quarta-feira, 22 de setembro de 2010

IMPOSSÍVEL TAPAR O SOL COM A PENEIRA

1. A frase bombástica que um jornalista norte-americano atribuiu a Fidel Castro, sobre o dito “falhanço do modelo económico cubano”, foi agora rejeitada pelo ex-líder cubano. Fidel diz ter querido dizer exactamente o contrário.

2. Para mim, o contrário a falência só pode significar êxito. Então, o que Fidel Castro terá querido dizer é que o modelo económico cubano foi um enorme êxito? A ser verdade, então, o modelo económico cubano terá ainda suficiente poder atractivo para, eventualmente, ser copiado por outros países, mesmo que com alguns ajustamentos à situação concreta de cada um...

3. Eu fico, pois, agora, com dúvidas sobre como interpretar o desmentido de Fidel Castro. Talvez escrevendo este texto eu consiga percebê-lo melhor.

4. Por exemplo, hoje, Cuba ainda importa cerca de 80% dos bens alimentares que consome – mesmo tendo 65% da sua população a viver no campo. Mas, é verdade também que exporta muito poucos produtos – que eu saiba, praticamente, tabaco e rum; e pouco mais.

5. O Estado cubano controla a maior parte da economia. Diz-se ainda que é responsável por cerca de 80% da realização do seu Produto Interno Bruto. As actividades privadas (que são, sobretudo, propriedade de estrangeiros) participarão com os restantes 20%. Num passado muito próximo (e, talvez, agora mesmo), pequenas actividades económicas como carpintaria, sapataria, canalização, lojas de venda de gelados, estavam sob a alçada do Estado.

6. Com a queda da União Soviética, em 1990, Cuba perdeu os volumosos subsídios que recebia do gigante do Leste Europeu – contabilizam-se em cerca de 5 mil milhões de usd anuais – um fluxo financeiro que permitia ao povo cubano manter um padrão de vida razoável. Depois, a economia entrou em colapso e o povo passou a conhecer momentos de grande dramaticidade, com muita gente a buscar refúgio e melhores oportunidades de vida noutras paragens, sobretudo nos EUA, o vizinho mais próximo, aquele país que exerce grande fascínio sobre todos quantos se sentem desesperados no país caribenho.

7. Foram necessários perto de 15 anos para Cuba iniciar um processo de recuperação económica, processo esse que foi abalado por uma sucessão de desastres naturais e pela persistência do embargo comercial norte-americano contra a Ilha, que vigora desde 1962.

8. O embargo comercial imposto pelos EUA teve (e tem ainda) profundas implicações no comércio de Cuba com o exterior, limitando-o, quer nas exportações, quer nas importações. Mesmo assim, há hoje um crescimento dos investimentos provenientes de países da União Europeia, sobretudo os virados para o turismo, e também para outros domínios, como a produção de energia e as telecomunicações.

9. O turismo de massa transformou-se num dos sectores mais dinâmicos da economia cubana, sendo já a sua principal fonte de arrecadação de divisas e um grande gerador de novos empregos, muito deles ocupados por pessoal com qualificação superior.

10. Os investimentos realizados no sector energético permitiram aliviar a gritante carência que se fazia sentir, com restrições e cortes constantes de energia. Permitiram, também, a exploração de novas e modernas fontes de energia, como a eólica e a solar, e até mesmo a energia proveniente da transformação da cana-de-açúcar em etanol. Alivia-se, assim, a emissão de gases poluentes, resultantes da acentuada utilização de gás e de diesel para a produção de energia.

11. Contudo, é referenciada como bastante positiva a área da educação, onde o governo cubano investiu imenso, desde a Revolução, uma educação que se mantém gratuita em todos os níveis de ensino e gratuita e obrigatória até ao 9º ano de escolaridade. Isso criou um escol de quadros reconhecidos em várias partes do mundo, num país que antes da Revolução tinha quase metade da sua população na condição de analfabeta.

12. Cuba está também na dianteira, relativamente aos seus vizinhos latino-americanos, no que diz respeito à saúde. Possui muito baixa taxa de mortalidade infantil e uma expectativa de vida de 75 anos para os homens e de 79 anos para as mulheres. Neste domínio, está mesmo ao nível dos países desenvolvidos. Ao longo dos anos, desenvolveu intensas campanhas para o combate a um conjunto de doenças que, noutras paragens, são endémicas, reduzindo para zero, ou para quase zero a sua incidência.

13. Terão sido tais políticas sociais que permitiram que Cuba, em termos do Índice de Desenvolvimento Humano, seja cotado como um claro caso de sucesso.

14. A grande debilidade de Cuba é, sem dúvidas, a economia. Para além, claro, do regime político, um regime político que nega as mais elementares liberdades democráticas.

15. Do ponto de vista económico não há como esconder a falência do modelo. De tal modo que é o próprio Presidente Raul Castro a protagonizar alterações, hoje vistas como significativas. O que mais chamou a atenção foi o anúncio de um corte, até Março de 2011, em 500 mil postos de trabalho ao nível do Estado, com a possibilidade de crescer até 1 milhão, nos próximos 5 anos. Esta medida põe claramente em causa o modelo económico cubano, baseado na propriedade e na actividade estatal.

16. Ao tomar tal medida, o governo alimenta a expectativa de os desempregados se encaminharem para o sector privado ou para o sector cooperativo da economia.

17. A reorganização económica do Estado cubano irá, seguramente, encontrar muitos obstáculos, a começar pela ausência de poupança por parte das famílias. Sem poupança não poderão fazer investimentos, mesmo que se lhes dê acesso à terra ou se liberalizem algumas actividades económicas, antes do domínio total do Estado.

18. Para crescer, a economia cubana terá que receber muito dinheiro e ele só poderá vir do Estado, dos cubanos emigrados no estrangeiro, ou de investidores estrangeiros. O Estado tem limites e irá, seguramente, deixar para o sector privado algumas áreas económicas. Será, pois, o sector privado a funcionar como o motor da criação de novos postos de trabalho.

19. Mesmo que haja naquela Ilha muita gente qualificada, em alguns domínios a economia de mercado que começará a ser implantada exigirá um tipo de formação técnica diferente daquela que foi ministrada até agora. Terá, sim, de haver, por exemplo, uma reciclagem dos quadros de gestão e economia. E os métodos de trabalho irão, também, por certo, ser alterados.

20. Uma coisa é ter sido formado para servir o aparelho de Estado (com a sua própria lógica de funcionamento, num modelo de sociedade pouco dinâmica e ultrapassada), outra coisa é ser servidor de agentes económicos privados que baseiam a sua actuação no princípio do lucro, num quadro de grande competitividade, interna e internacional.

21. O arranjo político – que é inevitável, mesmo que demore – fica para uma abordagem posterior.

22. Mesmo que Fidel Castro negue, agora, o que lhe foi atribuído, na realidade, a vez das grandes mudanças em Cuba está cada vez mais próxima.

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