quinta-feira, 23 de maio de 2013

AS PISCINAS DO KILAMBA


  1. Imagens recentemente exibidas na Internet mostravam a enorme inundação que a Centralidade do Kilamba sofreu com a chuvada do dia 22 de Março. Foram imagens chocantes para todos quantos as viram, mas penso que terão sido mesmo traumáticas para quem ali investiu parte, ou até a totalidade das suas poupanças, ou para quem se endividou para dar corpo ao sonho de ter uma casa própria.


  1. Eu vi as fotos e os vídeos das autênticas piscinas em que se transformaram os acessos e também as ruas da Centralidade mais famosa de Angola. De imediato, recordei-me de alguns pormenores que tornaram muito mediático aquele local.


  1. Pouco tempo depois do fim da guerra, foi publicamente apresentada a ideia de se edificar em todo o território nacional cerca de 40 “novas cidades”. Inclusive, a Televisão Pública de Angola (TPA) exibiu maquetas de alguns desses projectos. Nem toda gente se entusiasmou com tal perspectiva, por serem, essencialmente, constituídas por edifícios de crescimento vertical, o que foge ao padrão habitacional a que a maioria da população urbana está habituada e, sobretudo, preparada para usar. Posteriormente, o que seriam as ditas “novas cidades” passou a denominar-se “novas centralidades”, talvez por alguma inadequação da primeira designação, fazendo pressupor uma extinção progressiva das “velhas cidades”.


  1. As eleições gerais de 2008 estimularam o aceleramento da construção de tais centralidades, já porque o MPLA inseriu no seu projecto eleitoral a construção de 1 milhão de novos habitações, alimentando, assim, o sonho de muitos “desalojados” ou “mal alojados” que viam, assim, aproximar-se o dia de possuírem uma casa condigna.


  1. Em ritmo acelerado, e beneficiando do empréstimo chinês e da sua disponibilidade de mão-de-obra, lá surgiram os primeiros edifícios da agora famosa Centralidade do Kilamba. Paralelamente, institui-se uma nova estrutura administrativa para a Província de Luanda, com a incorporação, por exemplo, do município de Catete e o surgimento dos Distritos Urbanos em alguns dos antigos Municípios. Criou-se, também, a figura do Presidente da Centralidade do Kilamba.


  1. O processo de ocupação da Centralidade do Kilamba tem conhecido múltiplos percalços, desta a forma de aquisição e pagamento até à famosa “Lista de Eleitos”, onde surgiam nomes de beneficiários que levantaram a suspeita de se estar perante uma situação de favorecimento por afinidades políticas, ou por uma eventual prestação de serviços ao MPLA, aquando das eleições gerais de 2012.


  1. O Presidente da República tem usado aquele espaço como uma espécie de montra dos méritos da sua governação. Os visitantes estrangeiros manifestam publicamente a sua satisfação. Os órgãos de comunicação social pública fazem gala da Centralidade do Kilamba, transformando-a quase numa espécie de ex-libris da nossa cidade e símbolo do progresso de Angola.


  1. Agora, a chuva do dia 22 de Março desnudou tudo, mostrando que estamos perante um gigante com pés de barro que não resiste a qualquer chuva. Ficou evidente que não se tomaram as medidas adequadas para garantir qualidade de vida a quem para ali for morar. Houve a preocupação em erigir prédios, mas não se cuidou devidamente do saneamento básico, do processo de escoamento das águas pluviais e a frustração abateu-se sobre os seus habitantes e sobre todos quantos ainda alimentaram a expectativa de encontrar ali o espaço adequado para a sua vida doméstica.


  1. Para além de outros eventuais pontos fracos, a criação de verdadeiras piscinas nas ruas da Centralidade do Kilamba é uma falha técnica imperdoável e mancha a imagem pública do Governo. Não há como escamotear esta realidade.

 
  1. O investimento do Kilamba será seguramente pago por, pelo menos, 2 gerações de angolanos. Possivelmente, uma dessas gerações nem verá a imagem que o Kilamba hoje apresenta, pois se prevê um rápido processo de degradação, a partir das fragilidades agora manifestadas.


  1. A pressa de apresentar trabalho com fins eleitoralistas pode conduzir a desastres e perdas financeiras incalculáveis. Por isso, é justo dizer que o Governo ficou muito mal nesta fotografia…


  1. Tenho dito que, caso não se consiga superar o mal, então, os moradores do Kilamba têm que se prevenir, não comprando carros todo-o-terreno, mas, sim, carros anfíbios, para puderem chegar aos seus aposentos, depois de um percurso infindável de muitos quilómetros.

 
  1. Quem pensou em fazer negócio, adquirindo diversos apartamentos para depois arrendar, ou para posterior venda, também fez mesmo um mau negócio, pois, com a imagem do dia 22 de Março, o valor real das habitações do Kilamba desmoronou como um castelo de cartas…

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