quarta-feira, 22 de julho de 2009

JORNALISTAS DE INVESTIGAÇÃO

1. Eis aqui mais uma notícia tremendamente chocante: “Activista russa assassinada no Cáucaso”. Coube agora a vez a Natália Estemirova, jornalista r activista dos direitos humanos, engajada numa profunda investigação sobre centenas de casos de raptos, torturas e execuções extrajudiciais levados a cabo contra civis, por militares russos e forças paramilitares na Tchetchénia. Foi raptada junto de sua casa; depois, foi executada. O seu corpo apareceu, com tiros na cabeça e no peito, numa das repúblicas vizinhas, a Ingushétia.

2. Natália Estemirova trabalhava para a ONG “Memorial”. Por diversas vezes, fora distinguida com prémios internacionais, pelo seu labor em favor dos direitos humanos. Recebera, por exemplo, o “Prémio Robert Schuman dos direitos humanos”, atribuído, em 2007, pelo Parlamento Europeu; em 2004, merece o “Prémio Nobel Alternativo”, criado pelo Parlamento Sueco; também o “Prémio Anna Politkovskaia”, criado pelas mulheres laureadas com Prémios Nobel, atribuído a activistas de direitos humanos em áreas de conflito. Natália Estemirova era, pois, uma defensora de causas nobres, era alguém que se preocupava com a existência de um mundo mais justo, mais equilibrado, mais humanizado.

3. Com ela, repetiu-se assim, três anos depois, o destino dado à Ana Politkovzkaia, também jornalista russa, assassinada em 2006, em Moscovo, quando investigava crimes cometidos por militares na Tchetchénia. Natália e Anna trabalharam juntas. Tiveram o mesmo destino que outros seus colegas de investigação, o prestigiado advogado russo Stanislav Markelov e a jornalista Anastácia Barbulova, igualmente abatidos quando saíam de uma conferência de imprensa onde aquele acabara de criticar a libertação de um coronel do Exército russo acusado da violação e morte por estrangulamento de uma jovem tchethena de 18 anos de idade. A jovem jornalista, Anastácia Barbulova, de apenas 25 anos de idade, trabalhava para a mesma publicação de Anna Politkovzkaia, a Novskaya Gazeta, muito crítica em relação a Vladimir Putin e Dmitry Medvedev.

4. Estes são relatos que nos mostram o quão difícil é a profissão de jornalista (e de advogado), sobretudo, quando se investigam casos que põe em causa a imagem e a credibilidade dos poderosos. É assim na Rússia. Mas, será também em outras partes do mundo, lá onde não mora a cultura e a tradição democrática, lá onde os poderes políticos, militares e económicos ainda assentam sobre os alicerces de um passado totalitário e intolerante. Todos estes crimes tiveram um denominador comum: fazia-se investigação jornalística sobre a actuação das tropas russas e paramilitares em território tchetcheno.

5. Natália Estemirova morreu aos 50 anos de idade – foi barbaramente assassinada. O seu caso, e os dos seus colegas, fazem-me agora recuar no tempo, 35 anos na história, quando, a 8 de Agosto de 1974, o então presidente norte-americano, o republicano Richard Nixon, foi obrigado a renunciar ao cargo, vítima daquele que ficou para a história como “O Caso Watergate”.

6. Os protagonistas foram os jornalistas norte-americanos Bob Woodward e Carl Bernstein, ambos do jornal Washington Post. Foram eles que denunciaram as escutas ilegais mandadas fazer por Richard Nixon à sede de campanha do Partido Democrata, o Edifício Watergate, em Washington. A investigação levou-os aos cinco ex-membros da CIA, encarregues de realizar espionagem electrónica para descobrir informações sobre a campanha democrata. Para tal, beneficiaram da colaboração de um agente do FBI, Mark Felt, que ficou para sempre conhecido como o “Garganta Funda”. Mark Felt revelou o seu segredo mais de 30 anos depois.

7. Bob Woodward e Carl Bernstein foram distinguidos com o “Prémio Pulitzer”, pelo contributo relevante que deram ao jornalismo. Hoje, Bob Woodward tem 66 anos de idade e continua a fazer jornalismo investigativo. Escreveu livros sobre os bastidores das guerras do Iraque e Afeganistão. Carl Bernstein, com 65 anos de idade, continua no activo, e foi Professor da Universidade de Nova Iorque. O agente do FBI que ajudou a deslindar o “Caso Watergate”, Mark Felt, “O Garganta Funda” viveu até aos 95 anos. Morreu em Dezembro de 2008.

8. Nenhum dos três americanos foi assassinado. Sê-lo-iam, seguramente, se o destino os tivesse feito russos. Teriam merecido a sorte de Anna Politkovzkaia, Stanislav Markelov, Anastácia Barbulova e, agora, de Natália Estemirova, equivalentes russos do nosso Ricardo Melo e também do moçambicano Carlos Cardoso… Também silenciados por saberem demais. Assassinados com uma clara e inequívoca precisão cirúrgica…

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