quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

OS GRANDES LAGOS AFRICANOS


  1. A realização, em Luanda, da Conferência Internacional dos Grandes Lagos causou alguma perplexidade, pelo facto de o nosso país, geograficamente, não pertencer à Região dos Grandes Lagos Africanos. Houve quem me tenha questionado sobre o assunto, ao que prometi passar para o papel – escrever um pequeno texto – o que penso sobre essa matéria. Faço-o agora, mas deixem-me, primeiramente, contextualizar devidamente o facto para, assim, ajudar um pouco melhor o seu entendimento.

 

  1. Quando um africano ouve, por exemplo, a expressão Grandes Lagos, vêm-lhe, pela certa, à cabeça os Grandes Lagos Africanos. Se for um norte-americano ou um canadense, a expressão Grandes Lagos remetê-los-á para os Grandes Lagos Americanos, situados entre os Estados Unidos da América e o Canadá. Os asiáticos terão como referência, penso, o Mar Morto, o Mar Cáspio, o Mar de Aral – que, afinal, mais não são do que lagos – bem como o Lago Baikal ou o Lago Balkhash. Os europeus têm, também, os seus lagos de referência, tal como os sul-americanos e outros povos.

 

  1. Ainda esta semana, acompanhei um trabalho de televisão que teve como foco o Lago Baikal. O tema prendeu, especialmente, a minha atenção pelo facto de ter desfrutado, muito recentemente, da das belezas da Bacia do Okavango, no Botsuana. A Bacia do Okavango é uma enorme bacia de água doce por onde se espalham as águas do nosso Rio Kubango, que se transforma em Kavango ao passar pela Namíbia, e que muda novamente de nome para Okavango, já dentro do território do Botsuana.

 

  1. Ao acompanhar a peça televisiva sobre o Lago Baikal, aumentou ainda mais a minha curiosidade sobre rios, lagos e mares, uma velha paixão que tinha guardada dentro de mim e que, agora, se vem revelando de um modo apaixonante. Rios, lagos, mares, e tudo quanto povoa esse mundo maravilhoso... Não é por acaso que se diz que a água é a fonte da vida, e que foi aí onde tudo começou…

 

  1. Infelizmente, os nossos Estados vivem conflitos que os outros povos já ultrapassaram ou, então, estão em vias de ultrapassar, como seja a delimitação das suas fronteiras – mesmo que, aqui ou ali, surjam ainda certos fenómenos de centrifugação. Vivemos, também, e de um modo bastante dramático, as consequências das mal digeridas identidades étnicas e religiosas – o que, não poucas vezes, nos atira para massacres e outras formas de violência sectária. Hoje, a região dos Grandes Lagos Africanos é das áreas geográficas mais instáveis do nosso continente, com conflitos que põem em causa as fronteiras territoriais herdadas da Era Colonial. Noutros continentes, os seus Grandes Lagos já não são matéria de conflito, muito menos palco de guerras.

 

  1. Os Grandes Lagos da América do Norte assumem-se como importantes pólos de desenvolvimento económico. Nos arredores dos lagos Superior, Michigan, Huron, Eire e Ontário – considerados os maiores reservatórios de água doce do mundo – concentram-se algumas das principais cidades norte-americanas e canadenses, como Chicago, Cleveland, Milwaukee, Rochester e Bufallo, e também, Toronto, Montreal e Quebec – as duas últimas, nas margens do Rio São Lourenço.

 

  1. Angola não é um país geograficamente da Região dos Grandes Lagos Africanos. Mesmo assim, somos – ou devemos ser – parte interessada na resolução dos problemas que assolam aquela zona demasiado instável de África. Faz, pois, por isso, algum sentido a atenção especial que damos ao estado daquela região. Recordo que, no passado, estivemos envolvidos militarmente no conflito da RDC, Uganda e Ruanda, no território do Kivu, onde pontifica um dos Grandes Lagos do nosso continente.

 

  1. Vale, pois, a pena darmos ainda uma pequena olhadela à geografia da Região do Grandes Lagos Africanos, para melhor entendermos a complexidade do fenómeno político e social que aí se desenvolve.

 

  1. Os Grandes Lagos Africanos estão situados na África Oriental – justamente considerados dos mais extensos e mais profundos do mundo. A sua formação data de há cerca de 35 milhões de anos, no Vale do Rift Ocidental, uma formação geológica onde se situam a Etiópia, Quénia, Tanzânia, Uganda, Burundi, República Democrática do Congo, Malawi e Moçambique.

 

  1. O Lago Niassa é partilhado por Moçambique, Malawi e Tanzânia. O Lago Tanganica estabelece fronteira entre a RDC, Tanzânia e Burundi. O Lago Kivu confina o Rwanda e o RDC. Os Lagos Eduardo e Alberto são partilhados pela RDC e Uganda. Por sua vez, o Lago Vitória – o maior de todos – separa o Quénia do Uganda e também da Tanzânia. Por último, temos o Lago Turkana – que já foi designado por Lago Rodolfo – é partilhado pelo Quénia (maioritariamente) e pela Etiópia, que tem a particularidade de ser o único Grande Lago Africano situado na parte Oriental do Vale do Rift.

 

  1. Podemos avançar um pouco mais na geografia dos Grandes Lagos africanos: os Lagos Vitória, Eduardo e Alberto vertem as suas águas no Rio Nilo Branco; os Lagos Tanganika e Kivu lançam as suas águas no Rio Zaire; o Lago Niassa despeja as suas águas no Rio Zambeze.

 

  1. O Lago Turkana tem uma característica muito particular, pois, não lança as suas águas num rio, ou no mar – elas ou se evaporam, ou se infiltram nas profundezas da terra. É o maior lago alcalino do nosso mundo, equivalendo ao “Mar Morto”. Tem 290 km de comprimento e a sua largura máxima atinge os 30 km. A profundidade média do Lago Turkana é de 30 m e a máxima vai até aos 109 m. Alguns antropólogos consideram mesmo o Lago Turkana como o berço da humanidade, dado que foi nessa região que foram encontrados dos mais antigos fósseis de hominídeos.

 

  1. Nós, os africanos, ainda não fomos capazes de transformar plenamente a natureza maravilhosa de que estamos dotados em factor de crescimento económico e de geração de bem-estar para os nossos povos. Temos, em grande medida, desperdiçado os imensos recursos que possuímos, perdendo-nos em guerras altamente destruidoras. Precisamos, sim, de valorizar devidamente da paz.

 

  1. É evidente que a paz na Região dos Grandes Lagos Africanos, é, primeiro que tudo, do interesse imediato dos povos e dos países aí localizados. Mas, é também verdade, que há países fora da Região dos Grandes Lagos – como, por exemplo, Angola – que não deixam de ser parte interessada, dado que, qualquer perturbação que aí se verifique, tarde ou cedo se repercutirá dentro das suas fronteiras, por via das migrações massivas de refugiados, ou até pela deslocação de forças militares.

 

  1. Não vejo grande mal em países fora da Região dos Grandes Lagos Africanos se assumirem como protagonistas na busca da paz e estabilidade para a Região. Julgo, porém, que o seu envolvimento deve ter sempre em devida conta a génese dos problemas que têm tornado a Região bastante vulnerável, não se pautando apenas pela satisfação de interesses egoístas imediatos, que ainda complicam mais a já explosiva situação que lá se vive.

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