quarta-feira, 19 de agosto de 2009

OUTRA PUNHALADA NOS DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS

1. O Cáucaso russo está novamente manchado com sangue inocente, após o assassínio do casal de activistas da ONG “Salvemos a Geração”, que se dedicava à ajuda médica e psicológica a crianças vítimas da guerra na Chechénia. O crime aconteceu a 8 deste mês de Agosto e a notícia correu o mundo, trazendo-me imediatamente à memória outro crime, o de que foi vítima, no mês passado, a activista russa de direitos humanos, Natália Estemirova. Na ocasião, pude manifestar a minha tristeza e incontida indignação, recordando ainda Anna Politovskaia, jornalista e activista, assassinada a 7 de Outubro de 2006, em Moscovo. Quer uma, quer a outra, pertenceram à associação de defesa dos direitos humanos, “Memorial”.

2. Hoje, cá estou eu de novo, neste espaço de opinião, a dizer que os defensores dos direitos humanos deveriam merecer muito mais respeito e consideração, pois eles apenas procuram dar um sentido mais humano à vida dos cidadãos mais desprotegidos. Os defensores dos direitos humanos colocam-se ao lado daqueles que menos apoio recebem da sociedade, fazendo valer alguns direitos sem os quais a vida poderia, por vezes, tornar-se num verdadeiro calvário.

3. Os defensores dos direitos humanos são homens e mulheres abnegados. Eles privam-se voluntariamente de algum do seu bem-estar e de certas comodidades para se dedicaram aos outros, aos mais carentes, aos mais fragilizados. Nós que também vivemos uma longa e muito dolorosa guerra, temos memória do quanto foram úteis estes homens e mulheres, por vezes os únicos a conseguirem chegar junto dos que sofrem, dos desamparados, vítimas das várias fúrias dos homens e mulheres ensandecidos.

4. Agora coube a vez a Zarema Sadulaieva e seu marido Umar Dzhabrailov. Os seus nomes acabam de engrossar a já muito longa lista de vítimas da intolerância social e política que devora as entranhas do Cáucaso russo e, mais concretamente, da Chechénia. Colocou-se, pois, ponto final a duas preciosas vidas que só queriam o bem para as crianças. Estou convencido que estes crimes ficarão impunes, pois parece que os criminosos possuem cobertura institucional, ou então, estão resguardados nas costas de gente muito próxima dos poderes.

5. Suspeita-se que por detrás desta verdadeira onda de assassinatos estará a mão invisível do próprio Presidente da Chechénia, Ramzan Kadyrov, uma suspeita com algum fundamento. Vejamos o que disse Ramzan Kadyrov, no Sábado dia 9, numa rádio, ao referir-se ao assassinado de Zarema Sadulaieva: “Tratava-se de uma mulher sem honra, sem mérito, sem consciência. Por que haveria eu de mandar matar uma mulher de que ninguém precisa?”.

6. Esta frase arrepia até os mais couraçados. Sobretudo, porque ela foi pronunciada por quem tem as mais elevadas responsabilidades de Estado. Ela expressa uma incontida intolerância e um profundo desrespeito pelos cidadãos. Com tal calibre, Kadyrov só pode sobreviver politicamente numa máscara de democracia, lá onde o chefe é a própria lei e a sua vontade não encontra limites. Numa verdadeira democracia, Kadyrov seria compulsivamente desapossado do poder, caso não se demitisse voluntariamente.

7. No início do mês de Julho, o Ministro português da Economia, Manuel Pinho, demitiu-se do cargo, poucas horas após ter protagonizado uma cena caricata dentro do Parlamento, ao executar um gesto deselegante para a um deputado da oposição. Poucos instantes depois, apresentou o seu pedido de demissão, que foi prontamente aceite pelo Primeiro-Ministro José Sócrates. O Primeiro-Ministro português veio ainda a público repudiar o acto praticado pelo seu Ministro, como sendo incompatível com a cultura democrática que exige respeito pelo outro. Da forma como agiram, os dois mostraram respeito pelas instituições democráticas, muito em especial, pelo Parlamento, a expressão maior dessas instituições.

8. Na Chechénia, o Presidente da República deu-se ao luxo de destratar publicamente uma mulher acabada de ser assassinada, juntamente com o seu marido – quando se dedicavam a apoiar crianças desvalidas. E nada lhe aconteceu. Prossegue de risco ao lado…

9. Eu temo que estejamos também a trilhar os caminhos que nos podem conduzir à insensibilidade total, desrespeitando a vida e o sofrimento dos mais pobres. Vê-se pelo modo como eles são desalojados, desapossados e humilhados, em nome de uma modernização que, não poucas vezes, disfarça nos seus meandros, ambições e os interesses egoístas de uns poucos privilegiados. Juntamente com os seus sócios empoderados, os nossos privilegiados já dão mostras de estar profundamente incomodados com os nossos defensores dos direitos humanos – como se estes fossem meros agentes perturbadores da ordem pública.

10. Estamos a travar uma batalha desigual. Eles são o Golias… E estão reforçados pelos poderes instituídos. É quase uma espécie de pré-história moderna, ou a Idade Média trazida para os nossos tempos!

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