- O debate semanal da
LAC, do dia 26, o “Elas e o Mundo”, aqueceu muito, especialmente na
discussão do tema proposto por Alexandra Semião, sobre o clima conturbado
que o Brasil vive hoje, com manifestações de rua a mobilizarem milhares e
milhares de cidadãos, em dezenas de cidades.
- Inúmeros brasileiros
optaram por contestar nas ruas problemas como: a subida das tarifas do
transporte público; os gastos exorbitantes efectuados com a preparação das
competições desportivas internacionais – a Taça das Confederações em
Futebol, o Mundial de 2014 e os Jogos Olímpicos 2016; também a ainda pouca
atenção dada pelo Estado brasileiro à Saúde e à Educação; e, o que agora
mais mobiliza os contestatários, a teia da corrupção de que têm dificuldade
em libertar-se.
- No debate, Alexandra
Semião manifestou compreensão pelas razões aduzidas pelos manifestantes. Fez
mesmo questão de desvalorizar os efeitos colaterais das manifestações, nomeadamente:
a violência e a agressividade de uma minoria, assim como algumas mortes
que são resultado de actos perfeitamente marginais ao fundo do problema. A
sua compreensão era para as questões de fundo que motivaram os protestos.
- Por sua vez, a advogada
Ana Paula Godinho manifestou-se desagradada pelo facto de, afinal, o
protesto estar a ocorrer durante o consulado de Dilma Rousseff, uma
presidente da República que, segundo ela, se tem mostrado muito empenhada
no combate à corrupção, e envolveu-se na materialização de projectos de
desenvolvimento social em benefício dos segmentos mais débeis da população
– tal como fez o antecessor de Dilma Rousseff, Lula da Silva.
- A advogada Ana Paula
Godinho declarou suspeitar que as manifestações de rua dos milhares de
cidadãos brasileiros poderiam ter por detrás a “mão invisível” de certas
potências ocidentais integrantes do G8 – o grupo das 7 economias
capitalistas mais industrializadas do mundo mais a Rússia. Alegou que tais
potências poderiam estar apoquentadas com o aumento do protagonismo das
chamadas “economias emergentes” e, em particular, com o Brasil, um dos
países que mais tem posto em causa o mecanismo de funcionamento de certas
instituições financeiras internacionais, em especial, o FMI e o Banco
Mundial.
- A advogada recordou
que o Brasil se mostrou um dos maiores entusiastas da criação de um Banco
Internacional a ser alimentado com fundos provenientes das “economias
emergentes” – que viria, seguramente, a rivalizar com o protagonismo do
Banco Mundial. Em resposta, outra painelista, Laurinda Hoyggard, mostrou-se
em desacordo com aquilo que designou “A Teoria da Conspiração”, subjacente
à posição da advogada Ana Paula Godinho.
- O debate da última
Quarta-feira foi, de facto, interessante e muito acalorado, creio que bem
apimentado, pois tocou numa matéria de grande interesse político e de muita
actualidade. Ele permitiu, inclusive, o estabelecimento de certo
paralelismo com outras manifestações de rua, quer as que, no passado, tiveram
lugar no próprio Brasil – nos tempos da luta contra a ditadura – quer as
que vão ocorrendo, actualmente, em outros países, inclusive, dentro do
próprio Ocidente.
- Durante o debate,
questionou-se, igualmente, o facto de os partidos políticos brasileiros
estarem por de fora do presente movimento reivindicativo. Chegou mesmo a
insinuar-se que tal “apagão” seria, talvez, o prenúncio da sua iminente
falência mediática. Creio ser isso um tremendo equívoco.
- Na verdade, seria um
grande erro dos organizadores do movimento reivindicativo “deixarem-se tomar”
pelos partidos políticos. Se o fizessem, criariam uma clara linha de
fractura entre os cidadãos brasileiros, em função das simpatias
político-partidárias de cada um. A despartidarização do protesto nacional
foi, sim, a atitude mais sábia. E mostrou-se eficaz. Os organizadores do
protesto colocaram o acento tónico em questões transversais que apoquentam
qualquer cidadão honesto e de boa-fé.
- O mérito e a
oportunidade do movimento reivindicativo podem medir-se pelos resultados
políticos que vou deduzir, de seguida:
a) Entrara na Câmara dos Deputados do Brasil uma Proposta
de Emenda Constitucional (o PEC 37) que restringia o poder de investigação
criminal do Ministério Público e de outras instituições que se têm notabilizado
no combate à corrupção. Pela Proposta, os inquéritos criminais passariam a
serem competência exclusiva das polícias. Ao Ministério Público ficaria reservado
apenas o papel de apresentação das acções e de arquivamento dos inquéritos. O
povo apelidou tal proposta de emenda, que passou a ser conhecida por “Lei da
Impunidade”, pois, alegadamente, ela acentuaria o risco de corrupção. Fruto da
“pressão da rua”, os Deputados rejeitaram tal proposta, com a seguinte votação:
430 votos contra, 9 votos favoráveis e 2 abstenções. A corrupção é uma das matérias
que mais estimula agora o movimento reivindicativo. Como se vê, trata-se de um
assunto interno que diz respeito ao povo brasileiro. Não me parece que possam
aí vislumbrar-se eventuais “interesses ocultos vindos do exterior”.
b) A Câmara dos Deputados aprovou ainda a decisão de
destinar 75% das receitas do petróleo ao Sector da Educação. Na proposta
original, apresentada ao Congresso antes das manifestações, a Presidente Dilma
Rousseff apontava para 100% da receita do petróleo. Contudo, os Deputados optaram
por dividir tal receita em duas partes: 75% destinados à Educação e 25% para o
Sector da Saúde.
c) Na mesma linha, os Deputados brasileiros decidiram
atribuir à Educação 50% dos “recursos do fundo social do pré-sal” – até serem
alcançadas as metas do Investimento do Produto Interno Bruto (PIB) em Educação. O Estado
propunha-se despender 5% do PIB para a Educação, mas, agora, pretende-se fazer
subir a fasquia para 7%, nos próximos cinco anos, e para 10%, até ao final da
década.
d) A aprovação das propostas anteriores contou com o
apoio do partido da Presidente Dilma Rousseff que, dessa forma, se colocou em
sintonia com os manifestantes, dando-lhes, implícita e explicitamente, razão.
- Viu-se também que o
PT (Partido dos Trabalhadores) não saiu à rua a acusar haver qualquer
manipulação por parte de partidos da oposição, ou por “forças ocultas” provenientes
do exterior. O PT e a Presidente Dilma Rousseff perceberam, claramente, o
sentimento popular. Entenderam o grau de maturidade do povo brasileiro e
não procuraram menorizá-lo, colocando-o como um mero joguete nas mãos de
interesses estranhos...
- As Centrais
Sindicais prometem prosseguir o movimento reivindicativo, colocando na sua
pauta outras matérias: mudanças profundas na política económica do
Governo; o combate à inflação; a redução do horário de trabalho.
- Desse modo, o povo
brasileiro está a mostrar a sua maturidade, reivindicando o que acha serem
seus direitos legítimos. Certamente que se sentiria amesquinhado se alguém
lhe dissesse na cara que eles, afinal, não têm vontade própria e são
apenas as mais recentes vítimas da “mão invisível do imperialismo”.
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