segunda-feira, 8 de julho de 2013

A RECORRENTE “TEORIA DA CONSPIRAÇÃO”


  1. O debate semanal da LAC, do dia 26, o “Elas e o Mundo”, aqueceu muito, especialmente na discussão do tema proposto por Alexandra Semião, sobre o clima conturbado que o Brasil vive hoje, com manifestações de rua a mobilizarem milhares e milhares de cidadãos, em dezenas de cidades.

 

  1. Inúmeros brasileiros optaram por contestar nas ruas problemas como: a subida das tarifas do transporte público; os gastos exorbitantes efectuados com a preparação das competições desportivas internacionais – a Taça das Confederações em Futebol, o Mundial de 2014 e os Jogos Olímpicos 2016; também a ainda pouca atenção dada pelo Estado brasileiro à Saúde e à Educação; e, o que agora mais mobiliza os contestatários, a teia da corrupção de que têm dificuldade em libertar-se.

 

  1. No debate, Alexandra Semião manifestou compreensão pelas razões aduzidas pelos manifestantes. Fez mesmo questão de desvalorizar os efeitos colaterais das manifestações, nomeadamente: a violência e a agressividade de uma minoria, assim como algumas mortes que são resultado de actos perfeitamente marginais ao fundo do problema. A sua compreensão era para as questões de fundo que motivaram os protestos.

 

  1. Por sua vez, a advogada Ana Paula Godinho manifestou-se desagradada pelo facto de, afinal, o protesto estar a ocorrer durante o consulado de Dilma Rousseff, uma presidente da República que, segundo ela, se tem mostrado muito empenhada no combate à corrupção, e envolveu-se na materialização de projectos de desenvolvimento social em benefício dos segmentos mais débeis da população – tal como fez o antecessor de Dilma Rousseff, Lula da Silva.

 

  1. A advogada Ana Paula Godinho declarou suspeitar que as manifestações de rua dos milhares de cidadãos brasileiros poderiam ter por detrás a “mão invisível” de certas potências ocidentais integrantes do G8 – o grupo das 7 economias capitalistas mais industrializadas do mundo mais a Rússia. Alegou que tais potências poderiam estar apoquentadas com o aumento do protagonismo das chamadas “economias emergentes” e, em particular, com o Brasil, um dos países que mais tem posto em causa o mecanismo de funcionamento de certas instituições financeiras internacionais, em especial, o FMI e o Banco Mundial.

 

  1. A advogada recordou que o Brasil se mostrou um dos maiores entusiastas da criação de um Banco Internacional a ser alimentado com fundos provenientes das “economias emergentes” – que viria, seguramente, a rivalizar com o protagonismo do Banco Mundial. Em resposta, outra painelista, Laurinda Hoyggard, mostrou-se em desacordo com aquilo que designou “A Teoria da Conspiração”, subjacente à posição da advogada Ana Paula Godinho.

 

  1. O debate da última Quarta-feira foi, de facto, interessante e muito acalorado, creio que bem apimentado, pois tocou numa matéria de grande interesse político e de muita actualidade. Ele permitiu, inclusive, o estabelecimento de certo paralelismo com outras manifestações de rua, quer as que, no passado, tiveram lugar no próprio Brasil – nos tempos da luta contra a ditadura – quer as que vão ocorrendo, actualmente, em outros países, inclusive, dentro do próprio Ocidente.

 

  1. Durante o debate, questionou-se, igualmente, o facto de os partidos políticos brasileiros estarem por de fora do presente movimento reivindicativo. Chegou mesmo a insinuar-se que tal “apagão” seria, talvez, o prenúncio da sua iminente falência mediática. Creio ser isso um tremendo equívoco.

 

  1. Na verdade, seria um grande erro dos organizadores do movimento reivindicativo “deixarem-se tomar” pelos partidos políticos. Se o fizessem, criariam uma clara linha de fractura entre os cidadãos brasileiros, em função das simpatias político-partidárias de cada um. A despartidarização do protesto nacional foi, sim, a atitude mais sábia. E mostrou-se eficaz. Os organizadores do protesto colocaram o acento tónico em questões transversais que apoquentam qualquer cidadão honesto e de boa-fé.

 

  1. O mérito e a oportunidade do movimento reivindicativo podem medir-se pelos resultados políticos que vou deduzir, de seguida:

 

a)     Entrara na Câmara dos Deputados do Brasil uma Proposta de Emenda Constitucional (o PEC 37) que restringia o poder de investigação criminal do Ministério Público e de outras instituições que se têm notabilizado no combate à corrupção. Pela Proposta, os inquéritos criminais passariam a serem competência exclusiva das polícias. Ao Ministério Público ficaria reservado apenas o papel de apresentação das acções e de arquivamento dos inquéritos. O povo apelidou tal proposta de emenda, que passou a ser conhecida por “Lei da Impunidade”, pois, alegadamente, ela acentuaria o risco de corrupção. Fruto da “pressão da rua”, os Deputados rejeitaram tal proposta, com a seguinte votação: 430 votos contra, 9 votos favoráveis e 2 abstenções. A corrupção é uma das matérias que mais estimula agora o movimento reivindicativo. Como se vê, trata-se de um assunto interno que diz respeito ao povo brasileiro. Não me parece que possam aí vislumbrar-se eventuais “interesses ocultos vindos do exterior”.

 

b)    A Câmara dos Deputados aprovou ainda a decisão de destinar 75% das receitas do petróleo ao Sector da Educação. Na proposta original, apresentada ao Congresso antes das manifestações, a Presidente Dilma Rousseff apontava para 100% da receita do petróleo. Contudo, os Deputados optaram por dividir tal receita em duas partes: 75% destinados à Educação e 25% para o Sector da Saúde.

 

c)     Na mesma linha, os Deputados brasileiros decidiram atribuir à Educação 50% dos “recursos do fundo social do pré-sal” – até serem alcançadas as metas do Investimento do Produto Interno Bruto (PIB) em Educação. O Estado propunha-se despender 5% do PIB para a Educação, mas, agora, pretende-se fazer subir a fasquia para 7%, nos próximos cinco anos, e para 10%, até ao final da década.

 

d)    A aprovação das propostas anteriores contou com o apoio do partido da Presidente Dilma Rousseff que, dessa forma, se colocou em sintonia com os manifestantes, dando-lhes, implícita e explicitamente, razão.

 

  1. Viu-se também que o PT (Partido dos Trabalhadores) não saiu à rua a acusar haver qualquer manipulação por parte de partidos da oposição, ou por “forças ocultas” provenientes do exterior. O PT e a Presidente Dilma Rousseff perceberam, claramente, o sentimento popular. Entenderam o grau de maturidade do povo brasileiro e não procuraram menorizá-lo, colocando-o como um mero joguete nas mãos de interesses estranhos...

 

  1. As Centrais Sindicais prometem prosseguir o movimento reivindicativo, colocando na sua pauta outras matérias: mudanças profundas na política económica do Governo; o combate à inflação; a redução do horário de trabalho.

 

  1. Desse modo, o povo brasileiro está a mostrar a sua maturidade, reivindicando o que acha serem seus direitos legítimos. Certamente que se sentiria amesquinhado se alguém lhe dissesse na cara que eles, afinal, não têm vontade própria e são apenas as mais recentes vítimas da “mão invisível do imperialismo”.

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