dia, e separados por poucas horas. Troy Davis morreu na cadeia de alta segurança em Jackson, no estado da Geórgia, nos Estados Unidos, e Aristides Pereira nos hospitais da Universidade de Coimbra, em Portugal. Separava-os um longo hiato de 45 anos: Troy Davis tinha 42 anos e Aristides Pereira ia já com a bonita idade de 87 anos.

4. Porquê, então, abordar num único texto a morte destes dois homens que nada tinham de comum? Foi a questão que coloquei a mim próprio.

5. Escrevo sobre Troy Davis, em princípio, porque sou contra a pena de morte. E porque a sua execução veio reforçar a minha posição crítica, já que suspeito que a justiça americana acaba de cometer nova injustiça.

6. Escrevo sobre Aristides Pereira porque sempre o situei no panteão dos políticos que honraram a política, dignificando-a, quer pela forma como nela entrou, quer como a exercitou, e como saiu dela.

7. Tomado pela emoção e pela saudade, resolvi revisitar Aristides Pereira numa entrevista que concedeu, há cerca de 9 anos, a um diário português. No preâmbulo do texto, a jornalista Ana Dias Cordeiro teceu considerações que correspondem ao seu retrato: “Aristides Pereira (…) respira serenidade e transmite a calma de um homem realizado, cuja vida lhe deu muito mais do que aquilo que alguma vez imaginou. Por detrás de uns óculos grandes, o olhar risonho diz isto e muito mais. As gargalhadas que por vezes solta nada tiram à sua natural distinção”.

8. Seria esse também o retrato que eu faria desse homem justo e simples, do distinto cabo-verdiano que, juntamente com os irmãos Amílcar e Luís Cabral, soube transformar em realidade as aspirações de independência de dois povos, o povo da Guiné-Bissau e o povo de Cabo Verde. E, depois, soube aceitar com humildade a derrota eleitoral, na transição do seu país para um sistema político multipartidário e para um regime democrático.

9. São dele ainda as seguintes palavras: “Eu costumo dizer que fiz política sem ser político. O que me levou à política foi a situação de humilhação, de exploração do povo cabo-verdiano e as injustiças do sistema colonial. Na minha geração, começou a ganhar-se absoluta consciência da obrigação que tinham os cabo-verdianos de lutar contra essa situação de injustiça. Nunca sonhei, enquanto jovem, qualquer coisa que se parecesse com a política. Era qualquer coisa que estava fora dos meus parâmetros”.

10. Aristides Pereira entrou na política sem ser político. Mas fez na política um enorme percurso da sua vida. Porém, ele não cabe no mesmo quadro em que figuram todos quantos vêem na política o campo onde não há limites nem fronteiras, um território sem regras e sem ética.

11. Vou agora em busca de Troy Davis, o negro norte-americano que acabou por ser executado com uma injecção letal, depois de 22 anos a clamar pela sua inocência. No dia anterior à sua execução, em carta divulgada pela Amnistia Internacional através do Facebook, Troy Davis escreveu: “A luta por justiça não acaba comigo. Esta luta é por todos os Troy Davis que vieram antes de mim e por todos os que virão depois. Estou com bom espírito, rezando e em paz, mas não deixarei de lutar até ao meu último suspiro”.

12. Sobre Troy Davis impendia a acusação de ter morto um polícia que fora em socorro de um mendigo quando estava a ser agredido por dois homens. O polícia era branco. Inicialmente, 9 testemunhas apontaram-no como o autor dos disparos que vitimaram o polícia. Posteriormente, 7 dessas 9 testemunhas renegaram os primeiros pronunciamentos, afirmando que tinham sido pressionadas pela polícia para prestarem falsas declarações. Além disso não foram encontradas evidências materiais que pudessem sustentar a acusação: nem a arma do crime, nem nos resultados dos testes de ADN.

13. Perante tais factos, elevou-se um coro de vozes de figuras públicas pedindo a anulação da pena capital contra Troy Davis, inclusive, Chefes de Estado e até mesmo do Papa Bento XVI.

14. As autoridades judiciais do Estado da Geórgia mostraram-se insensíveis e Troy Davis foi mesmo executado. As suas últimas palavras foram dirigidas à família do polícia morto, que manifestou um particular interesse em assistir à execução: “Que Deus tenha piedade da vossa alma. Não matei o vosso irmão. Não estava armado. Não fiz isto”.

15. A justiça norte-americana tem sido fértil no cometimento de erros que, depois, se constata serem crassos. Por exemplo, precisamente há dois anos, foi libertado nos EUA um homem que esteve preso durante 26 anos. Fora acusado de ter violado e ter morto uma mulher, quando tinha apenas 15 anos de idade. Os testes de ADN mostraram, porém, o quanto a justiça estava equivocada.

16. Os 26 anos passados nos calabouços já tinham passado e nunca serão recuperados – essa é hoje a única certeza. Se o tivessem executado, nunca se saberia que era, afinal, mais inocente.

17. Nos EUA, desde a condenação até à execução, geralmente decorre um longo período de tempo, e existem múltiplas instâncias de recurso, o que dá a possibilidade de se corrigirem eventuais erros. Mas há outros países, como por exemplo a China, onde a pena de morte é executada quase que em simultâneo com a sentença, o que torna ainda mais problemática essa penalização que é irreversível.

18. Depois da execução de Troy Davis, a luta contra a pena de morte vai pela certeza aquecer vários palcos de debate. Termino, pois, recordando esta frase de Mahatma Ghandi: “A pena de morte é um símbolo de terror e, nesta medida, uma confissão da debilidade do Estado”.

3 comentários:

  1. Tens razão Justino!!! As sociedades por muito organizadas que elas estejam, n~~ao podem nunca serem consideradas equilibradas e justas, enquanto não souberem resolver as suas diferenças com a pena de morte. Aristides Pereira deu vida a Cabo Verde, e lutou para que o seu país pudesse ter justiça e igualdade entre os seus cidadãos. Troy Davis, foi morto, por uma justiça, que não investigou convenientemente, dando a sensação de que mataram um inocente. E se estava inocente? Como fica a justiça? Um Abraço Justino, estamos juntos!
    João Pessoa

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