quarta-feira, 2 de setembro de 2009

O FIM DE UMA GERAÇÃO DE OURO

1. Com a morte do senador Ted Kennedy, encerra-se a primeira parte de uma longa e apaixonante história que foi iniciada pelo Embaixador Joseph P. Kennedy, o patriarca de uma das mais famosas e respeitadas famílias norte-americana – os Kennedy. O patriarca dos Kennedy serviu como Embaixador dos Estados Unidos na Reino Unido, na década de 1930. Os Kennedy marcaram a vida política norte-americana do século XX, pois estiveram no centro de muitos dos seus principais acontecimentos. Desaparecido Ted, a família Kennedy inicia um novo ciclo, de que não se conhecem os contornos, nem se prevê o epílogo.

2. Todo o espaço mediático e todo o protagonismo ficam agora nas mãos dos descendentes, da segunda geração. Compete-lhes, pois, pegar no archote e prosseguir a caminhada, já que se alimenta a esperança de que façam seus os valores que marcaram o percurso dos seus antepassados, pais e tios. Dos Kennedy, a história registará, por exemplo, o seu gosto pela liberdade, o seu patriotismo, a crença de que nada é impossível.

3. A primeira geração dos Kennedy foi uma fiel aliada daqueles que se bateram pelos direitos cívicos nos Estados Unidos. Eles estiveram ao lado de Martin Luther King. Foi durante o governo de John F. Kennedy que teve lugar um dos episódios mais emblemáticos da luta dos negros norte-americanos pela igualdade de direitos: o drama que envolveu James Meredith, o primeiro negro a entrar na Universidade do Mississipi, um Estado do sul dos Estados Unidos, numa época de grandes convulsões sociais e em que medrava a segregação racial.

4. James Meredith era um jovem de ascendência negra e índia. Com 27 anos de idade, e após ter servido durante 9 anos como militar na Força Aérea norte-americana, decidiu retomar os estudos. Tentou por duas vezes ingressar na Universidade do Mississipi, mas foi barrado, por razões meramente raciais. Finalmente, em Outubro de 1962, conseguiu franquear as portas da Universidade, tendo feito estalar a polémica que envolveu o Presidente norte-americano, John Kennedy.

5. As autoridades do Mississipi opuseram-se à entrada de James Meredith na Universidade. O Presidente Kennedy ordenou que agentes federais garantissem protecção a James Meredith no campus universitário. Travou-se, então, uma verdadeira batalha campal que obrigou a intervenção de militares enviados pelo Presidente. Resultado: dois mortos e algumas dezenas de feridos, entre estudantes, militares e agentes de segurança. Com tal gesto, o Presidente Kennedy mostrou a sua indefectível posição a favor dos direitos cívicos dos negros norte-americanos, e a sua família, os Kennedy, passaram a figurar no nosso imaginário como catalizadores de uma profunda mudança nos comportamentos dos cidadãos daquele país. Nunca mais esqueci esse momento marcante e de grande simbolismo... Seria também impossível esquecer o nome de James Meredith.

6. Na parte final da sua vida, Ted Kennedy, o irmão mais novo de John Kennedy, contabilizou para si e para a sua família um momento de grande significado histórico, ao declarar-se apoiante de Barack Obama na campanha eleitoral para a presidência dos EUA. Selaram a aliança que pode ter sido determinante para o desfecho final da contenda. Ted Kennedy arrastou consigo parte do eleitorado que poderia ser favorável à actual Secretária de Estado, Hillary Clinton. O símbolo maior dos democratas norte-americanos preferiu dar prioridade à reconciliação da América com aqueles que mais tinham sofrido a discriminação: os negros. Era, pois, fundamental esse reencontro da América com a sua história, passando as rédeas do poder a um afro-americano.

7. Os sobrinhos de Ted Kennedy secundaram-no, apoiando igualmente Obama: Caroline Kennedy, filha do Presidente assassinado, declarou que Obama concentrava em si o sonho de uma América mais justa e mais solidária, como, afinal, sonhara o seu pai, John Kennedy; Maria Shriver, também sobrinha de Ted Kennedy – filha da irmã Eunice Kennedy Shriver (falecida ainda este mês) – e esposa do actual governador republicano da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, seguiu-lhes os passos, manifestando publicamente o seu apreço por Obama. Estava, assim, dado o mote para a caminhada que se saldou na retumbante vitória o candidato afro-americano. O sonho de Martin Luther King de que os homens devem ser avaliados pelo seu valor e carácter, e nunca pela cor da sua pele, tornou-se realidade. Ele foi possível com o impulso magnífico desta família liberal, símbolo da esquerda democrática norte-americana.

8. Quando soube da morte de Ted Kennedy, Barack Obama fez justiça ao seu papel histórico, dizendo: “Por cinco décadas, a maior parte da legislação para avançar os direitos civis, a saúde e o bem-estar económico do povo americano partiu do seu nome e resultou dos seus esforços”. E acrescentou: “Michelle e eu ficamos inconsoláveis ao saber nesta manhã da morte do nosso querido amigo, o senador Ted Kennedy. Um importante capítulo da nossa história chega ao fim. O nosso país perde um grande líder. Ele ergueu a tocha de seus irmãos mortos e tornou-se no maior senador dos Estados Unidos da nossa época”.

9. Agora, quando escrevo estas linhas, recuo no tempo…, e revivo a emoção que senti, em 1963, quando soube do assassinato de J. F. Kennedy. Recordo também com enorme emoção o ano de 1968, quando Robert Kennedy também foi assassinado, no momento em que festejava a vitória acabada de alcançar, minutos antes, nas Primárias da Califórnia, e que lhe ia abrir o caminho para a Casa Branca.

10. Há muito que não tenho dúvidas: Os irmãos Kennedy formaram uma verdadeira geração de ouro.

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