terça-feira, 17 de novembro de 2009

POSTAL DA COREIA DO SUL (II)

1. Aqui está o meu segundo “Postal da Coreia do Sul”. Poderá ser o último, pois já estou quase de volta. No regresso, decidirei, então, se ainda vale a pena continuar a enviar-vos “Postais da Coreia”, ou se é melhor tratar de um outro tema, talvez mais interessante, quiçá mais atractivo. A decisão final competirá a vocês que me ouvem (e lêem) com bastante indulgência. Prometo-vos que saberei interpretar a vossa vontade.

2. Na realidade – e para ser sincero – esta curta estadia na Coreia do Sul foi tão rica que até me passou pela cabeça voltar a Seul, para continuar a perceber como foi possível, em tão pouco tempo, terem reconstruído um país de mais 40 milhões de habitantes, um país que sofrera uma guerra destruidora. Como sabem, a chamada Guerra da Coreia, que inspirou livros e filmes da minha juventude, provocou a separação da Península da Coreia em duas partes: a Coreia do Sul, democrática, de economia de mercado e liberal; a Coreia do Norte, de regime totalitário de cariz comunista, economia planificada e dirigida centralmente. Uma é uma democracia que funciona; a outra, é uma ditadura feita república monárquica, onde os filhos substituem os pais, apenas porque são filhos desses pais…

3. Olhando para o passado, dou razão a quem me disse, ainda há dias, o seguinte: “A Inglaterra iniciou a sua Revolução Industrial há 200 anos. Hoje é um país desenvolvido, como todos sabemos e reconhecemos. A Coreia do Sul precisou apenas de 3 décadas para se reconstruir e, sobretudo, para vencer um secular subdesenvolvimento”. É, realmente, um feito espectacular, tendo como referencial os maus momentos por que também passou, até consolidar a sua democracia.

4. Visito, pois, a 12ª economia do mundo. É isso mesmo o que eu disse: Num mundo com cerca de 200 países, a Coreia do Sul tem a 12ª economia mais forte, em termos globais, além de possuir um dos PIBs per capita mais robustos das chamadas economias emergentes – uns invejáveis 20.000 dólares norte-americanos. Quer dizer que, se houvesse um G20 –instituído apenas com base no PIB Global (e mesmo até que o fosse com base no PIB per capita) – a Coreia do Sul seria, seguramente, hoje, seu membro de pleno direito. De modo algum seria um convidado de circunstância…

5. Como é meu hábito, não me fiquei pela observação de jardins, palácios, torres, rios e avenidas. Tive também a possibilidade de conversar, de questionar, de dar opinião, socorrendo-me do conhecimento que tenho sobre a história e sobre o momento presente desta parte do mundo, dos países do nordeste da Ásia.

6. O mal de muitos de nós é não darmos atenção à história dos outros povos, nem cuidarmos de acompanhar com a devida atenção o seu desenvolvimento. É isso que, por vezes, dificulta o diálogo e nos impede de entender as transformações que vão acontecendo, e cada vez mais de um modo acelerado. Outro dos nossos males é ficarmo-nos por um conhecimento muito superficial das suas culturas, estreitando o nosso saber ao que se passa nos países ocidentais. Isso coarcta-nos a possibilidade de fazermos uma leitura global e transversal, estreita os nossos horizontes. Um terceiro mal, é vermos os outros países como se fossem apenas um “centro comercial”, um grande “bazar”, um local para fazer compras.

7. Seul é uma cidade impressionante: limpa, moderna, que soube preservar os traços marcantes da sua história. De algum modo, Seul cuida da sua identidade – apesar dos seus 11 milhões de habitantes. Esta Seul moderna, a Seul dos nossos dias, está hoje a ser construída na vertical, não por um mero capricho, ou por um modismo efémero, mas porque tem pouco espaço para se expandir. Foi a própria natureza que lhe traçou os limites.

8. Seul está cercada por montanhas e é rasgada por um largo rio alimentado por pequenos riachos, como a rede de veios que alimenta uma folha larga. Dentro de Seul há numerosos e longos túneis, mas também inúmeras pontes, ligando as margens e facilitando a fluição automóvel. Tem um sistema de Metro muito moderno, competente, extenso e articulado, o que facilita, e de que maneira, o trânsito dos que moram longe dos seus locais de estudo ou de trabalho. É, sim, uma grande metrópole em qualquer parte do mundo, seja no continente europeu, seja no continente americano, seja nas restantes cidades asiáticas modernas e avançadas.

9. Seul é um gigante dinâmico e cheio de vitalidade, com os pés bem assentes na terra. Seul não dá a sensação de se estar a navegar num iate de luxo, deslizando sobre um curso de água caótico e poluído, como sucede nas grandes metrópoles dos países do Terceiro Mundo.

10. Por norma, as grandes cidades do Terceiro Mundo são extensas e asfixiantes. São contraditórias. Nelas, lado a lado, coexiste a miséria mais humilhante e degradante, com a riqueza agressiva, provocante e arrogante. São desordenadas, porque são o fruto de uma qualquer e fortuita circunstância: ou porque o país (através das suas elites) beneficiou, num determinado período, de um rendimento extraordinário; ou porque as burguesias estrangeiras, e fruto dessa circunstância, decidiram transportar para tais cidades pedaços seleccionados dos seus modos de vida. Tomam, então, a forma curiosa de ilhas de modernidade cercadas por grande miséria geral.

11. Isso não é desenvolvimento. Isso é, apenas, uma ficção, uma ilusão de desenvolvimento. Esse é um crescimento ocasional, sem sustentabilidade, porque não está assente num enriquecimento duradouro. De repente, tudo pode ruir – caso as circunstâncias que lhe deram origem se alterem bruscamente… Aconselho a que não tenhamos essas sociedades como as nossas referências. O desenvolvimento pressupõe crescimento, mas um crescimento em todas as dimensões, um crescimento que também incorpore o homem nas suas variáveis.

12. É evidente que um país com generosos recursos naturais poderá ter mais facilidades para se desenvolver. Mas tem também de saber elaborar estratégias políticas coerentes e consistentes. O desenvolvimento não se consegue aos solavancos, com inspirações momentâneas. Temos, por isso, que abrir um profundo debate sobre o que queremos para o futuro e como devemos aplicar os resultados dos recursos que a natureza nos ofereceu. Esse não pode ser o privilégio de alguns que se julgam com mandato indeterminado para decidirem sobre o futuro de todos, do país.

13. Olhando de novo para Seul. Vemo-la cercada por inúmeras montanhas, montanhas que lhe emprestam beleza natural e a sensação de equilíbrio e da natureza estar sempre presente. Se os coreanos tivessem arrasado as montanhas para ampliar o raio da cidade, teriam, seguramente, provocado uma subida da temperatura, com as consequências que se adivinham.

14. O homem moderno coreano soube criar edificações para seu uso, mas sem agredir a natureza. Percorrendo as suas múltiplas auto-estradas, vemos como se pode fazer um bom aproveitamento dos vales para a produção agrícola. Estão lá as montanhas, imponentes, florestadas, produzindo oxigénio que insufla vida.

15. Agora é o Outono, e o Outono é lindo: a folhagem está a mudar de cor, as folhas estão a cair. As árvores ainda exibem múltiplas tonalidades. Depois, virá o Inverso, rigoroso, com o seu manto branco. Por definição, todas as estações do ano têm a sua originalidade e a sua beleza. Compete ao homem saber retirar o devido proveito de todas elas. Geralmente, a natureza é boa – nós é que a agredimos, e depois sofremos as consequências dessa agressão.

16. Esta é uma sociedade altamente tecnológica. Possui, inclusive, cidades de uma fortíssima densidade tecnológica, onde se concentram os principais cérebros do país nos laboratórios de investigação do mais elevado nível. São estes homens e mulheres que criam novos produtos e novos processos. São eles que transformam o presente e moldam o futuro. São os verdadeiros responsáveis pelo salto para o futuro que foi dado em tão pouco tempo. Isso deveu-se à educação, assunto de que vos falarei no próximo “Postal de Coreia do Sul”. Está percebido e está decidido. Bye, Bye!

1 comentário:

  1. No seu texto apresenta lindamente o modelo sul-coreano. Mas verdade seja dita, em Angola, o cenário é ainda de caos, mas confesso que ao contrário do que se pinta, dentro desse caos, e sem romantismos idílicos, há um povo lutador e empreendedor. Povo esse que se levanta às 4 ou 5 da manhã para ir buscar água, despejar os detritos sanitários, comprar mercadoria, andar de kandongueiro ou ir a pé dos musseques até Luanda, para passar o dia a vender para ganhar uns míseros 500Kz (talvez). O esforço deste povo é comparável ao esforço dispendido para construir Seul, só que enquanto em Seul o esforço é canalizado pelos líderes em prole do todo, aqui o esforço alimenta mal e porcamente uma pessoa. Todos sabemos que muitos a remarem para o mesmo lado é melhor que muitos a remarem sem rumo...o barco, mesmo com o apoio divino, dificilmente chegará a bom porto.

    Claro, que a população que temos é maioritariamente analfabeta mas, talvez pelas vicissitudes da guerra se tenha tornado em altamente sedenta de saber, desenrascada e empreendedora. São trunfos a utilizar...e que podem muito bem ser valorizados no sentido de se criar um modelo que vá de encontro às capacidades por nós adquiridas. Não temos necessariamente que assimilar o modelo de sul-coreano mas sim, de seguir a sua capacidade criativa de colocar em primeiro a sua nação e o sonho de construírem um país digno dos seus 3 POSTAIS.

    Para isso, é preciso que o desenvolvimento angolano cresça fundamentado na EDUCAÇÂO Histórico-cultural. Só com raízes nutridas podemos ter árvores e frutos dignos de postais!

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