UMA RIQUEZA POTENCIALMENTE GERADORA DE CONFLITOS
- Nos últimos tempos,
Moçambique saltou para os principais espaços noticiosos internacionais,
por dois motivos aparentemente não ligados entre si, mas que, como veremos,
poderão ter alguma articulação: i) a tensão política e militar que opõe o
governo da Frelimo e a Renamo; ii) a descoberta e exploração de enormes
jazidas de hidrocarbonetos no seu território.
- A tensão política e militar decorre da
circunstância de a Renamo ter reivindicado uma maior participação nos
órgãos de gestão eleitoral, visivelmente dominados pela Frelimo, o que fez
com que o Presidente da Renamo, Afonso Dhlakama, se tivesse retirado para
o seu antigo quartel-general, na serra da Gorongosa. Foi aí que ele se
resguardou no último ano e de onde se viu obrigado a retirar por força da
pressão militar exercida pelas Forças Armadas. Esta conjuntura reacendeu o
receio do retorno a uma guerra generalizada que poderá pôr em causa o
desenvolvimento de que o povo moçambicano tanto almeja e necessita, e que
tem sido recentemente estimulado com a descoberta e a exploração de
valiosas jazidas de hidrocarbonetos.
- A pesquisa por
hidrocarbonetos em Moçambique data do início do século XX. Porém, foi no
início da década de 1960 que foram descobertos campos de gás em alguns
pontos da parte terrestre da Bacia de Moçambique, nomeadamente, os campos
de Pande, Buzi e Temane. Mais recentemente, fizeram-se prospecções e
obtiveram-se acentuados êxitos na sua costa marítima, com destaque para os
enormes reservatórios de gás natural encontrados nos níveis areníticos do
Oligoceno, Eoceno e Paleoceno, na Bacia do Rovuma, norte do país. Com
essas descobertas, Moçambique passou a ser cotado entre os quatro países
do mundo com maiores reservas de gás natural, uma alteração bastante
acentuada se nos ativermos aos dados apresentados há ainda poucos anos
atrás, quando Moçambique era colocado numa posição bastante secundária no
ranking internacional dos países em termos de reservas de gás natural.
- Em 2009, por
exemplo, aquele país nosso irmão nem figurava entre os vinte países com
maiores reservas conhecidas de gás natural. À cabeça dessa lista vinha então
a Rússia, seguida do Irão, Qatar, Arábia Saudita e Estados Unidos. No
final dessa curta tabela víamos a China, Uzbequistão, Kuwait, Egipto e
Canadá, por ordem decrescente de importância.
- Presentemente,
grandes gigantes do sector dos hidrocarbonetos estão interessados na
exploração do gás natural moçambicano, com destaque para a italiana ENI e
para a norte-americana ANADARKO Petroleum. Além destas duas companhias,
estão também envolvidas na pesquisa e produção de gás natural no offshore
de Moçambique, a PETONAS, da Malásia e a STATOIL, da Noruega, entre
outras. As perspectivas do desenvolvimento da indústria dos
hidrocarbonetos em Moçambique são, pois, enormes – o que transformará
aquele país numa peça importante na geopolítica da região austral do nosso
continente.
- Face aos recentes
acontecimentos, começa a generalizar-se a ideia de que a descoberta de
hidrocarbonetos e outros recursos minerais em Moçambique, tanto poderá
gerar desenvolvimento, como poderá ser causadora de conflitos.
- Os exemplos mais
conhecidos de países que conheceram ou conhecem graves conflitos
alimentados pelos recursos provenientes da exploração de recursos naturais
são a Serra Leoa, Nigéria, Angola e República Democrática do Congo.
- Os actuais sinais
que podem ser lidos a partir do modelo de desenvolvimento adoptado em
Moçambique permitem vislumbrar indícios de que, infelizmente, aquele país
poderá seguir a verdadeira “regra geral” que tem causado tanto dano a
certos países africanos ricos em recursos naturais. Ou seja: o
desenvolvimento de uma classe de novos-ricos forjados a partir de ligações
estreitas ao aparelho de Estado; uma subida exponencial dos níveis de
corrupção; apego ao poder por parte dos políticos governantes como forma
de prosseguirem a sua corrida desenfreada ao enriquecimento ilícito; marginalização
relativamente ao bem-estar de largos segmentos da sociedade; insegurança
permanente nos centros urbanos e também nos campos e o aumento dos níveis
de criminalidade; desenvolvimento de redes mafiosas de todo o tipo;
constante instabilidade política roçando mesmo as paredes do conflito
armado.
- Tenho fundadas
razões para pensar que a actual situação de Moçambique, e em especial o
clima de verdadeira pré-guerra a que se assiste, pode ter sido estimulada
pelo seu reconhecido potencial de recursos de todo tipo, mas, sobretudo,
pelo modo com se processa a repartição dos seus rendimentos.
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