1. Sempre que tomo conhecimento de uma notícia sobre um erro judiciário capaz de ter custado a via a alguém, eu pronuncio-me. Faço-o com o objectivo de ajudar a que possamos reflectir um pouco mais, não só sobre os erros judiciários mas, sobretudo, sobre as suas eventuais e até trágicas consequências. Desta vez, impele-me o facto de, novamente nos Estados Unidos, alguém ter passado 30 anos na cadeia pagando, duramente, por um crime que não cometeu.
2. Em 1980, o negro Cornelius Dupree Jr., hoje com 51 anos de idade, foi formalmente acusado e condenado a 75 anos de prisão por roubo, violação e homicídio de uma jovem mulher branca, então com 26 anos de idade. Tudo se passou no condado de Dallas, no Estado do Texas.
3. Pelo mesmo crime sobre a mesma vítima foi também condenado Massingill Anthony, um indivíduo igualmente negro. Porém, os testes de ADN recentemente realizados provaram que, quer Cornelius Dupree Jr., quer Massingill Anthony não foram os autores dos crimes de que foram acusados e por que foram sentenciados. Cornelius Dupree Jr. saiu agora em liberdade mas, Massingill Anthony permanece na cadeia, pois está a cumprir uma pena de prisão perpétua, por um outro crime de que diz também ser inocente.
4. Mas, antes de prosseguirmos, vale a pena explicar o porquê de eu ter identificado os condenados e a vítima pela raça. É que, mesmo que os erros judiciários ocorram em todo o mundo e em todas as épocas, nos Estados Unidos, porém, tais erros judiciários, com consequências trágicas, na maior parte das vezes, envolvem pessoas com tais características. Isso deve-se, seguramente, ao passado segregacionista daquela sociedade, um passado que deixou marcas profundas e produziu assinaláveis traumas.
5. A prova de que erros judiciários similares não ocorrem somente no sistema judiciário norte-americano é que, em 2009, foi dado igualmente por inocente, após ter passado 27 anos na cadeia, o cidadão britânico Sean Hodgson, acusado de violação e morte, em 1979, de uma jovem de 22 anos. Em 1982, fora condenado a prisão perpétua.
6. Quando os dois crimes aconteceram (separados por um ano), ainda não se faziam os testes de ADN. Produziam-se, sim, testes ao sangue que quase que se limitavam à verificação do grupo sanguíneo do suspeito. Este é um resultado tremendamente ineficaz, pois contam-se por milhões em cada país os indivíduos pertencentes ao mesmo grupo sanguíneo.
7. Existem agora outras técnicas forenses mais avançadas, entre as quais o exame ao ADN, que garantem uma maior eficácia e certeza. Isso levanta o problema da necessidade crescente de se recolherem e preservarem todos os elementos de prova disseminados no local dos crimes.
8. No passado, algumas das sentenças mais questionadas tiveram como fundamento condenatório resultados de exames ao grupo sanguíneo e as confissões dos próprios acusados. Porém, uma avaliação feita pela organização de advogados “Innocence Project”, que aposta na defesa desses casos polémicos, mostrou que cerca de 25% das pessoas que foram ilibadas com base nos resultados das modernas técnicas forenses, de início, tinham admitido ser culpadas. Provou, também, que 75% das condenações provadas pelos testes de ADN foram indevidamente reconhecidas por uma testemunha ocular. Quer isso dizer que a admissão da culpa, ou o simples testemunho não podem ser considerados provas bastantes para uma condenação. Necessita-se, sim, de fundamentos técnicos mais seguros, menos falíveis.
9. Uma outra técnica que se vai mostrando inadequada é o reconhecimento do autor do crime feito pela própria vítima. Nestes casos socorre-se, por norma, do espelho unidireccional ou de uma série de fotografias.
10. Brandon Garrett, Professor de Direito da Universidade de Virgínia, diz que alguns erros de identificação decorrem de falhas de memória por parte da vítima, aliadas a alguma sugestão do agente que a acompanha. O que não significa, porém, que o agente que acompanha a vítima tenha deliberadamente a intenção de a conduzir para um determinado resultado. O erro de identificação pode ser também, seguramente, uma consequência do estado psicológico em que a vítima se encontra. Ele pode ser bastante susceptível e estar até demasiado fragilizada.
11. Por sorte, os dois casos de erros judiciais que sinalizei não impuseram qualquer condenação à morte. Contudo, eles podem remeter-nos para o questionamento deste tipo de condenação.
12. Pelo menos em alguns países, a evidência empírica já demonstrou a relativa ineficácia da pena de morte para estancar a criminalidade.
13. Os Estados Unidos são um exemplo paradigmático onde vigora a pena de morte na maioria dos seus estados e, todavia, os níveis de criminalidade são ainda demasiado elevados. Ao contrário do Reino Unido, em que se aboliu a pena de morte e apresenta níveis de criminalidade relativamente baixos. Foi com base nesse facto que, em 1989, as autoridades britânicas recusaram o retorno à pena de morte, como era sugerido por alguns sectores da opinião pública.
14. Mas há também quem conteste a pena de morte apenas com base em argumentos de ordem moral: encarada a vida como o bem maior que a humanidade possui, ninguém terá o direito de a eliminar, nem mesmo o Estado.
15. Outros argumentam contra a pena de morte a partir de considerações de ordem religiosa: sendo a vida dada pelo Criador, ninguém a pode retirar porque, retirando-a, está esse alguém a atentar contra o próprio Criador.
16. Albert Camus, escritor e filósofo francês, nascido na Argélia (já falecido) designou, inclusive, a pena de morte como um “assassínio premeditado”, na medida em que é o próprio Estado quem programa o assassinato, marcando o dia e a hora da execução. O Estado contrata quem vai aplicar a sentença, transportando a vítima para o local onde será executada. O Estado ainda publicita o acto e convida gente para assistir. Chega mesmo a transmitir as imagens pela televisão. Foi o que se viu com a execução de Saddam Hussein, no dia 30 de Dezembro de 2006.
17. O recente facto que comecei por narrar, o de Cornelius Dupree Jr., assim como o de Sean Hodgson, devem fazer-nos pensar seriamente sobre a solução radical que é a pena de morte.
18. Para alguns, a pena de morte pode parecer eficaz para a resolução da questão da criminalidade. Mas, pelo menos em determinados países, a experiência empírica não tem demonstrado a sua eficácia.
19. A pena de morte colide com determinados princípios morais e éticos. Ela põe mesmo em causa os deveres do Estado, como manifestou Albert Camus.
2. Em 1980, o negro Cornelius Dupree Jr., hoje com 51 anos de idade, foi formalmente acusado e condenado a 75 anos de prisão por roubo, violação e homicídio de uma jovem mulher branca, então com 26 anos de idade. Tudo se passou no condado de Dallas, no Estado do Texas.
3. Pelo mesmo crime sobre a mesma vítima foi também condenado Massingill Anthony, um indivíduo igualmente negro. Porém, os testes de ADN recentemente realizados provaram que, quer Cornelius Dupree Jr., quer Massingill Anthony não foram os autores dos crimes de que foram acusados e por que foram sentenciados. Cornelius Dupree Jr. saiu agora em liberdade mas, Massingill Anthony permanece na cadeia, pois está a cumprir uma pena de prisão perpétua, por um outro crime de que diz também ser inocente.
4. Mas, antes de prosseguirmos, vale a pena explicar o porquê de eu ter identificado os condenados e a vítima pela raça. É que, mesmo que os erros judiciários ocorram em todo o mundo e em todas as épocas, nos Estados Unidos, porém, tais erros judiciários, com consequências trágicas, na maior parte das vezes, envolvem pessoas com tais características. Isso deve-se, seguramente, ao passado segregacionista daquela sociedade, um passado que deixou marcas profundas e produziu assinaláveis traumas.
5. A prova de que erros judiciários similares não ocorrem somente no sistema judiciário norte-americano é que, em 2009, foi dado igualmente por inocente, após ter passado 27 anos na cadeia, o cidadão britânico Sean Hodgson, acusado de violação e morte, em 1979, de uma jovem de 22 anos. Em 1982, fora condenado a prisão perpétua.
6. Quando os dois crimes aconteceram (separados por um ano), ainda não se faziam os testes de ADN. Produziam-se, sim, testes ao sangue que quase que se limitavam à verificação do grupo sanguíneo do suspeito. Este é um resultado tremendamente ineficaz, pois contam-se por milhões em cada país os indivíduos pertencentes ao mesmo grupo sanguíneo.
7. Existem agora outras técnicas forenses mais avançadas, entre as quais o exame ao ADN, que garantem uma maior eficácia e certeza. Isso levanta o problema da necessidade crescente de se recolherem e preservarem todos os elementos de prova disseminados no local dos crimes.
8. No passado, algumas das sentenças mais questionadas tiveram como fundamento condenatório resultados de exames ao grupo sanguíneo e as confissões dos próprios acusados. Porém, uma avaliação feita pela organização de advogados “Innocence Project”, que aposta na defesa desses casos polémicos, mostrou que cerca de 25% das pessoas que foram ilibadas com base nos resultados das modernas técnicas forenses, de início, tinham admitido ser culpadas. Provou, também, que 75% das condenações provadas pelos testes de ADN foram indevidamente reconhecidas por uma testemunha ocular. Quer isso dizer que a admissão da culpa, ou o simples testemunho não podem ser considerados provas bastantes para uma condenação. Necessita-se, sim, de fundamentos técnicos mais seguros, menos falíveis.
9. Uma outra técnica que se vai mostrando inadequada é o reconhecimento do autor do crime feito pela própria vítima. Nestes casos socorre-se, por norma, do espelho unidireccional ou de uma série de fotografias.
10. Brandon Garrett, Professor de Direito da Universidade de Virgínia, diz que alguns erros de identificação decorrem de falhas de memória por parte da vítima, aliadas a alguma sugestão do agente que a acompanha. O que não significa, porém, que o agente que acompanha a vítima tenha deliberadamente a intenção de a conduzir para um determinado resultado. O erro de identificação pode ser também, seguramente, uma consequência do estado psicológico em que a vítima se encontra. Ele pode ser bastante susceptível e estar até demasiado fragilizada.
11. Por sorte, os dois casos de erros judiciais que sinalizei não impuseram qualquer condenação à morte. Contudo, eles podem remeter-nos para o questionamento deste tipo de condenação.
12. Pelo menos em alguns países, a evidência empírica já demonstrou a relativa ineficácia da pena de morte para estancar a criminalidade.
13. Os Estados Unidos são um exemplo paradigmático onde vigora a pena de morte na maioria dos seus estados e, todavia, os níveis de criminalidade são ainda demasiado elevados. Ao contrário do Reino Unido, em que se aboliu a pena de morte e apresenta níveis de criminalidade relativamente baixos. Foi com base nesse facto que, em 1989, as autoridades britânicas recusaram o retorno à pena de morte, como era sugerido por alguns sectores da opinião pública.
14. Mas há também quem conteste a pena de morte apenas com base em argumentos de ordem moral: encarada a vida como o bem maior que a humanidade possui, ninguém terá o direito de a eliminar, nem mesmo o Estado.
15. Outros argumentam contra a pena de morte a partir de considerações de ordem religiosa: sendo a vida dada pelo Criador, ninguém a pode retirar porque, retirando-a, está esse alguém a atentar contra o próprio Criador.
16. Albert Camus, escritor e filósofo francês, nascido na Argélia (já falecido) designou, inclusive, a pena de morte como um “assassínio premeditado”, na medida em que é o próprio Estado quem programa o assassinato, marcando o dia e a hora da execução. O Estado contrata quem vai aplicar a sentença, transportando a vítima para o local onde será executada. O Estado ainda publicita o acto e convida gente para assistir. Chega mesmo a transmitir as imagens pela televisão. Foi o que se viu com a execução de Saddam Hussein, no dia 30 de Dezembro de 2006.
17. O recente facto que comecei por narrar, o de Cornelius Dupree Jr., assim como o de Sean Hodgson, devem fazer-nos pensar seriamente sobre a solução radical que é a pena de morte.
18. Para alguns, a pena de morte pode parecer eficaz para a resolução da questão da criminalidade. Mas, pelo menos em determinados países, a experiência empírica não tem demonstrado a sua eficácia.
19. A pena de morte colide com determinados princípios morais e éticos. Ela põe mesmo em causa os deveres do Estado, como manifestou Albert Camus.
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