segunda-feira, 10 de setembro de 2012

SERÁ QUE SOMOS MESMO ESPECIAIS?


  1. Em 2009, o então Presidente da Tunísia, Zine Al-Abdine Ben Ali, foi declarado vencedor das eleições com cerca de 90% dos votos válidos - o que lhe dava o direito a permanecer no poder durante mais cinco anos que, somados aos 22 anos que já levava, lhe dariam a “bonita” cifra de 27 anos. Ele ascendeu ao poder em 1987, quando substituiu o primeiro Presidente do país, Habib Bourguiba Jr.

 

  1. Habib Bourguida Jr. dirigiu a Tunísia desde 1956 (durante este ano, apenas como Primeiro-ministro) altura em que resgatara a independência do país à potência colonial, a França.

 

  1. Deve-se a Habib Bourguiba a secularização do Estado, assim como a promoção dos direitos das mulheres. De certa forma, também, deve-se também a ele a adopção de um modelo ocidentalizado para o país sem, porém, o fazer perder as suas características muçulmanas e islâmicas. Habib Bourguiba foi vítima de uma crise económica que gerou conflitos internos e que levou a que o seu Primeiro-ministro, Zine Al-Abdine Ben Ali, o depusesse, com o apoio do Exército. Contava, então, 84 anos de idade. Entre outras coisas, ele não percebeu bem que tudo tem o seu tempo…

 

  1. Recordo-me que a substituição de Habib Bourguiba por Zine Al-Abdine Ben Ali gerou alguma esperança de uma futura introdução de reformas democráticas no país – o que não aconteceu. À semelhança da generalidade dos regimes árabes, o Presidente Ben Ali resistiu à introdução de verdadeiras reformas democráticas.

 

  1. A 14 de Janeiro de 2011, e após um mês de protestos de rua contra o seu governo, o Presidente Zine Al-Abdine Ben Ali viu-se forçado a renunciar ao cargo e refugiou-se com a mulher, Leila, na Arábia Saudita. O governo de Ben Ali, derrubado por uma revolta popular, era bastante corrupto, repressivo, conhecido por cercear as liberdades civis.

 

  1. O rastilho para a onda de violência que se espalhou pelo país foi a auto imolação, na cidade de Sidi Bouzid, de Mohamed Bouazizi, um jovem de 26 anos de idade, que fora maltratado pela polícia quando procedia à venda de frutas e legumes na sua barraca de rua. Um acto de desespero que estimulou o surgimento de passeatas por toda a região, chegando, depois, à capital. A população aproveitou bem o pretexto também para se indignar publicamente contra a subida dos preços e contra o desemprego. Passou a exigir o fim do regime despótico.

 

  1. Embora tenham sucumbido mais de 100 pessoas, a revolução na Tunísia ficou para a história com a designação de “Revolução de Jasmim”, a flor que é símbolo nacional. A mola motora da revolução foi a juventude. O papel das jovens mulheres tunisinas foi determinante. Afinal, ao promover os direitos da mulheres, Habib Bourguiba Jr. lançara para a terra uma semente que germinou e que veio a  dar os seus frutos…

 

  1. A Tunísia é tida como um país árabe com características peculiares que o aproximam dos países europeus. Possui uma classe média significativa, com uma cultura liberal. O seu rendimento per capita é relativamente elevado.

 

  1. Os resultados eleitorais de 2009, que deram uma expressiva vitória a Zine Al-Abdine Ben Ali, eram apenas uma ilusão de óptica... Ficou provado que, quando a glória é falsa, inevitavelmente, advém uma catástrofe.

 

  1. Os seguidores de Ben Ali, “o resto da matilha”, como diz o povo, “está em processo de reciclagem dentro das diversas formações políticas”. Seguramente, espreitam outra oportunidade para fazerem das suas… Foi o Egipto que seguiu o exemplo da Tunísia.

 

  1. Onze dias depois da queda de Zine Al-Abdine Ben Ali, no dia 25 de Janeiro de 2011, inicia-se também uma revolta popular no Egipto que culmina com a renúncia do ditador Hosni Mubarak, a 11 de Fevereiro, após 18 dias de protestos.

 

  1. Tal como com Zine Al-Abdine Ben Ali (mas em 2005), Hosni Mubarak fora igualmente reeleito com cerca de 90% dos votos validados, numa votação em que somente 25% dos eleitores realmente participaram. Posteriormente, após a sua queda, veio a saber-se que o “score” de 90% nem correspondia a 50%. Fora uma farsa eleitoral, numa cópia que é muito querida aos ditadores. Por norma, os ditadores fazem-se eleger com percentagens astronómicas, manipuladas e enganadoras.

 

  1. O substituto de Hosni Mubarak, Mohamed Mursi, candidato da Irmandade Muçulmana, na segunda volta das presidenciais de 2012, derrotou Ahmed Shafik (antigo Primeiro-ministro de Hosni Mubarak) com 51,73% dos votos, em eleições tidas como amplamente participadas.

 

  1. Mesmo que inicialmente contestadas, as recentes eleições no Egipto já apresentam semelhanças com as suas congéneres nos países democráticos.

 

  1. Quando, em regimes ditatoriais ou autocráticos, os resultados eleitorais se apresentam tão empolados, há que desconfiar deles. Alguma coisa de errado se está a passar e, depois, tudo pode acontecer… Um maior cuidado ainda deve haver, quando os níveis da abstenção são elevados.

 

  1. A tendência dos poderes instalados em regimes não democráticos é de olharem apenas para o percentual eleitoral que lhes é atribuído. Até se vangloriam se as oposições ficam quilometricamente distanciadas.

 

  1. É o nível atingido pela abstenção que indicia o grau de satisfação política do povo, o modo como ele avalia o sistema e o regime político. Por precaução, se a abstenção é demasiado grande, devemos fazer disparar os sinais de alarme…

 

  1. Por exemplo, em Angola, tivemos, no dia 31 de Agosto, eleições para preencher os lugares dos deputados no Parlamento e eleger, indirectamente, o Presidente e o Vice-Presidente da República. Os resultados apurados dão uma vitória ao partido do governo – o MPLA – de cerca de 72%; contra pouco mais de 18% para o segundo classificado, a UNITA; e 6% para a CASA-CE, o terceiro melhor colocado.

 

  1. Vamos partir do princípio que aceitamos os dados apresentados pelo Censo Eleitoral exibidos no “site” da CNE, que aponta para uma cifra de 9.757.671 eleitores. Tendo em conta que o MPLA terá recebido pouco mais de 4 milhões de votos, então é fácil concluir que o grande vencedor do acto eleitoral de 31 de Agosto foi, realmente, alguém a quem se poderia chamar “Partido da Abstenção”. Para este “Partido” deveriam contabilizar-se não apenas os eleitores que não foram votar, bem como os que, tendo mesmo ido às Assembleias de Voto, optaram por colocar o seu boletim dentro da urna sem assinalar alguma preferência.

 

  1. O acto de não ir votar pode ser interpretado de várias maneiras. Algumas delas podem ser chamadas de “razões técnicas”. Mas, se as “razões técnicas” são assim tão grandes, podemos, pois, concluir que tinham razão os que apelaram publicamente para que a eleição fosse adiada por alguns dias, para se corrigirem as falhas da CNE. Não foram ouvidos, e julgo mesmo que foram muito mal interpretados. O resultado está agora aqui e bem espelhado.

 

  1. Mas, se os dados do Censo Eleitoral em posse da CNE não estão correctos, se estão empolados, é lógico tem que se deve dar razão aos que, na devida altura, questionaram a qualidade do FICRE. Quer dizer que o FICRE não só não serviu de instrumento de orientação eleitoral (para a definição das Listas) bem como, em momento anterior, serviu para definir quem realmente estava em condições de concorrer às eleições. Poderemos, pois, concluir que o processo de selecção dos partidos e coligações concorrentes não passou de uma farsa.

 

  1. Há ainda que fazer uma análise da própria abstenção, desagregando-a por Províncias. Quem pode, por exemplo, em consciência, cantar vitória e assumir legitimidade democrática, quando na principal praça eleitoral do país, Luanda, o nível da abstenção atingiu a astronómica percentagem de 41,7%? E na segunda praça eleitoral, a Huíla, 42%?

 

  1. Eu sei que, tecnicamente, o “voto em branco” não é considerado abstenção. Mas, na prática, o significado é o mesmo, uma vez que quem vai ao local do voto e coloca o seu boletim de voto em branco, está a querer passar a mensagem de que não escolheu nenhuma das listas candidatas presentes. Votou mas não escolheu. Disse que não confia em ninguém aí presente. É, afinal, uma forma mais requintada de protesto.

 
Gostaria ainda que me explicassem uma coisa simples: Como se explica que alguém que diz ter mais de 5 milhões de militantes obteve apenas 4 milhões de votos. E os outros votos, para onde foram? Para outros partidos? Para o “lixo” do “Partido da Abstenção? E mais ainda: Será que os 4 milhões de votos são todos de militantes? Se são todos de militantes, então é preciso repensar o conceito de “militante”. É que, nas democracias há, geralmente, poucos militantes e muitos mais votantes. A não ser que aqui seja diferente porque, como alguém já disse, “nós somos especiais”…

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