- O presidente do MPLA discursou perante o seu Comité Central, na reunião preparatória do próximo Congresso e fez declarações que não podem ser deixadas sem resposta, pelas repercussões que tiveram sobre a nossa sociedade. Neste texto, vou debruçar-me somente sobre algumas questões, sobretudo as que têm um carácter mais político. Para uma melhor compreensão, e sempre que possível, socorrer-me-ei da apresentação das suas palavras e, depois, passarei a comentá-las.
- Sobre os primórdios da constituição dos novos Estados em África, José Eduardo dos Santos assinalou o facto de, em vários países, os processos revolucionários terem culminado com “a organização de Estados ou sistemas políticos de partido único, em que a base do sistema económico era o capitalismo de Estado erigido na base de um conjunto de empresas do Estado”. E prosseguiu: “Nalguns casos, como foi o nosso, o processo revolucionário teve carácter de classe e levou à tentativa de configuração de uma ditadura democrático-revolucionária, com um sistema de governo socialista baseado no plano económico único e na direcção centralizada da economia”. De seguida, reconheceu que qualquer um dos modelos falhou, pois “não foram capazes proporcionar o exercício das liberdades e garantias fundamentais e o advento da prosperidade económica e social”.
- É bom que, finalmente, JES tenha reconhecido que, durante quase duas dezenas de anos, dirigiu uma “ditadura”, embora a tenha ornamentado com a expressão “democrático-revolucionária”. Na realidade, o regime que JES herdou de Agostinho Neto, e que depois dirigiu entusiasticamente, foi somente uma ditadura, pois suprimiu todas as vozes políticas dissonantes e não deixou sequer espaço para a organização da sociedade civil. As únicas organizações aceites eram aquilo a que, pomposamente, chamavam de “as correias de transmissão do partido”, diga-se, do MPLA.
- É bom, também, que JES tenha reconhecido o falhanço do seu e do outro modelo que refere, e, sobretudo, que tenha dito agora, publicamente, que eles aprisionaram “o exercício das liberdades e garantias fundamentais”. Em consequência, tornaram-se num obstáculo ao desenvolvimento económico e social. Assim, e apenas por este facto, está pois declarado que a causa do nosso actual subdesenvolvimento tem que ser partilhada pelo passado colonial, pela guerra civil e pelas opções políticas erradas daqueles que nos governaram. Logo, por JES que nos governa já lá vão 32 anos.
- Faz também alusão a uma suposta “revolução pela democracia representativa e a economia de mercado em quase todo o continente africano”. Intriga-me esta constatação quando é sabido que, no caso de Angola, a passagem à democracia representativa foi sempre apresentada como tendo sido uma verdadeira “doação” do MPLA e não como o fruto da conjugação de esforços de forças opositoras com a pressão da sociedade civil emergente. Nunca me pareceu que o MPLA tenha conduzido uma qualquer “revolução”, dado que os protagonistas do partido único e da ditadura foram, afinal, os mesmos que, depois, vestiram as vestes “democráticas”.
- De um dia para o outro, os arautos do partido único alteraram o seu discurso teórico. De um dia para o outro, os mesmos de antes passaram a defender o que antes condenavam com enorme veemência (e até reprimiam com acentuada violência) e, de seguida, iniciaram uma frenética cavalgada para se colocarem na vanguarda do capitalismo que diziam odiar… Mas, infelizmente, já tinham provocado o descalabro da nossa economia e desarticulado o alicerces da nossa sociedade…
- JES fala ainda numa “alternância democrática” promovida nos novos regimes instalados em África. É suposto que não estaria a falar em Angola. É suposto que não estaria a referir-se a países onde os presidentes e os seus partidos políticos ganham eleições com mais de 80% dos votos e se eternizam no poder por dezenas de anos. Isso não é típico das democracias, mas, sim, do modelo soviético de triste memória…
- Para haver alternância democrática tem que haver uma verdadeira democracia e não as mascaradas democráticas que se foram consolidando nos últimos anos. Por norma, em África, as forças políticas no poder procuram, sim, manter uma aparência democrática, torpedeando todas as regras de jogo que permitem que haja alternância democrática. São poucos os países africanos em que a regra não seja essa. De tal modo que a nossa organização continental, a União Africana, já se transformou num espaço em que, há dezenas de anos, se reúnem amigos de velha data…
- É verdade, como diz JES, “Hoje há uma certa confusão em África”. Mas, já não é verdade que haja quem queira “trazer essa confusão para Angola”.
- Talvez ele não tenha percebido, mas eu esclareço: A confusão que existe em África não está a pôr em causa regimes democráticos nem presidentes genuinamente democratas. A confusão que se instalou em alguns países africanos resulta, sim, do facto de haver quem pense que o poder lhe foi outorgado como se fosse um dote pessoal e transmissível para os seus descendentes, ou para quem lhes interesse. É assim em África, é assim também no Médio Oriente. Se ainda subsistirem dúvidas, procuremos então no mapa o país democrático que esteja, neste momento, a ser objecto de uma revolução democrática. São as ditaduras que estão ser questionadas e, por isso, quem por elas nutrir simpatias é porque a carapuça lhe serviu…
- Dizer que os lutadores pela democracia nesses países são “os oportunistas, os intriguistas e os demagogos” e que, afinal, eles “querem enganar aqueles que não têm o conhecimento da verdade” não é justo. E torna-se espantoso vindo da boca de quem se apresenta como dirigente de um país democrático. O correcto seria ouvirmos da boca de JES manifestações de solidariedade para com os democratas desses países e, porque não, também, para com os do seu próprio país.
- Pelo que percebi, JES mostrou alguma incomodidade perante a expansão das redes sociais e pelas manifestações públicas que não sejam de louvor e/ou bajulação. Na realidade, as chamadas redes sociais são um fenómeno da nossa época e que tanto podem ser usadas para o bem como para a prática de actos inconvenientes. Porém, é um erro transformá-las no inimigo a abater. O que temos de abater é o silêncio imposto pelo medo e pela chamada “lei da rolha”. O que temos de abater é o desrespeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos, entre os quais está, claramente, o direito à informação e à manifestação.
- O direito à manifestação está consagrado na Constituição da República e a lei ordinária que lhe é dedicada não obriga a sua autorização. Não pode, por isso, o presidente do MPLA transformar-se no porta-voz dos poucos angolanos que julgam que a manifestação de sinal contrário deve ser reprimida.
- Agora já entendo porquê que os Governadores Provinciais abusam do direito de impedir toda a manifestação que não tenha como objectivo louvar e/ou bajular.
sexta-feira, 29 de abril de 2011
OS EQUÍVOCOS DO PRESIDENTE DO MPLA
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Professor e Politico Justino Pinto de Andrade, a muito venho seguindo as suas intervenções no que se refere a politica de gestão do nosso pais ( Angola), concordo plenamente com muitas das suas posições e o considero um grande activista daquilo que eu chamo pessoas com carácter e dignidade em Angola. Esta mais do que provado que o Prof. 'e um grande exemplo. Confesso que sou um grande admirador do professor , mais ao mesmo tempo também gostaria de fazer um reparo no que se refere aos textos publicados com a assinatura do professor nos vários jornais e pela internet pelo impacto que eles poderiam ter,se fossem editadas numa forma mais popular, e claro que eu sou um caloiro no que se refere a escrever para grandes públicos mais pela minha experiência de vida , isso em varias províncias de angola e estudante formado por uma Universidade local, tenho noção do nível de literacia da nossa sociadade civil , muito analfabetismo e por outro lado os analfabetos letrados ( estes sao os piores, sabem ler as palavras mais nao saber perceber o que elas tentam passar). Pelo que aconselho o professor a fazer textos mais simples ,com uma linguagem mais popular , pois quem pode dar mair votos para o parlamento sao as massas , nao quer dizer que nao se percebe, mais o povo do bairro ainda nao tem a cultura de ler tanto e nao tem uma gramatica tao rica
ResponderEliminarTenho dito
melhores Cumprimentos
Muecalha
O génio incompetente
ResponderEliminarQuando era criança eu amava o presidente José Eduardo. Aos oito anos
já era da OPA, mas na altura não percebia nada de política e de como
gerir um país. Já havia fome, mas gostava de ver quando ele ia jogar
basquete no pavilhão da cidadela e dominava a bola no centro do campo
antes de começar uma partida. Gostava daquela carinha laroca de menino
mimado e ingénuo, que lhe fazia parecer puro. Na altura, aquela imagem
e o seu silêncio iludia facilmente a fome que já sentia e me fazia
acreditar que o futuro estava seguro nas suas mãos.
Talvez porque o amava quando era criança, quando me tornei homem e comecei a perceber de política e gestão, tive
dificuldades em ver nele o ditador que a oposição acusava. Continuei a
acreditar que ele era apenas o menino pobre e ingénuo do Sambizanga
que lutou, cresceu e se tornou presidente, e que nos ia tirar da
pobreza que o colono deixou como herança. Mas hoje, quando lhe ouvi
dizer que a culpa da pobreza é do colono, e não do MPLA, para
justificar a situação em que estamos, foi como se a venda que tinha
nos meus olhos finalmente caiu e me permitiu ver pela primeira vez o
Presidente José Eduardo dos Santos, que tanto amava quando era
criança.
Hoje percebi que ingénuo era eu, não ele. Ele era um génio
incompetente. Sim, só um génio incompetente é capaz de, passados mais
de trinta anos a governar, justificar a pobreza do país com a herança
do colonialismo. Só um presidente incompetente é que não percebe que a
democracia e a liberdade de expressão estão além dos jornais e das
associações da sociedade civil politicamente controladas, só um
incompetente é que não percebe que o povo não precisa que alguém venha
do estrangeiro para lhe dizer que aquele burburinho na barriga não é
lombriga mas fome. Só um incompetente insensível não percebe que a
fome se sente como o frio e a dor.
O discurso do Presidente revelou o homem por detrás daquela voz
insegura e permitiu perceber o porquê da crise de gestão e de
liderança do país. O discurso revelou um presidente amarrado ao
passado, completamente falho de ideias para o futuro e,
definitivamente, agarrado ao poder como uma criança à primeira bola.
Esse discurso revelou um Presidente que já não é capaz de compreender
o seu povo, que fala sozinho e apenas para encher o seu ego, que
prefere viver rodeado de mentiras e de mentirosos que o fazem
acreditar que é um ser iluminado, este discurso revelou um presidente
que não tem capacidade para perceber que está na hora de partir para
dar alguma esperança a esse país. O discurso do presidente revelou um
homem que não se envergonha por ver gente morrer a fome, jovens sem
esperança, famílias sem futuro, e prefere racionalizar a pobreza com
discursos demagogos que já nem Fidel aceita proferir.
Depois de tantos anos a governar, José Eduardo dos Santos já não se
devia preocupar com o presente, devia pensar no futuro, num futuro sem
ele por cá, por força da lei da natureza e das rezas que várias
famílias vêm fazendo para que ele vá embora, vivo ou morto. Depois de
tantos anos, em que a paz foi o seu maior feito e nos devia fazer
esquecer a fome que sentimos, José Eduardo dos Santos devia lutar para
deixar um legado que lhe permitisse ser lembrado como um homem de bem.
Mas, como fizeram com a independência, José Eduardo tem sido capaz de
transformar a paz numa coisa má. E, assim como os nossos pais ficaram
com saudades do colonialismo quando viviam independentes, ele faz-nos
ter saudades do tempo da guerra, porque naquele tempo parece que
vivíamos melhor.