quinta-feira, 21 de novembro de 2013

UMA RIQUEZA POTENCIALMENTE GERADORA DE CONFLITOS


  1. Nos últimos tempos, Moçambique saltou para os principais espaços noticiosos internacionais, por dois motivos aparentemente não ligados entre si, mas que, como veremos, poderão ter alguma articulação: i) a tensão política e militar que opõe o governo da Frelimo e a Renamo; ii) a descoberta e exploração de enormes jazidas de hidrocarbonetos no seu território.

 

  1.  A tensão política e militar decorre da circunstância de a Renamo ter reivindicado uma maior participação nos órgãos de gestão eleitoral, visivelmente dominados pela Frelimo, o que fez com que o Presidente da Renamo, Afonso Dhlakama, se tivesse retirado para o seu antigo quartel-general, na serra da Gorongosa. Foi aí que ele se resguardou no último ano e de onde se viu obrigado a retirar por força da pressão militar exercida pelas Forças Armadas. Esta conjuntura reacendeu o receio do retorno a uma guerra generalizada que poderá pôr em causa o desenvolvimento de que o povo moçambicano tanto almeja e necessita, e que tem sido recentemente estimulado com a descoberta e a exploração de valiosas jazidas de hidrocarbonetos.

 

  1. A pesquisa por hidrocarbonetos em Moçambique data do início do século XX. Porém, foi no início da década de 1960 que foram descobertos campos de gás em alguns pontos da parte terrestre da Bacia de Moçambique, nomeadamente, os campos de Pande, Buzi e Temane. Mais recentemente, fizeram-se prospecções e obtiveram-se acentuados êxitos na sua costa marítima, com destaque para os enormes reservatórios de gás natural encontrados nos níveis areníticos do Oligoceno, Eoceno e Paleoceno, na Bacia do Rovuma, norte do país. Com essas descobertas, Moçambique passou a ser cotado entre os quatro países do mundo com maiores reservas de gás natural, uma alteração bastante acentuada se nos ativermos aos dados apresentados há ainda poucos anos atrás, quando Moçambique era colocado numa posição bastante secundária no ranking internacional dos países em termos de reservas de gás natural.

 

  1. Em 2009, por exemplo, aquele país nosso irmão nem figurava entre os vinte países com maiores reservas conhecidas de gás natural. À cabeça dessa lista vinha então a Rússia, seguida do Irão, Qatar, Arábia Saudita e Estados Unidos. No final dessa curta tabela víamos a China, Uzbequistão, Kuwait, Egipto e Canadá, por ordem decrescente de importância.

 

  1. Presentemente, grandes gigantes do sector dos hidrocarbonetos estão interessados na exploração do gás natural moçambicano, com destaque para a italiana ENI e para a norte-americana ANADARKO Petroleum. Além destas duas companhias, estão também envolvidas na pesquisa e produção de gás natural no offshore de Moçambique, a PETONAS, da Malásia e a STATOIL, da Noruega, entre outras. As perspectivas do desenvolvimento da indústria dos hidrocarbonetos em Moçambique são, pois, enormes – o que transformará aquele país numa peça importante na geopolítica da região austral do nosso continente.

 

  1. Face aos recentes acontecimentos, começa a generalizar-se a ideia de que a descoberta de hidrocarbonetos e outros recursos minerais em Moçambique, tanto poderá gerar desenvolvimento, como poderá ser causadora de conflitos.

 

  1. Os exemplos mais conhecidos de países que conheceram ou conhecem graves conflitos alimentados pelos recursos provenientes da exploração de recursos naturais são a Serra Leoa, Nigéria, Angola e República Democrática do Congo.

 

  1. Os actuais sinais que podem ser lidos a partir do modelo de desenvolvimento adoptado em Moçambique permitem vislumbrar indícios de que, infelizmente, aquele país poderá seguir a verdadeira “regra geral” que tem causado tanto dano a certos países africanos ricos em recursos naturais. Ou seja: o desenvolvimento de uma classe de novos-ricos forjados a partir de ligações estreitas ao aparelho de Estado; uma subida exponencial dos níveis de corrupção; apego ao poder por parte dos políticos governantes como forma de prosseguirem a sua corrida desenfreada ao enriquecimento ilícito; marginalização relativamente ao bem-estar de largos segmentos da sociedade; insegurança permanente nos centros urbanos e também nos campos e o aumento dos níveis de criminalidade; desenvolvimento de redes mafiosas de todo o tipo; constante instabilidade política roçando mesmo as paredes do conflito armado.

 

  1. Tenho fundadas razões para pensar que a actual situação de Moçambique, e em especial o clima de verdadeira pré-guerra a que se assiste, pode ter sido estimulada pelo seu reconhecido potencial de recursos de todo tipo, mas, sobretudo, pelo modo com se processa a repartição dos seus rendimentos.

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