- Levado pela
curiosidade despoletada pela denúncia pelas autoridades policiais do
Estado de São Paulo, no Brasil, do desmantelamento e prisão de elementos de
uma rede de traficantes de prostitutas (também de outros tráficos), decidi
consultar o “site” da INTERPOL para verificar a veracidade da informação
sobre o estado do cidadão angolano Bento dos Santos “Kangamba” perante
aquele órgão de polícia internacional. Encontrei, então, junto ao seu nome,
a seguinte frase: “Procurado pelas
autoridades judiciais do Brasil para acusação / Cumprir uma sentença”.
Seguiam os seus elementos de identificação, a sua fotografia e também esta
mensagem: “Se você tiver alguma informação,
entre em contacto com a Polícia Nacional ou Local”. Sucedeu o mesmo o
espaço dedicado a um outro cidadão angolano, de nome Fernando Vasco Inácio
Republicano, tal como o anterior, igualmente alvo de procura internacional
por suposto crime de associação criminosa e tráfico de mulheres para a
prática de prostituição.
- Para termos um
melhor entendimento, deixo aqui a norma praticada pela INTERPOL para
diferenciar os 5 tipos de notícias referentes a pessoas. Devo acrescentar
que INTERPOL age a pedido dos Estados-Membros, por intermédio do seu
Secretariado Geral, socorrendo-se de cores diferentes, conforme a
qualidade do assunto:
·
Canto Vermelho –
Pessoas procuradas para detenção provisória com vista à extradição;
·
Canto Azul –
Procuras para localização, identificação, antecedentes;
·
Canto Verde –
Informação sobre pessoas susceptíveis de desenvolver uma actividade criminosa;
·
Canto Amarelo –
Informação sobre pessoas desaparecidas ou pessoas a identificar em razão da sua
incapacidade;
·
Canto Preto –
Informação sobre cadáveres por identificar.
- Não conheço
pessoalmente qualquer dos cidadãos angolanos atrás citados. Mas, é
inegável que, desde há alguns anos a esta parte, o cidadão Bento dos
Santos “Kangamba” é uma figura notória na nossa sociedade, sobretudo pelo
seu envolvimento no dirigismo desportivo – é proprietário do Clube
Kabuscorp. Daí que a notícia ligando-o a um acto delituoso tenha corrido
tão célere e chamado a atenção de muita gente.
- A atenção sobre a
pessoa de Bento “Kangamba” saiu reforçada pelo facto de ele se ter tornado
um autêntico “pronto-socorro”, para acudir a situações de tensão social, e
também pelo seu nome ser várias vezes associado à repressão de manifestantes
desafectos ao governo. Acresça-se ainda a sua recente ligação familiar
indirecta com o Chefe de Estado, transformando-o numa verdadeira “estrela”
para a comunicação social, que não poupa esforços para lhe proporcionar “momentos
de glória”…
- O cidadão Bento “Kangamba”
– agora foragido à justiça internacional – faz regularmente capa de
jornais que, com frequência, dão destaque aos seus actos mais vulgares,
tecendo-lhe, inclusive, rasgados elogios. Por quem o atura, passou a ser
designado por “Empresário da Juventude”, fazendo doações de recursos para
eventos sociais, geralmente de qualidade social duvidosa. Afirmou-se ainda
como mobilizador de massas e é frequentemente utilizado pelo seu partido
como uma espécie de “pau para toda obra”. Tido como homem rico, faz
questão de afirmar que não tem que dar satisfação pública sobre a origem
da sua riqueza – daí que ela se mantenha dentro de uma nebulosa…
- A Organização
Internacional de Polícia Criminal, mais conhecida por INTERPOL, que agora procura
o cidadão Bento “Kangamba” e o seu parceiro Republicano, tem por missão
estabelecer cooperação com polícias dos diferentes países, para as ajudar
a investigar matéria criminal de qualquer tipo que ultrapasse a jurisdição
nacional. Tem, por isso, um vasto historial de êxitos no deslindar de
casos tidos como complexos. Angola é um dos 181 Estados-Membros da
INTERPOL.
- É tal a importância internacional
da INTERPOL, que lhe permite ter assento, com o estatuto de observador, na
Assembleia Geral das Nações Unidas. Porém, os seus Estatutos interditam-na
de se imiscuir em questões de carácter político, militar, religioso ou
racial. A INTERPOL possui Gabinetes nos países membros, através dos quais
coopera com os organismos nacionais na luta contra a criminalidade.
Existe, pois, um Gabinete da INTERPOL em Angola que coordena a sua acção
entre nós.
- Os objectivos da
INTERPOL estão discriminados no art.º 2.º do seu Estatuto: Assegurar e
desenvolver a assistência recíproca entre todas as autoridades de polícia
criminal no quadro da legislação existente nos diferentes países e no
espírito da Declaração Universal dos Direitos do Homem; estabelecer e desenvolver
todas as instituições capazes de contribuir eficazmente para a prevenção e
repressão das infracções de direito comum.
- Os nossos
compatriotas agora procurados pela INTERPOL, Bento “Kangamba” e Fernando
Republicano, não são passíveis de extradição pelas autoridades angolanas,
conforme disposto no n.º 1 do art.º 70.º da nossa Constituição. O n.º 2 do
art.º 70.º dispõe o mesmo para os “cidadãos
estrangeiros que sejam procurados por motivos políticos ou por factos
passíveis de condenação à pena de morte e sempre que se admita, com
fundamento, que o extraditado possa vir a ser sujeito a tortura,
tratamento desumano, cruel ou de que resulte lesão irreversível de
integridade física, segundo o direito do Estado requisitante”.
- Contudo, o n.º 3 do art.º
70.º diz que “Os Tribunais angolanos
conhecem, nos termos da lei, os factos de que sejam acusados os cidadãos
cuja extradição não seja permitida de acordo com o disposto nos números
anteriores do presente artigo”. Quer dizer que, desde que devidamente
oficiados, os nossos Tribunais não podem “fazer vista grossa” perante os
factos de sejam acusados os nossos compatriotas ou os cidadãos
estrangeiros referidos nos números anteriores.
- Afirmando-se Angola
como um Estado de Direito Democrático, é lícito que, tão logo os nossos
Tribunais conheçam os factos de que são acusados aqueles nossos
compatriotas, ajam em conformidade, dado que o estímulo à prostituição é considerado
matéria criminal no ordenamento jurídico angolano. A não ser que a
designação “Estado de Direito Democrático” seja apenas um artifício
linguístico e um ornamento para enfeitar a noiva… Se não for somente um
artifício, então, possivelmente, estejamos já perante a eminência da “Queda
de um Anjo”, parafraseando aqui o título do célebre romance do português Camilo
Castelo Branco.
- Este caso pode
permitir-nos decifrar vários enigmas e testar a consistência das nossas
instituições.
Sem comentários:
Enviar um comentário