SERÁ QUE SOMOS MESMO ESPECIAIS?
- Em 2009, o então
Presidente da Tunísia, Zine Al-Abdine Ben Ali, foi declarado vencedor das
eleições com cerca de 90% dos votos válidos - o que lhe dava o direito a
permanecer no poder durante mais cinco anos que, somados aos 22 anos que
já levava, lhe dariam a “bonita” cifra de 27 anos. Ele ascendeu ao poder
em 1987, quando substituiu o primeiro Presidente do país, Habib Bourguiba
Jr.
- Habib Bourguida Jr.
dirigiu a Tunísia desde 1956 (durante este ano, apenas como
Primeiro-ministro) altura em que resgatara a independência do país à
potência colonial, a França.
- Deve-se a Habib
Bourguiba a secularização do Estado, assim como a promoção dos direitos
das mulheres. De certa forma, também, deve-se também a ele a adopção de um
modelo ocidentalizado para o país sem, porém, o fazer perder as suas
características muçulmanas e islâmicas. Habib Bourguiba foi vítima de uma
crise económica que gerou conflitos internos e que levou a que o seu
Primeiro-ministro, Zine Al-Abdine Ben Ali, o depusesse, com o apoio do
Exército. Contava, então, 84 anos de idade. Entre outras coisas, ele não
percebeu bem que tudo tem o seu tempo…
- Recordo-me que a
substituição de Habib Bourguiba por Zine Al-Abdine Ben Ali gerou alguma
esperança de uma futura introdução de reformas democráticas no país – o
que não aconteceu. À semelhança da generalidade dos regimes árabes, o
Presidente Ben Ali resistiu à introdução de verdadeiras reformas
democráticas.
- A 14 de Janeiro de
2011, e após um mês de protestos de rua contra o seu governo, o Presidente
Zine Al-Abdine Ben Ali viu-se forçado a renunciar ao cargo e refugiou-se
com a mulher, Leila, na Arábia Saudita. O governo de Ben Ali, derrubado
por uma revolta popular, era bastante corrupto, repressivo, conhecido por
cercear as liberdades civis.
- O rastilho para a
onda de violência que se espalhou pelo país foi a auto imolação, na cidade
de Sidi Bouzid, de Mohamed Bouazizi, um jovem de 26 anos de idade, que
fora maltratado pela polícia quando procedia à venda de frutas e legumes
na sua barraca de rua. Um acto de desespero que estimulou o surgimento de
passeatas por toda a região, chegando, depois, à capital. A população aproveitou
bem o pretexto também para se indignar publicamente contra a subida dos
preços e contra o desemprego. Passou a exigir o fim do regime despótico.
- Embora tenham
sucumbido mais de 100 pessoas, a revolução na Tunísia ficou para a
história com a designação de “Revolução de Jasmim”, a flor que é símbolo
nacional. A mola motora da revolução foi a juventude. O papel das jovens
mulheres tunisinas foi determinante. Afinal, ao promover os direitos da
mulheres, Habib Bourguiba Jr. lançara para a terra uma semente que
germinou e que veio a dar os seus
frutos…
- A Tunísia é tida
como um país árabe com características peculiares que o aproximam dos
países europeus. Possui uma classe média significativa, com uma cultura
liberal. O seu rendimento per capita
é relativamente elevado.
- Os resultados
eleitorais de 2009, que deram uma expressiva vitória a Zine Al-Abdine Ben
Ali, eram apenas uma ilusão de óptica... Ficou provado que, quando a
glória é falsa, inevitavelmente, advém uma catástrofe.
- Os seguidores de Ben
Ali, “o resto da matilha”, como diz o povo, “está em processo de reciclagem
dentro das diversas formações políticas”. Seguramente, espreitam outra
oportunidade para fazerem das suas… Foi o Egipto que seguiu o exemplo da
Tunísia.
- Onze dias depois da
queda de Zine Al-Abdine Ben Ali, no dia 25 de Janeiro de 2011, inicia-se também
uma revolta popular no Egipto que culmina com a renúncia do ditador Hosni
Mubarak, a 11 de Fevereiro, após 18 dias de protestos.
- Tal como com Zine
Al-Abdine Ben Ali (mas em 2005), Hosni Mubarak fora igualmente reeleito com
cerca de 90% dos votos validados, numa votação em que somente 25% dos
eleitores realmente participaram. Posteriormente, após a sua queda, veio a
saber-se que o “score” de 90% nem correspondia a 50%. Fora uma farsa
eleitoral, numa cópia que é muito querida aos ditadores. Por norma, os ditadores
fazem-se eleger com percentagens astronómicas, manipuladas e enganadoras.
- O substituto de
Hosni Mubarak, Mohamed Mursi, candidato da Irmandade Muçulmana, na segunda
volta das presidenciais de 2012, derrotou Ahmed Shafik (antigo
Primeiro-ministro de Hosni Mubarak) com 51,73% dos votos, em eleições
tidas como amplamente participadas.
- Mesmo que
inicialmente contestadas, as recentes eleições no Egipto já apresentam
semelhanças com as suas congéneres nos países democráticos.
- Quando, em regimes
ditatoriais ou autocráticos, os resultados eleitorais se apresentam tão empolados,
há que desconfiar deles. Alguma coisa de errado se está a passar e,
depois, tudo pode acontecer… Um maior cuidado ainda deve haver, quando os
níveis da abstenção são elevados.
- A tendência dos
poderes instalados em regimes não democráticos é de olharem apenas para o
percentual eleitoral que lhes é atribuído. Até se vangloriam se as
oposições ficam quilometricamente distanciadas.
- É o nível atingido
pela abstenção que indicia o grau de satisfação política do povo, o modo
como ele avalia o sistema e o regime político. Por precaução, se a
abstenção é demasiado grande, devemos fazer disparar os sinais de alarme…
- Por exemplo, em
Angola, tivemos, no dia 31 de Agosto, eleições para preencher os lugares
dos deputados no Parlamento e eleger, indirectamente, o Presidente e o
Vice-Presidente da República. Os resultados apurados dão uma vitória ao
partido do governo – o MPLA – de cerca de 72%; contra pouco mais de 18%
para o segundo classificado, a UNITA; e 6% para a CASA-CE, o terceiro
melhor colocado.
- Vamos partir do
princípio que aceitamos os dados apresentados pelo Censo Eleitoral
exibidos no “site” da CNE, que aponta para uma cifra de 9.757.671
eleitores. Tendo em conta que o MPLA terá recebido pouco mais de 4 milhões
de votos, então é fácil concluir que o grande vencedor do acto eleitoral
de 31 de Agosto foi, realmente, alguém a quem se poderia chamar “Partido
da Abstenção”. Para este “Partido” deveriam contabilizar-se não apenas os
eleitores que não foram votar, bem como os que, tendo mesmo ido às
Assembleias de Voto, optaram por colocar o seu boletim dentro da urna sem
assinalar alguma preferência.
- O acto de não ir
votar pode ser interpretado de várias maneiras. Algumas delas podem ser chamadas
de “razões técnicas”. Mas, se as “razões técnicas” são assim tão grandes,
podemos, pois, concluir que tinham razão os que apelaram publicamente para
que a eleição fosse adiada por alguns dias, para se corrigirem as falhas
da CNE. Não foram ouvidos, e julgo mesmo que foram muito mal
interpretados. O resultado está agora aqui e bem espelhado.
- Mas, se os dados do
Censo Eleitoral em posse da CNE não estão correctos, se estão empolados, é
lógico tem que se deve dar razão aos que, na devida altura, questionaram a
qualidade do FICRE. Quer dizer que o FICRE não só não serviu de
instrumento de orientação eleitoral (para a definição das Listas) bem
como, em momento anterior, serviu para definir quem realmente estava em
condições de concorrer às eleições. Poderemos, pois, concluir que o
processo de selecção dos partidos e coligações concorrentes não passou de
uma farsa.
- Há ainda que fazer
uma análise da própria abstenção, desagregando-a por Províncias. Quem
pode, por exemplo, em consciência, cantar vitória e assumir legitimidade
democrática, quando na principal praça eleitoral do país, Luanda, o nível
da abstenção atingiu a astronómica percentagem de 41,7%? E na segunda
praça eleitoral, a Huíla, 42%?
- Eu sei que,
tecnicamente, o “voto em branco” não é considerado abstenção. Mas, na
prática, o significado é o mesmo, uma vez que quem vai ao local do voto e
coloca o seu boletim de voto em branco, está a querer passar a mensagem de
que não escolheu nenhuma das listas candidatas presentes. Votou mas não
escolheu. Disse que não confia em ninguém aí presente. É, afinal, uma
forma mais requintada de protesto.
Gostaria ainda que me explicassem uma coisa simples: Como se explica que
alguém que diz ter mais de 5 milhões de militantes obteve apenas 4 milhões de
votos. E os outros votos, para onde foram? Para outros partidos? Para o “lixo”
do “Partido da Abstenção? E mais ainda: Será que os 4 milhões de votos são
todos de militantes? Se são todos de militantes, então é preciso repensar o
conceito de “militante”. É que, nas democracias há, geralmente, poucos
militantes e muitos mais votantes. A não ser que aqui seja diferente porque,
como alguém já disse, “nós somos especiais”…
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