quinta-feira, 13 de maio de 2010

O EFEITO DOMINÓ

1. Na semana passada, escrevi sobre o que se passa actualmente na Europa. Mais concretamente, escrevi um texto sobre o momento difícil que a Grécia está a atravessar.

2. Algumas das pessoas que seguem os meus comentários e, sobretudo, os que ouvem (ou lêem) as minhas crónicas semanais, pediram-me que aprofundasse um pouco mais essa abordagem, pois a informação de que dispõem não é bastante para o mais prefeito entendimento. Satisfaço, pois, aqui, o seu pedido, movido não só pela intenção de os ajudar mas, também, de ajudar aqueles que, mesmo não se tendo manifestado, anseiam, ainda assim, por mais informação.

3. Disse na semana passada, e repito agora: de modo algum está posta de parte a ideia de a crise grega vir a provocar o chamado “efeito dominó”. Ou seja, o que sucede na Grécia pode vir a produzir um “efeito em cascata”, levando ao colapso, ou ao quase colapso, outras economias entrelaçadas. As que me parecem mais próximas deste resultado são, claramente, a espanhola e a portuguesa, pelas suas fortes conexões. Se a Espanha tombar, pela certa Portugal também tombará. Vamos, então, por partes.

4. Na última década, o anterior governo grego realizou gastos muito para além das suas reais possibilidades. Em consequência, criou uma dívida pública enorme que se situa já nos 300 mil milhões de euros, ou seja, perto dos 400 mil milhões de usd. Pedindo empréstimos sobre empréstimos, a economia grega tornou-se refém do seu próprio endividamento crescente.

5. Com dívida tão elevada, o país perdeu credibilidade, e os investidores passaram a ter grande relutância em emprestar mais dinheiro. E quando o fizeram, passaram a exigir, como contrapartida, juros cada vez mais altos. O país entrou, assim, no círculo vicioso de endividamento: endividar-se para pagar a dívida.

6. Seguramente, com o intuito de captar a simpatia da classe média – em especial dos funcionários públicos – o governo grego foi subindo os salários, duplicando-os, e o aumento da despesa pública não se fez acompanhar pelo aumento da receita. Antes pelo contrário, a receita não cresceu, porque se acentuou a evasão fiscal, ou seja, a fuga ao pagamento dos impostos.

7. Não se trata, portanto, apenas, de um problema da dívida pública. Ele tem também a ver com o défice fiscal e, igualmente, com a dívida privada (a dívida das empresas e dos bancos).

8. A dívida total da Grécia (a dívida publica mais a dívida privada) corresponde a 195% do seu PIB. Comparativamente aos restantes países “problemáticos” da Europa, ela nem é a mais elevada. Países como a Espanha (com 342% do PIB), e Portugal (com 236% do PIB), estão numa situação mais complicada, pelo menos no que diz respeito a este indicador. Além disso, são economias para quem se perspectiva um crescimento negativo, ou quase negativo, neste ano. A ser assim, complicar-se-á ainda mais a relação dívida/PIB, e terão cada vez mais dificuldades para honrar os seus compromissos.

9. O défice fiscal grego – se quisermos, o défice orçamental – atingiu altíssimos valores, situando-se num patamar mais de quatro vezes superior ao valor estabelecido para os países da Eurolândia, designação por que é conhecida a Zona Euro da União Europeia. Em 2009, o défice fiscal grego estava nos 13,6% do Produto Interno Bruto, e as regras europeias só admitem um défice até 3%.

10. São esses dados negativos que fizeram a classificação do risco-país da Grécia baixar para níveis preocupantes. Hoje, são sobretudo as componentes política e de mercado do sistema de avaliação do risco-país que lançaram a nação helénica no descrédito internacional. Por isso, têm sido unânimes as avaliações efectuadas pela Ficht Ratings, a Moody’s, e pela Standard & Poor’s, afinal, as três mais conhecidas agências de classificação de risco.

11. O actual governo grego está entalado “numa camisa de sete varas” – como se costuma dizer em linguagem mais popular. Para fazer face ao pesado serviço da dívida, o governo ainda se endivida mais. Procura, agora, o socorro de empréstimos concedidos pela União Europeia e pelo Fundo Monetário Internacional, empréstimos que são condicionados. Ou seja, receberá os fundos solicitados, desde que se comprometa a cortar na despesa pública, sobretudo no capítulo dos salários e pensões. Mas deverá, igualmente, reduzir os investimentos públicos e aumentar o número de anos para se passar à reforma, para reduzir a factura com as pensões.

12. O compromisso assumido pela Grécia com a União Europeia e o FMI impõe ainda a subida dos impostos e dos preços, uma matéria que é muito sensível para a generalidade dos consumidores. É isso que motiva a saída à rua de milhares e milhares de pessoas. São crescentes as contestações à cedência do governo ao pacote de medidas de austeridade. Sindicatos, organizações cívicas e partidos políticos estão por detrás desta onda contestatária.

13. Se é verdade que a situação actual da Grécia é, em parte, devida à política despesista e laxista do anterior governo, não deixa também de ser verdade que nesse, e noutros países europeus, se vive ainda o reflexo duradouro da crise económica e financeira desencadeada em inícios de 2008 e que se propagou um pouco por todo o mundo. Todos eles ainda pagam facturas atrasadas da crise que começou nos Estados Unidos da América com a problemática do “suprime”, a crise do sector imobiliário, quando os governos tiveram que socorrer os seus sectores financeiros mais em risco, aumentado, assim, os défices fiscais.

14. As economias com menos capacidade de regeneração não foram capazes de crescer, como seria desejável. Daí as actuais proporções muito elevadas de desemprego e uma dívida pública (e, já agora, também a privada) incomportável. São os casos de Espanha, Portugal, Irlanda e Itália. Mas, ainda poderão vir outros, mesmo até mais insuspeitos.

15. Para acertarem mais rapidamente as suas contas públicas, esses países precisam de ter capacidade para manipular mais livremente os seus instrumentos de política monetária e fiscal. E as regras definidas pelo Tratado de Maastricht não lhes dão tal margem de manobra.

16. Está, pois, lançado o repto: mantendo-se na Zona Euro, deverão obedecer às suas regras; saindo da Zona Euro, ganharão liberdade para adoptar as medidas de política monetária e fiscal que quiserem. Nesta última circunstância, iniciar-se-á, talvez, o percurso de um “funeral” – de um “funeral” que foi antes previsto por alguns. Morrerá, então, a moeda única, ela que deu maior substância ao projecto de uma Europa mais forte e mais unida. Ou então, a Europa do Euro ficará restringida à Europa dos Ricos – que, julgue eu, não será o grande sonho europeu…

17. Estou em crer que alguns economistas darão hoje razão à Grã-Bretanha, quando relutou em aderir ao Euro.

18. O défice fiscal britânico ronda os 13% do PIB – é, pois, muito elevado, tal como os países em risco. Só que o seu futuro governo terá mais liberdade para fazer opções, para tentar sair desse sufoco fiscal. Será já caso para se dizer, que “quem ri por último, é que ri melhor?

19. Outra dimensão do problema prende-se com a enorme exposição do sistema bancário mundial às dívidas dos países mais fragilizados, dívidas que podem vir a “contaminar”, de novo, a economia mundial.

20. Estaremos, hoje, então, perante a eminência de uma nova crise? Pode ser que sim. A ser assim, ela terá a particularidade de se estar a desenvolver a partir de um pequeno país como a Grécia, e não de um grande país como os EUA – os culpados pela última crise que, afinal, ainda não se dissipou totalmente.

1 comentário:

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